Segundo trimestre ficou abaixo do esperado e dados apontam para um arrefecimento da atividade em julho, no arranque do terceiro trimestre
Depois de sucessivas melhorias das projeções de crescimento em 2023, a economia portuguesa arrisca agora um movimento contrário, de revisão em baixa. O segundo trimestre ficou aquém do esperado pela maioria dos economistas — muito por causa das exportações, num contexto de estagnação económica da União Europeia (UE), com os juros em forte alta devido à política do Banco Central Europeu (BCE) para contrariar a inflação. E os primeiros dados sobre o terceiro trimestre apontam para um arrefecimento adicional da atividade. Conseguir crescer acima dos 2,5% este ano ficou mais difícil e mais longe.
Os economistas ouvidos pelo Expresso sobre o comportamento da economia portuguesa no segundo trimestre apontavam, em média, para um crescimento de 2,5% em termos homólogos (na comparação com o mesmo período de 2022), e de 0,2% em cadeia (em relação ao trimestre anterior). Mas, os dados da estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE), publicados esta semana, ficaram pelos 2,3% homólogos e zero em cadeia.
Números que colocam o país entre os que mais cresceram na UE face a 2022 (considerando os Estados-membros já com dados disponíveis), embora ficando muito pior classificado na comparação com o primeiro trimestre.
Mas, que significam uma forte travagem da economia portuguesa face aos primeiros três meses do ano, quando o crescimento chegou aos 3,5% homólogos e aos 1,6% em cadeia.
Ainda assim, uma nota de análise da Católica-Lisbon aponta que “não deve ser interpretado como uma paragem no processo de crescimento em curso, mas como uma possível correção do registo surpreendentemente bom do primeiro trimestre do ano”.
EXPORTAÇÕES ARREFECEM
A explicação para esta travagem está, sobretudo, na frente externa. Ainda não há detalhes, mas o INE adianta que o contributo positivo da procura externa líquida para o crescimento homólogo do Produto Interno Bruto (PIB) foi inferior, com um abrandamento das exportações mais marcado que o das importações. Em sentido inverso, o contributo positivo da procura interna aumentou, graças a uma redução menos pronunciada do investimento, já que o consumo privado abrandou.
Quanto à variação em cadeia do PIB, o contributo da procura externa líquida foi negativo — tinha sido positivo no primeiros trimestres —, por causa das exportações. O que contrariou o aumento do contributo da procura interna, refletindo a aceleração do consumo privado.
Este enfraquecimento das exportações “resulta, muito possivelmente, de uma queda nas vendas de bens ao exterior”, aponta uma nota de análise do BPI, lembrando que a “informação da balança corrente (valores nominais) indica contração das exportações de bens, mas continua a indicar forte crescimento das exportações de serviços, nomeadamente turismo”.
Isto quando a economia europeia continua em dificuldades. A UE representa mais de 70% das exportações portuguesas de bens e estagnou em cadeia no segundo trimestre. E não se esperam grandes melhorias para breve, dada a inflação ainda elevada e a trajetória de subida dos juros.
“O caso mais problemático é a Alemanha”, salienta António Ascensão Costa, professor do ISEG. O motor da economia europeia continua gripado, com um crescimento zero em cadeia no segundo trimestre, depois de dois trimestres consecutivos de contração.
“Isto é mau para a economia portuguesa, diretamente através de exportações, e indiretamente porque o crescimento alemão pesa sobre outros países clientes de Portugal”, vinca o economista. “Dificilmente, se um período de estagnação ou fraco crescimento se prolongar na Alemanha, ele não se traduzirá em menor crescimento em Portugal”, alerta.
Ao mesmo tempo, “as exportações turísticas alcançaram e superaram o nível de 2019 e agora o seu crescimento começa a desacelerar”, diz António Ascensão Costa.
“Apesar do bom momento das exportações de bens e de serviços, começa a observar-se uma desaceleração, em especial considerando que em 2022 já houve máximos pós-2019”, aponta, por sua vez, Rui Constantino, economista-chefe do Santander em Portugal.
SINAIS MISTOS PARA O SEGUNDO SEMESTRE
Olhando para a segunda metade do ano, Rui Constantino considera que os sinais são “mistos”. Pela positiva, destaca os baixos níveis de desemprego — a taxa de desemprego manteve-se inalterada em junho nos 6,4% —, “reflexo de uma economia a operar no pleno emprego”, a recuperação da confiança dos consumidores e o seu reflexo nas vendas a retalho. Em sentido contrário, “é visível um abrandamento no turismo”.
A informação disponível sobre o terceiro trimestre é ainda escassa, destacando-se os indicadores de confiança apurados pelo INE. E o que nos dizem é que a confiança dos consumidores continua a recuperar, apoiada no baixo desemprego, mas a confiança dos empresários retrocedeu ligeiramente. “Os dados são consistentes com uma economia a crescer, mas de forma moderada”, diz Rui Constantino.
João Borges de Assunção, professor da Católica-Lisbon, é mais conservador, considerando que os dados “têm saído, em, geral, bastante fracos”. E destaca que o indicador diário de atividade económica, calculado pelo Banco de Portugal, “sugere até a possibilidade de uma contração”.
ara António Ascensão Costa, “na segunda metade do ano, o crescimento do PIB terá de ter maior peso da procura interna, nomeadamente investimento”. Caso contrário “dificilmente atingirá cerca de 2,5%” no conjunto de 2023, defende.
O economista lembra que um crescimento só baseado na procura externa líquida, como aconteceu em Portugal no primeiro trimestre deste ano, “é um caso invulgar”. Ainda assim, “pode acontecer que as Jornadas Mundiais da Juventude acabem por gerar um contributo do mesmo tipo” no terceiro trimestre.
Tudo somado, a Católica-Lisbon mantém a sua projeção de crescimento da economia portuguesa este ano nos 2,4%. O ISEG não mexe na previsão de 2,5%, mas António Ascensão Costa aponta “incerteza”. Quanto ao Santander, que aponta para 2,6%, Rui Constantino avisa que os dados sobre o segundo trimestre “teriam como impacto uma revisão ligeira em baixa”. Mas “iremos aguardar pelos detalhes, e por informação mais concreta sobre a atividade no decurso do terceiro trimestre”, diz.
Para o BPI, os números do segundo trimestre “colocam alguma pressão” sobre a projeção de 2,6%, até porque “o indicador diário de atividade do Banco de Portugal aponta para uma desaceleração significativa da atividade em julho”, lê-se numa nota de análise.
Acresce a “expectativa de que o endurecimento das condições de financiamento pesarão nas decisões dos agentes económicos durante o resto do ano”, aponta a mesma nota do BPI, salientando, pela positiva, que “o mercado de trabalho continua robusto, dando algum suporte ao consumo privado, e o comportamento da atividade turística”.
Recorde-se que a Comissão Europeia aponta para um crescimento da economia portuguesa este ano de 2,4%, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico espera 2,5%, o Fundo Monetário Internacional antecipa 2,6% e o Banco de Portugal projeta 2,7%.