15.6.07

A Europa mudou muito desde a última presidência portuguesa

David Dinis e Paulo Martins, in Jornal de Notícias

Amado acredita que os portugueses confiam na Europa como o melhor caminho para o seu próprio sucesso


O responsável pela política externa portuguesa mostra-se preparado para seis meses de agenda pesada e de enorme responsabilidade. Acredita que a presidência alemã lhe entregará um roteiro simples para a revisão do novo Tratado da UE, o que fará da presidência portuguesa um exercício mais optimista, embora difícil. A 15 dias dessa responsabilidade, diz que a UE mudou e aponta a mais difícil das presidências.

Jornal de Notícias| A 15 dias do início da presidência portuguesa da União, sente que o fardo que recebe é pesado?

Luís Amado | Tem o peso que tem, mas as responsabilidades da União Europeia são bastante grandes. Relativamente à presidência alemã, o seu balanço só pode ser feito depois do Conselho Europeu da próxima semana - sobretudo em matéria de Tratado.

Independentemente do resultado do Conselho Europeu, será sempre uma presidência bastante sensível.

Sim. Em particular, pela situação em que a Europa se encontra internamente. E também pela situação em que a Europa se encontra no Mundo - dada a responsabilidade que tem hoje, num tempo de grande perturbação do sistema internacional, com algumas frentes de conflito, de instabilidade e de crise, que estarão na ordem do dia durante o segundo semestre deste ano.

Acredita que os portugueses ainda têm esperança na Europa, apesar da crise europeia?

Acredito que sim. E alguns inquéritos de opinião têm revelado que, face à inquietação com que os europeus acompanham a evolução da situação internacional, há um reconhecimento que a UE tem um papel importante a desempenhar, como força de equilíbrio e de estabilidade no sistema internacional.

Acha que a política monetária do BCE, por exemplo, não condiciona a maneira como os portugueses olham para a UE?

Acho que os portugueses fazem, em geral, uma avaliação positiva do projecto europeu, até porque o país tem evoluído bastante durante o processo de integração. Mas não podem deixar de reflectir alguma inquietação em relação à forma como a situação da Europa tem estado a processar-se ao longo dos últimos anos - designadamente no que diz respeito ao controlo da inflação e à alta das taxas de juro. Mas os portugueses distinguem perfeitamente o que está em causa, e sabem avaliar em que medida o projecto europeu foi favorável à estabilização do país.

Os líderes europeus sabem explicar a Europa? Ou usam a Europa como escudo para o que de pior acontece (como é caso no aperto económico)?

Há sobretudo um período de transição. A UE quase duplicou o número de Estados, há um processo de decisão de maior diálogo e menos eficaz do ponto de vista das decisões. Nessa perspectiva, a natureza da União mudou. Também pelo "apport" novo que os estados de Leste da Europa trouxeram à União carregaram-na com agendas muito determinadas pelas experiências históricas que viveram, bem diferente da experiência histórica que os países da Europa do Ocidente viveram. É natural que a UE tenha hoje uma natureza diferente, em que a questão da liderança não deixa de se reflectir, e em que a existência do Tratado tem adquirido a natureza mais dramática que temos conhecido nos últimos anos.

Tem defendido que a base do Tratado deve ser o já negociado. Mas a discussão sobre um Tratado simplificado não pode condicionar essa base?

É uma realidade que a proposta de um tratado simplificado se tem vindo a impor como uma proposta viável, que pode abrir uma solução de consenso.

Mas corre o risco de ser um mínimo denominador comum...

A evolução europeia tem sido sempre marcada por essa dialéctica dos pequenos passos. No passado tivemos outras experiências, em que os passos que se pretenderam dar foram demasiado grandes para a sustentação do consenso necessário para a sua realização. O método dos pequenos passos está inscrito na própria natureza do processo europeu desde o seu início. Por isso, não me espanta que se tenha que consolidar um consenso na base de pequenos avanços, como o de um tratado simplificado.

Esta é a mais exigente das presidências portuguesas?

É igualmente exigente. O que temos é que reconhecer que a presidência de 2007 tem um conjunto de circunstâncias bem diferentes das que tinha no ano 2000 e 1992. Exige-se a mesma responsabilidade, a mesma competência e o mesmo rigor na abordagem dos dossiês com que nos confrontamos, mas é preciso pensar que o mundo é bem diferente do mundo de então e que a Europa também não é mesma realidade que tínhamos.

O Governo já definiu se vai haver um referendo ou não?

A questão do referendo tem estado presente nas negociações, é um elemento das negociações. Eu explico porquê porque à partida, designadamente a França e a Holanda, os países que estiveram na origem de todo este processo por causa dos resultados dos referendos que realizaram, decidiram avançar para uma proposta de tratado que evitasse a decisão de um processo de ratificação por um referendo. O Reino Unido também tem manifestado a intenção de aceitar um tratado que não obrigue necessariamente a uma consulta popular.

Isso não dá razão aos críticos, que dizem que a Europa, sempre que tende a democratizar-se, emperra na sua construção?

Não necessariamente, porque o que está em causa é também a natureza das reformas que pretendemos assumir no futuro tratado. A ambição que esteve na origem no projecto de tratado constitucional tinha uma tal dimensão que impunha necessariamente um mecanismo de legitimação, em muitos Estados, por uma consulta directa à suas populações. Mas nem sempre foi assim que a Europa avançou. A UE avançou por pequenos passos, consagrando inovações de grande alcance muitas vezes, por insignificantes que pareçam para o futuro da própria construção europeia. Esse método tem sido um método eficaz.

O pedido de prudência do presidente da República pode ser seguido?

Há um compromisso em relação à realização de um referendo. O Governo português não tem nenhum problema em particular com a realização de um referendo. O que eu fiz referência - e era importante que se percebesse - é que não faz sentido neste momento... Portugal vai assumir a presidência da União Europeia, tendo por isso uma responsabilidade particular na negociação de um acordo entre os estados para um novo tratado. Não faz sentido fazermos da ratificação por referendo uma bandeira, sabendo que outros estados-membros nossos associados estão a fazer da questão da ratificação parlamentar uma questão de bandeira para poderem aceitar um tratado que seja possível num consenso a 27. Seria, do meu ponto de vista, absolutamente inoportuno fazermos do processo de ratificação, e do referendo, uma bandeira para o processo negocial, que tem na questão do processo de ratificação um elemento de referência determinante.