25.6.07

QREN: uma agenda de mudança ou só uma mudança de agenda?

Francisco Jaime Quesado, in Jornal Público

O Quadro de Referência Estratégico Nacional é a última oportunidade para aproveitar os fundos europeus. Mas será um agente de mudança?


Marcando o início de mais uma presidência da União Europeia, é assinado no Porto no próximo dia 2 de Julho o QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), o instrumento que até 2013 se vai assumir como a última grande oportunidade de o nosso país aproveitar os fundos europeus para alterar o seu modelo estratégico de desenvolvimento e, desta forma, evitar o que cada vez mais parece tornar-se irreversível - um atraso estrutural em relação ao pelotão dos países da frente num mundo global cada vez mais complexo e competitivo. Será que o QREN constituirá uma verdadeira agenda de mudança ou pelo contrário não passará duma mera mudança de agenda sem efeitos estruturantes consistentes?

Cabe ao QREN a missão de fazer dos factores dinâmicos de competitividade, numa lógica territorialmente equilibrada e com opções estratégicas claramente assumidas, a chave central para a correcção das graves assimetrias sociais e regionais que continuam a imperar. O "novo paradigma" dos fundos estruturais radica nesse sentido na capacidade de os resultados potenciados pela inovação e conhecimento serem capazes de induzir novas formas de integração social e territorial capazes de sustentar um equilíbrio global do sistema nacional. Terá de ser capaz de assentar em "referências estratégicas" que evidenciam a opção pela mudança e a segurança pela mobilização de projectos para o futuro.

A renovação das empresas

Torna-se essencial neste novo contexto recentrar o modelo das políticas da inovação e do conhecimento nas empresas. Estas deverão assumir-se como o grande referencial de aposta da actuação dos agentes públicos. Importa assumir que a convergência estrutural é uma condição necessária da convergência real e nesse sentido há que clarificar a opção em termos do impacto sistémico das políticas de inovação e produtividade.

A aposta tem de ser clara: recentrar as políticas da inovação e do conhecimento na empresa e na sua envolvente, adoptar uma visão sistémica da parceria estratégica entre a economia e a tecnologia, consolidar as lógicas technology-push e demand-pull como atributos de equilíbrio dum mercado dinâmico, fazer dos "clusters de inovação" o eixo de recentragem dos financiamentos seleccionados e de alavancagem do IDE de alto valor acrescentado como o elemento qualificador da distinção estratégica para o futuro no quadro duma economia global competitiva e complexa.

Tem de se apostar de forma clara na criação de valor sustentado transaccionável no mercado e com dimensão global. A partir do processo de renovação das empresas estarão criadas as condições para permitir a um pequeno país periférico como Portugal entrar nas complexas e competitivas redes internacionais de transacção de produtos e serviços com dimensões renováveis de inovação e criatividade. É este o grande desafio da competitividade que se tem de apoiar no contexto dum Estado moderno e flexível, em que os agentes empreendedores e capazes de acrescentar valor se sintam em condições de protagonizar o desafio da (desejada) mudança.

Um território equilibrado

O desenvolvimento estratégico do país assenta no equilíbrio da evolução económica e social do território. O novo paradigma da aposta das políticas públicas, tendo por base o QREN, assenta na competitividade como a condição central de atractividade dos territórios, articulada com objectivos claros de coesão social e sustentabilidade ambiental. Importa por isso reforçar e valorizar os sistemas territoriais de inovação, apostando nos "clusters de inovação" como pólos de uma nova centralidade, envolvendo os diferentes actores do território.

O acesso ao financiamento por parte dos territórios tem que assentar na lógica da discriminação positiva e, por isso, o caminho é claro na aposta da qualificação dos territórios inteligentes. Potenciar as "âncoras de conhecimento" de base territorial que são já hoje as universidades e politécnicos no sentido de os dotar de mecanismos práticos de "indução de criação de valor" centrados na empresa é o único caminho possível. Os "actores do conhecimento" serão chamados a responder pelos resultados conseguidos na captação de oportunidades empresariais para os territórios e competirá às agências públicas uma monitorização permanente adequada dos resultados conseguidos em matéria de "clusterização do valor".

Trabalhadores incluídos

A aposta na qualificação, como elemento adicional da política pública ligada ao QREN, tem de assentar no paradigma da ambição da última oportunidade. Importa apostar na preparação de "trabalhadores criativos", capazes de induzir na economia um capital de conhecimento estratégico atractivo do investimento e do valor. Não há mais tempo para a qualificação do "stuck in the middle", sem oportunidade no mercado, e as apostas mais básicas e iniciais correspondem a uma intervenção social que ao Estado caberá sempre liderar. A garantia do acesso universal à qualificação, numa lógica de coesão social e territorial, é um imperativo da democracia.

Mas importa mais o "imperativo da criatividade". Fazer convergir os apoios públicos no novo QREN para a selectividade e distinção dos verdadeiros elementos indutores de investimento - a tecnologia, a imagem de marca, o valor transaccionável nos circuitos internacionais. Precisamos que os centros de competência que temos entre nós se focalizem na qualificação de verdadeiros "trabalhadores criativos" e que a lógica dos "clusters de inovação" se afirme como a centralidade de novos pólos de conhecimento, investimento e agregação de massa crítica interoperável nas grandes redes internacionais.

É por isso que a transversalização, inovação e territorialização das políticas públicas tem de ser a marca do QREN. Pretendem-se políticas do conhecimento, centradas em territórios inteligentes e apostas na dinamização de verdadeiros "trabalhadores criativos". Ideias muito simples e claras e para as quais mais não é necessário do que um pacto de "cumplicidade estratégica" e "convergência operacional" entre todos os que têm responsabilidades - actores públicos, empresas, universidades e centros de saber. Esperemos que a partir de agora se desenhe um tempo novo no novo tempo que todos desejamos para a nossa missão colectiva.

Gestor do Programa Operacional Sociedade do Conhecimento

O sucesso da implementação e operacionalização do QREN passa em larga medida pela mobilização de algumas Plataformas Estratégicas cuja concretização se assume como decisiva neste novo tempo de agenda de mudança:

Plataforma empreendedora
Fazer do empreendedorismo a alavanca duma nova criação de valor que conte no mercado global dos produtos e serviços verdadeiramente transaccionáveis é um dos desafios mais exigentes do QREN.

Plataforma organizacional
Importa uma cultura estruturada de dimensão organizacional aplicada de forma sistémica aos actores da sociedade civil. Sem uma plataforma organizacional moderna, o QREN dificilmente terá sucesso.

Plataforma cooperativa
A dinamização da prática de uma "cultura de cooperação" entre os diferentes actores é decisiva neste novo ciclo de financiamento comunitário. Só com lógicas de cooperação positiva em competição se poderá garantir uma presença sustentada nas grandes redes de cooperação internacional.

Plataforma criativa
É essencial potenciar a criatividade como grande elemento capaz de nduzir "dinâmicas de distinção" e de dar aos diferentes segmentos da sociedade civil do nosso país a ambição da diferença.

Plataforma descentralizadora Não se pode conceber uma aposta na competitividade estratégica do país sem entender e atender à coesão territorial, sendo por isso decisivo o sentido das efectivas apostas de desenvolvimento regional de consolidação de "clusters de conhecimento" sustentados. O QREN só terá sucesso se for indutor de uma lógica de descentralização positiva.