Maria João Guimarães e Sofia Branco, in Jornal Público
"Fazer avançar o debate sobre o novo tratado" é o Santo Graal da presidência, mas Manuel Lobo Antunes não quer colocar as expectativas demasiado altas
A agenda é exigente, o tempo é pouco, o fardo é complexo. Manuel Lobo Antunes acha, no entanto, que é possível que Portugal faça uma boa presidência. O cunho nacional é dado com a iniciativa de cimeiras com África e o Brasil e com uma atenção particular ao Mediterrâneo. A cereja em cima do bolo seria a aprovação de um tratado em Lisboa. O secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Manuel Lobo Antunes, está consciente de que todos os olhares vão recair nas falhas da presidência portuguesa. E assume um olhar de esquerda sobre os dossiers.
A probabilidade de que a questão do tratado seja resolvida na cimeira de 21 e 22 de Junho parece estar a ganhar força. O que é que isso representa para a presidência portuguesa?
Até ao momento, não está em causa resolver a questão do tratado constitucional, mas sim que a presidência alemã proponha ao Conselho Europeu um mandato, tão detalhado e claro quanto possível, para que a presidência portuguesa saiba o que fazer. O que está em cima da mesa é a possibilidade de abertura de uma conferência intergovernamental [CIG] durante a presidência portuguesa, para trabalharmos numa nova base legal para a União Europeia (UE).
Uma presidência para um país da dimensão de Portugal pode trazer benefícios e custos...
Tem custos financeiros, porque se investe muito, mas também há retorno, pelas pessoas que nos visitam, nos restaurantes, nos hotéis. Há também um benefício político evidente. Esta é a nossa terceira presidência. Não somos novatos nisto. Havia aquela ideia de Portugal como bom aluno... Digo sempre que já não existe o bom aluno, já completámos o curso. Sei que estaremos sob escrutínio, que as pessoas vão olhar para o programa da presidência portuguesa e vão pôr cruzinhas no que conseguiu e no que não conseguiu. Os sucessos não serão tão exultados e os insucessos serão muito sublinhados. O importante é fazermos o melhor. Se não conseguirmos resolver os problemas, espero que possamos dar uma contribuição positiva.
Avançar com os dossiers é mais fácil tendo uma presidência tripartida?
Não, esta presidência tripartida actua num outro plano, a montante. Foi muito interessante porque foram três países [Alemanha, Portugal e Eslovénia] que fizeram um programa comum. Há um melhor planeamento, sabemos melhor o que está no pipeline, há coerência. Ao mesmo tempo, não impossibilita a escolha de prioridades próprias, não se perde margem de manobra. Três exemplos muito claros: Brasil, África e Mediterrâneo. São questões referidas no programa em geral e que nós vamos sublinhar na nossa presidência.
E essa margem para deixar uma marca própria é grande?
Se calhar já não é, hoje em dia, tão grande. Também não temos de estar sempre a inventar a roda. Há uma pressão para que a União seja sempre notícia e a União tem um ritmo que não é mediático. Mas nas presidências portuguesas temos conseguido dar qualquer coisa de original. Mas também não deve ser objectivo de uma presidência introduzir coisas novas só por introduzir coisas novas.
Portugal não é novato na organização de presidências, mas agora as condições são mais exigentes?
São mais exigentes porque somos mais, porque a Europa é outra, porque o mundo é outro, os problemas são outros. Existe uma dificuldade que é a de reconquistar a confiança dos nossos cidadãos neste projecto. Aí temos um ambiente que não é muito favorável, mas acho que já estamos num ponto de viragem. A economia também está a virar e isso é muito importante para a confiança das pessoas e no modo como olham para a União. Os problemas exigem respostas diferentes e temos de nos adaptar. Mas a base, os mecanismos, os procedimentos, os grupos de trabalho são os mesmos.
A Cimeira com o Brasil enquadra-se nesta mudança dos tempos. Quais são as expectativas?
Conseguirmos contratualizar com o Brasil um entendimento de referência com aspectos muito diversificados, políticos, económicos, comerciais, internacionais. Ter uma parceria. Em 2000, tivemos a iniciativa de realizar cimeiras anuais com a Índia. Temos cimeiras com todos os BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China, as economias emergentes], não tínhamos com o Brasil, que é um país fundamental na América Latina, liderante na Organização Mundial do Comércio, que tem muito a dizer em matérias que hoje são muito importantes, como a energia. Esta iniciativa portuguesa foi muito bem acolhida, como tendo toda a pertinência.
Existe uma tentativa de deixar um cunho português na presidência, com a cimeira UE-África, a cimeira UE-Brasil?
Recusamos a ideia de que a Cimeira Europa-África seja uma cimeira de Portugal com África. Não é. Mas a iniciativa é portuguesa.
De que forma se tece a articulação entre o primeiro-ministro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e os restantes ministérios?
Está estruturada uma máquina que não é diferente da que existiu nas anteriores presidências. O Ministério dos Negócios Estrangeiros é o grande quartel-general, mas há um acompanhamento natural do primeiro-ministro. O ministro [dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado] e eu próprio temos reuniões muito frequentes sobre a presidência portuguesa com o primeiro-ministro. Há uma comissão interministerial para os assuntos europeus, com representantes de todos os ministérios, que, durante a presidência, se vai reunir semanalmente, quer na sua formação completa, quer em formações sectoriais, de acordo com os assuntos mais urgentes que estejam em cima da mesa.
Há algum cunho político do Partido Socialista Europeu (PSE), do qual o partido que governa Portugal faz parte, sobre esta presidência?
Naturalmente que não somos insensíveis aos pontos de vista do PSE e da esquerda europeia. Mas o PPE [Partido Popular Europeu, democratas-cristãos] tem uma contribuição a dar. Não fazemos presidências partidárias. Vamos ter em atenção as críticas e os conselhos dos outros partidos europeus.
Mas há um olhar para os dossiers que se identifique com a esquerda?
Sou dos que acreditam que há esquerda e direita e que é importante que haja esquerda em Portugal. Nessa perspectiva, para mim e para a presidência portuguesa, as questões sociais são importantes. Queremos discutir o modelo social europeu, não para acabar com ele, porque é algo distintivo da cultura europeia, mas para o salvaguardar.
A agenda é extensa. Se tivesse que escolher apenas um dos assuntos em que a presidência portuguesa fosse bem sucedida, qual escolheria?
É óbvio que gostaria muito que pudéssemos dar uma grande e boa contribuição para fazer avançar o debate sobre o novo tratado, porque é uma questão política relevante e que tem a ver com o futuro da Europa.
Ainda assim, tem tentado baixar as expectativas em relação à conclusão do processo do tratado...
Baixar as expectativas é ser-se realista. Tudo depende do mandato e ninguém sabe exactamente qual vai ser. É muito arriscado estar já a dizer que vamos ter um tratado de Lisboa. Não posso levantar muito as expectativas porque posso ter um desgosto e eu não quero ter um desgosto. Manda o bom senso que se seja realista, mesmo que possamos achar que temos uma oportunidade. Não está nas minhas mãos, não está nas mãos da presidência. Somos nós mais 26. Há muitos factores exógenos à presidência que podem fazer dela um sucesso ou um menor sucesso.
"É arriscado estar já a dizer que vamos ter um tratado de Lisboa. Não posso levantar muito as expectativas "
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Número de reuniões que terão lugar durante a presidência portuguesa:
uma média de duas por dia.