Pe. Agostinho Jardim Moreira – Presidente da REAPN, in Agência Ecclesia
A Luta contra a pobreza e exclusão social deve ser uma das prioridades da Presidência Portuguesa
Desde a sua fundação em 1991 que a Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal (REAPN) defende e vem trabalhando no sentido de afirmar uma estratégia determinada e integrada para a erradicação da pobreza na União Europeia, desempenhando, neste processo, um papel fundamental, nomeadamente pela sua permanente capacidade de contribuir com propostas e recomendações concretas.
Uma das mais notáveis e importantes conquistas da Rede Europeia Anti-Pobreza (e de muitas outras organizações) foi precisamente ter conseguido que, no ano 2000, e sob a presidência de Portugal, a União Europeia voltasse a ter uma Estratégia Europeia de Combate à Pobreza onde se inscreveram muitas das suas propostas e recomendações – a famosa Estratégia de Lisboa.
De facto, ao nível nacional, e à semelhança das restantes redes nacionais, a Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal sempre procurou exercer um papel de “ponte” entre Portugal e a União Europeia, tendo como pano de fundo uma especial vocação de mobilizar a necessária expertise e capacidade técnica para a melhor formulação de propostas e recomendações na luta contra a pobreza e a exclusão social.
Ao longo da sua existência são vários os exemplos das importantes conquistas em termos de políticas e acções propostas e defendidas pela Rede Europeia Anti-Pobreza e que, quer ao nível nacional, quer ao nível europeu, se viriam a traduzir em importantes avanços no combate à pobreza.
Apesar de não ser fácil vislumbrar resultados palpáveis e mensuráveis, é possível identificar, e ainda que necessariamente de uma forma muito sumária, um conjunto de mudanças objectivas para as quais muito contribuíram os esforços desta organização, quer em termos nacionais, quer em termos europeus. Merecem a este nível particular destaque as seguintes, que consideramos, de certa forma e ainda que por vezes de forma indirecta, património desta organização:
· A introdução e o reforço de conceitos tão fundamentais quanto os de trabalho em rede, parceria, multidimensionalidade, mainstreaming, participação, e a sua apropriação por parte de diferentes actores, tendo ainda como resultado a sua adopção estratégica em variados programas e iniciativas;
· A modelação e divulgação de boas práticas de intervenção social, nomeadamente no que diz respeito ao estabelecimento de parcerias (nacionais e transnacionais), ao desenvolvimento de projectos concretos e o acesso destes a instrumentos de informação e de formação essenciais para o desenvolvimento de tais acções;
· A consolidação e visibilidade de um Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza;
· A adopção e consolidação de medidas activas de política social, entre as quais se destacam o Rendimento Mínimo Garantido (hoje Rendimento Social de Inserção), o Mercado Social de Emprego e o Programa das Redes Sociais;
· O reforço da visibilidade de problemáticas específicas e estruturais e a capacidade de apresentar propostas concretas para a intervenção junto das mesmas (pobreza extrema, minorias étnicas, violência doméstica, saúde, habitação, emprego, qualidade social, etc.);
· A capacidade de mobilização e sensibilização de diferentes actores, com particular incidência nos campos da investigação e produção de conhecimentos e da formação, nomeadamente pela organização de grupos de trabalho inter-institucionais e inter-sectoriais;
· A capacidade de, através de processos intensivos de informação e de formação, influenciar novas formas de estar e uma nova cultura de intervenção. A este nível merece particular destaque o facto de, ao fim de 16 anos, congregar no território nacional (18 núcleos) um conjunto muito relevante de actores partilhando a mesma forma de estar e de agir assente nos princípios defendidos por esta organização, actores estes com uma capacidade de disseminação e multiplicação desta nova cultura;
· O estabelecimento de variadíssimos protocolos que foram colaborando e dando corpo a várias acções em rede e em parceria, com particular destaque para as colaborações no campo científico e de formação com diversas instituições universitárias;
· A possibilidade de influenciar positivamente a definição de políticas, com particular destaque para dois marcos-chave: a introdução de reformulações ao nível dos Tratados da União Europeia e a definição de uma estratégia europeia de combate à exclusão cuja tradução mais visível são os Planos Nacionais de Acção para a Inclusão (PNAI);
· A introdução e actual exploração do conceito de participação activa das pessoas em situação de pobreza como principais actores das respostas e políticas de intervenção social (desde a concepção, adopção e avaliação dessas mesmas políticas).
Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados como resultados directos ou indirectos da acção da REAPN. É por exemplo importante assinalar que durante estes 16 anos de intervenção foram centenas as pessoas que estiveram em contacto com esta organização e que beneficiaram das suas respostas, com particular destaque para as actividades relacionadas com a informação e a formação. Por outro lado, a capacidade “laboratorial” da REAPN ao nível do desenvolvimento de projectos e acções inovadoras produziu igualmente resultados assinaláveis ainda que sejam difíceis de mensurar. É ainda particularmente importante assinalar a capacidade de produção de conhecimento e sua disseminação pela edição de diferentes publicações e materiais.
Pobreza e exclusão
Foi porque considerámos que a nossa contribuição poderá continuar a ser muito útil e capaz de influenciar positivamente a definição de politicas e modelar uma determinada forma de estar em termos de coesão social e luta contra a pobreza na União Europeia, que julgámos de toda a relevância e oportunidade a possibilidade de, uma vez mais, e aproveitando a nova oportunidade que nos oferece a futura presidência portuguesa, protagonizarmos um movimento de reflexão sobre a actual situação da pobreza e da exclusão social na Europa, sobretudo num momento em que, depois da revisão da Estratégia de Lisboa em 2005, parecer que tal estratégia enfrenta uma acentuada estagnação e, em certos domínios, riscos de regressão dos progressos alcançados em 2000.
Lisboa 2000
Lisboa 2000 formulava uma nova orientação que, reconhecidamente, necessita ser revista mas, e ao mesmo tempo, reforçada (maior implicação dos Estados-Membros, maior envolvimento de todos os actores, participação mais generalizada). Na nossa opinião é hoje, e em relação a esta estratégia, e como dizem os autores desta publicação, fundamental aprender com o passado para melhor projectar o futuro.
Lisboa 2007 é assim uma grande oportunidade para a Presidência Portuguesa da União Europeia marcar um novo rumo produzindo um ponto de inflexão na agenda europeia e iniciando um novo ciclo. Importa não esquecer que, antes de 2020, Portugal não voltará a presidir à União Europeia.
Assim, e de certa forma à semelhança do que aconteceu em 2000, quando a Presidência Portuguesa procurou igualmente a contribuição de vários peritos internacionais para sustentar e fundamentar muitas das suas propostas, a REAPN, em parceria com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Banco Montepio Geral, e com a colaboração de dois amigos e históricos colaboradores da REAPN (Sérgio Aires e Jordi Estivill), propôs-se organizar um encontro de peritos europeus em pobreza e exclusão social. Tais peritos são actores sociais que, ao longo das últimas duas décadas, acompanharam e participaram directa e indirectamente em diferentes fóruns e instâncias de decisão, experimentação e produção de conhecimentos no âmbito de Programas Europeus e internacionais de combate à pobreza, no âmbito da produção de conhecimentos no campo da protecção social e no âmbito das estratégias nacionais e europeias de promoção da inclusão social.
Motivações
· Após a Presidência portuguesa da União Europeia em 2000, onde francos progressos foram alcançados no que concerne à promoção da inclusão social e a uma abordagem europeia da mesma, tendo por base o método aberto de coordenação, é óbvio que, actualmente, a estratégia europeia de inclusão social perdeu parte do seu vigor e se encontra potencialmente ameaçada;
· Se a Estratégia de Lisboa Renovada, aprovada no Conselho Europeu em 2005, continua a manter uma atenção específica em relação ao tema da Inclusão Social, parece-nos igualmente claro que, e sobretudo ao nível dos Estados-Membros, tal atenção e centralidade desapareceu em nome do “Emprego e Crescimento”, minimizando a componente de coesão social e produzindo um desequilíbrio no chamado “triângulo de Lisboa” (competitividade, emprego e coesão social);
· Neste contexto, o combate à pobreza e a exclusão social perderam terreno, e reaparece a “velha” visão de que uma economia forte e competitiva, por si só, é suficiente para combater a pobreza e a exclusão social e é capaz de alcançar fortes níveis de coesão. Infelizmente, esta “máxima” já demonstrou por diversas vezes a sua ineficácia, e é sabido hoje que a economia, por si só, e por mais competitiva que seja, não é capaz de produzir coesão social, sobretudo quando a produção de riqueza não é distribuída de forma equilibrada ou exclui violentamente uma parte dos cidadãos que contribuem para a sua produção;
· Por outro lado, e falando de coesão social nas sociedades europeias, são hoje vários os exemplos que poderíamos apresentar para ilustrar a ideia de que União Europeia necessita de encontrar um novo rumo, uma nova forma de envolver e mobilizar os seus cidadãos, uma linha de orientação capaz de congregar os interesses e esforços solidários de todos os países numa Europa alargada e em permanente expansão territorial, económica e social;
· Finalmente, a discussão sobre a Protecção Social e o futuro do Modelo Social Europeu, num contexto Europeu alargado e tendo como pano de fundo a Estratégia Europeia de Inclusão Social, encontra-se relativamente estagnada. Seria de altíssima relevância que este tema fosse retomado no âmbito da União Europeia e que esta instância fosse capaz de produzir conhecimentos e orientações específicas nesta matéria, encontrando o seu próprio rumo, tendo por base uma forte tradição de protecção social solidária e assente em valores de bem-estar e coesão específicos do Modelo Social Europeu.
As actividades inerentes à iniciativa “De Lisboa a Lisboa”, que atingiram o seu ponto alto durante o encontro de todos estes peritos em Lisboa nos passados dias 9 e 10 de Março, tiveram precisamente como principal objectivo reflectir e apresentar propostas sobre diferentes cenários e áreas de intervenção em termos de protecção social, inclusão social e combate à pobreza.
Tratando-se de um evento em parceria com o Governo Português, estamos certos de que os contributos desta iniciativa, cujos resultados no formato de uma publicação serão apresentados muito em breve, poderão contribuir para a futura agenda da Presidência Portuguesa da União Europeia nesta área, no sentido de que esta possa assumir um forte papel num regresso a uma verdadeira estratégia europeia de Inclusão Social. Portugal tem particulares responsabilidades e uma inequívoca legitimidade nesta matéria que deve saber utilizar.
Sabemos que este é o sentir e também a vontade do Governo Português, de resto já por várias vezes expressa pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
É nossa expectativa que, uma vez mais, os nossos esforços possam contribuir para que a Presidência Portuguesa da União Europeia concretize a possibilidade de um regresso a Lisboa auspicioso em termos de coesão social, onde o combate à pobreza e exclusão social possa ganhar um novo élan e onde a União Europeia possa regressar ao seu projecto fundacional: uma Europa dos cidadãos, de todos, para todos e com todos.