Francisco Peixoto, Jurista, in Jornal de Notícias
Segundo dados do Banco de Portugal a relação dos ordenados e salários, auferidos pelos Portugueses, com o nosso Produto Interno Bruto tem vindo a descer na última década, caindo para percentagens inferiores a 36,8% quando, e por exemplo, entre 1970 e 1973 rondava os 48,5%...., falo de ordenados e salários por constituírem um índice seguro da distribuição da riqueza nacional e os termos cronológicos da comparação vão propositadamente procurar um período anterior ao " 25 de Abril".
Outro estudo revela-nos que 20% da nossa população mais pobre recebe 5,5% do Rendimento Líquido Nacional, enquanto os 20% mais ricos recebem 44,5% do mesmo rendimento nacional e mais impressivamente os 10% mais pobres recebem tão só 2,2% daquele rendimento e os 10% mais ricos 29%, o que nos dá bem a ideia da velocidade de afunilamento no topo das duas pirâmides sociais.
Outros dados, de 2005, apontam para dois milhões de Portugueses (aproximadamente 20% da população) a viverem na chamada faixa de risco de pobreza remetendo-os para padrões internacionais abaixo do limiar da pobreza.
Quase me estranho por recorrer a índices, estatísticas e comparações sobretudo quando tenho uma relação muito próxima e directa com o problema da pobreza na nossa região e quando diariamente toco a inadmissível e intolerável situação em que cada vez mais Portugueses vivem. Bem sei que por isso mesmo todas estas contas me deveriam ser omnipresentes; mas prefiro a ordenada resolução caso a caso e em profundidade - à maneira humanista e cristã - à frieza das colunas dos números é uma tendência de formação porque, evidentemente, essas realidades são absolutamente complementares e nunca de " per si" excludentes.
Mas há muito que me admiro e interrogo sobre a aparente passividade com que tantos de nós tão mansamente suportam situações que se extremam dia a dia; quando tantos se marginalizam pelo também insuportável ruído e estrondo do sucesso na nossa sociedade de consumo; quando o veneno social do pecado único a pobreza, nos faz suportar tudo e mais alguma coisa para a manter escondida
; quando tão incrivelmente nos deixamos enganar consciencializando e assimilando no fundo do nosso ser culpas que não são nossas e vergonhas que não nos pertencem.
Parece-me incontestável estar o Estado a percorrer um caminho de insuficiência absoluta nas suas funções mais vitais A saúde, a educação, a justiça, a segurança, e a assistência social. Quem pode contestar a inacessibilidade destes serviços, ou pelo menos à sua eficácia minimamente aceitável, das bolsas menos afortunadas? Quem tem efectivamente acesso a estes serviços? E os outros
, que cada dia que passa são mais e mais? O que lhes resta? E as crianças e a sua educação? Que reais possibilidades têm as mais pobres nesta sociedade tão parolamente pseudo-competitiva de acesso a uma escolaridade suficientemente habilitante? E assim poderíamos passar revista pelos sectores atrás apontados e por muitos outros. O pior é que isto que escrevo é largamente consensual se não mesmo até unânime..; mas para quando as reais soluções, as que não se podem construir sem todos nós e sem a nossa mobilização massiva?