Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal de Notícias
É a cimeira de todos os perigos e de todas as promessas. A luz está à vista ao fundo do túnel. Mas ninguém julga possível alcançá-la
Os líderes da União Europeia (UE) preparam-se para travar um longo braço-de-ferro para a definição das grandes linhas do futuro tratado - substituto da defunta Constituição europeia - durante uma cimeira que hoje arranca em Bruxelas e que poderá terminar num fracasso.
O encontro tem em pano de fundo uma forte animosidade dos líderes polacos face à Alemanha, mas, igualmente, a resistência inesperada do Reino Unido a algumas das disposições que foram aceites em 2004 pelo primeiro-ministro, Tony Blair, que participará na última cimeira nessa qualidade.
Ainda que ontem se tenha suavizado o tom das críticas quase em tom bélico com que metralharam Berlim nas últimas semanas, os irmãos gémeos Lech e Jaroslaw Kaczynski, respectivamente Presidente e primeiro-ministro da Polónia, são os provocadores anunciados da cimeira. A sua reivindicação de alterar o sistema de cálculo das maiorias qualificadas para as decisões do Conselho de Ministros dos Vinte e Sete está a provocar a maior dor de cabeça à actual presidência alemã da UE.
A cimeira não pretende chegar a acordo sobre o novo tratado, mas simplesmente sobre o mandato de negociação para a conferência intergovernamental (CIG), que terá a missão de o redigir até ao fim do ano. Mas mesmo a definição deste mandato, que a maioria dos países quer tão preciso quanto possível para facilitar as negociações - a começar por Portugal, que as vai conduzir enquanto próxima presidência da UE a partir de Julho - está a revelar-se uma missão quase impossível.
Nem bandeira, nem hino...
Berlim apresentou pela primeira vez na terça-feira à noite aos representantes pessoais dos primeiros-ministros um projecto de mandato. O texto, a que o PUBLICO teve acesso, retoma o essencial da substância da Constituição, sobretudo o capítulo relativo à reforma das instituições comunitárias que praticamente todos os países querem manter inalterado. Sem surpresas, as principais mudanças referem-se à eliminação do título e do estilo da Constituição, a par dos símbolos da UE - bandeira, hino, dia feriado - e da totalidade das disposições que reuniam os tratados actuais.
Embora aceite introduzir alguns ajustamentos no capítulo institucional, Berlim manteve inalterado o cálculo das maiorias qualificadas - um sistema de "dupla maioria" assente em 55 por cento dos Estados (15 em 27) representando 65 por cento da população comunitária.
Varsóvia considera, no entanto, que este sistema beneficia fortemente os países mais populosos, sobretudo a Alemanha, em detrimento dos médios, como a Espanha e a Polónia, e exige assim a sua alteração para reduzir o peso dos grandes.
Os outros países entendem, contudo, que reabrir esta questão poderá pôr em causa o delicado equilíbrio do "pacote institucional" conseguido a muito custo em 2004.
Ao longo das últimas semanas, os irmãos Kaczynski, multiplicaram as acusações de "hegemonia" alemã, chegando ao ponto de afirmar que a população da Polónia só não é mais elevada e mais próxima da do país vizinho por causa da Segunda Guerra Mundial. Ambos ameaçam assim vetar o mandato para o novo tratado, uma postura que, conhecendo os gémeos, os outros países levam a sério.
...nem Negócios Estrangeiros
Ontem, porém, Varsóvia adoptou uma atitude mais conciliadora. "Só queremos poder discutir o sistema de votos [durante a CIG]", afirmou Jaroslaw Kaczynski.
O problema é que Berlim apenas aceita discutir a questão na cimeira para logo a encerrar, recusando firmemente deixá-la em aberto para negociação na CIG, de modo a evitar o risco de um descarrilamento do debate. "Há uma posição comum de 25 países no sentido de não discutir [a questão]", disse um alto responsável da presidência alemã.
A República Checa, o único apoio dos polacos, multiplicou ontem os contactos com várias capitais em busca de uma solução de compromisso destinada a evitar o isolamento de Varsóvia. Várias possibilidades estão em estudo, incluindo o adiamento da data de aplicação da "dupla maioria", ou a possibilidade de prolongar as discussões sobre uma proposta legislativa sempre que os países em oposição se aproximem do limiar da "minoria de bloqueio" (4 Estados e 35 por cento da população) que impede a aprovação de uma decisão.
Mais complicada que a questão polaca poderá ser, no entanto, a oposição britânica a alguns aspectos do tratado considerados essenciais para os 18 países que já ratificaram a Constituição e que querem preservar as suas disposições. Londres surpreendeu esta semana os seus pares ao pôr subitamente em causa as competências do futuro ministro dos Negócios Estrangeiros, posição que complementa a sua oposição já conhecida ao carácter vinculativo da Carta dos Direitos Fundamentais e ao aumento das decisões por maioria qualificada. Os ingleses garantem que preferem um fracasso da cimeira do que um mau acordo.
Sem excluir o cenário de um fracasso, a presidência alemã mantém a esperança de que conseguirá um acordo sobre o mandato. Nem que precise de obrigar os líderes da UE a permanecer em Bruxelas mais do que os dois dias previstos para a cimeira.