Fernando Sousa, in Jornal Público
A activista saraui Aminetu Haidar, "desaparecida" durante quatro anos nas masmorras marroquinas, está "pronta a voltar para a prisão"
Aminetu Haidar é um nome maior da resistência pacífica do Sara Ocidental, anexado por Marrocos em 1975. O fim inconclusivo da ronda entre as duas partes na terça-feira não a surpreendeu. Receia que no limite a guerra volte. Mas acha que a melhor maneira de a evitar é trabalhar pela paz e os direitos humanos. Em Portugal a convite dos eurodeputados Miguel Portas e Ana Gomes, falou com o PÚBLICO.
PÚBLICO - Parece que as negociações com Marrocos voltaram a dar em nada. Ficou surpreendida?
Aminetu Haidar - Não. Já sabia que o diálogo não ia resolver o problema na primeira volta. Enquanto militante dos territórios ocupados do Sara Ocidental vejo diariamente as violações aos direitos do homem que Marrocos ali exerce contra a população saraui. Como é que Rabat pode negociar se ao mesmo tempo tortura e espolia as pessoas?
Como é que acha que o impasse pode ser ultrapassado?
Temos de ser pragmáticos. Marrocos é apoiado por vários países europeus...
Pelos Estados Unidos também...
Sim, claro... É por isso que ele continua a negar a legalidade internacional. E esta situação permanecerá enquanto o mundo não se mexer e disser que há resoluções internacionais que têm de ser aplicadas
.
Refere-se à Resolução das Nações Unidas de 1975, por um referendo?
Refiro-me a todas as que a ONU aprovou, uma após outra, uma após outra. É preciso exercer pressão sobre a parte que não aplicou a resolução. É uma questão de descolonização.
Mas o caso arrasta-se há 32 anos. Mantém a esperança?
O povo saraui nunca perdeu a esperança. Mantém a vontade de resistir até obter o seu direito legítimo à autodeterminação.
Isso inclui a possibilidade do regresso à guerra?
Como militante dos direitos humanos, prefiro a resistência pacífica. Mas até quando os sarauis aguentarão ficar de mãos atadas?
Essa resistência pacífica como é?
Há uma Intifada, desencadeada em 2005, feita de manifestações pacíficas, quase todos os dias. A nossa Intifada não é como a palestiniana, o que fazemos é desfilar e entoar slogans.
Há detenções?
Há mais de meia centena de presos políticos sarauis. A situação dos direitos humanos nos territórios ocupados deteriora-se de dia para dia. Tornou-se alarmante. Há cinco estudantes detidos em Agadir, sete em Marraquexe, oito em Arabat, alguns com traumatismos físicos. Uma jovem, Soltana Khaya, perdeu o olho direito.
E desaparecidos?
São 526.
Acha que estão vivos?
(Hesita) Acho que sim.
Esteve desaparecida durante quatro anos. O que sente um "desaparecido"?
Olhe, imagine uma pessoa arrancada à família, ao afecto dos seus. Era jovem, solteira, uma estudante brilhante. Imagine uma pessoa assim ir parar de repente às mãos de torcionários que não fazem distinções... Não sabia nada do mundo exterior. A minha família não sabia nada de mim. Mas fora da prisão estávamos privados de passaporte, como me aconteceu depois durante 15 anos.
Abraçou cedo a causa saraui...
O meu militantismo começou quando tinha 17 anos. Mas este meu actual trabalho de defesa dos direitos humanos teve início depois da minha libertação, em 1994.
No âmbito de uma organização?
Quisemos fazer uma, a Associação Saraui das Vítimas das Violações dos Direitos Humanos, mas o tribunal não a autorizou. Criámos entretanto um grupo de defesa dos direitos humanos, que deverá ter um congresso em Julho ou Setembro, mas não sabemos se vamos ser autorizados.
Têm tido apoios internacionais?
Sim, de organizações humanitárias como a Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional, que lançou uma grande campanha para a minha libertação.
Porquê a sua vinda a Portugal?
Para sensibilizar a sociedade portuguesa sobre a situação dos direitos humanos no Sara Ocidental. E também porque foi graças a Portugal que Timor-Leste pôde alcançar a sua independência.
O que pode Lisboa fazer?
Portugal vai presidir à União Europeia. Pode intervir junto de Marrocos para este respeitar os direitos elementares do povo saraui. Pode pressionar a UE a analisar o acordo de pescas com Marrocos, que inclui as águas territoriais sarauis. Pode pedir a Rabat que respeite o direito à autodeterminação do povo saraui...
A Europa esqueceu os sarauis?
Toda a Europa, não. Há países aqui que não a esqueceram, como a Itália, a Alemanha ou os países escandinavos. Mas o país que mais tem bloqueado a questão é a França. Esperamos que isso mude com o novo Presidente Sarkozy.
Pode ter problemas no seu regresso?
Por aquilo que defendo, estou pronta a voltar para a prisão.