22.6.07

Prostituição na sociedade globalizada

in Agência Ecclesia

Religiosas prestam auxílio a mulheres vítimas de exploração sexual no nosso país e pedem mais apoios


A Globalização quebra barreiras, encurta distâncias, une as pessoas. Factos consensuais e pacíficos. Mas que carregam também o reverso da medalha. A aldeia global influencia o aumento do tráfico e exploração de mulheres porque claramente “permite as pessoas viajem mais, conhecem melhor outros países”.

Esta foi uma reflexão que juntou colaboradores, também entidades que manifestam interesse nesta problemática e as Irmãs Adoradoras do Grupo de Trabalho «Tráfico Humano e Prostituição» da CIRP. Mulheres consagradas que no dia a dia prestam auxílio a outras mulheres vítimas de exploração sexual.

A reflexão foi orientada pelo Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, Rui Marques que evidenciou as novas escravaturas “para as quais não estávamos despertos”, considerou a Irmã Júlia Bacelar. Habituados a reflectir sobre o sistema capitalista que escraviza as sociedades, “que promete sonhos para pessoas oriundas dos países pobres, mas que resultam em frustrações”, os participantes despertaram para outra realidade apresentada por Rui Marques.

A escravatura da “incomunicação” tanto entre famílias como mesmo entre instituições e também a escravatura do “desespero, do desânimo e desistência” que leva as pessoas a não lutarem dentro dos seus ambientes.

A Irmã Júlia sublinha que foi um momento de reflexão importante, pois no dia a dia com frequência se esquece que “formamos parte do sistema que criticamos e por isso ajudamos à permanência das escravaturas”. No entanto, longo é o trabalho que as Irmãs Adoradoras do Grupo de Trabalho «Tráfico Humano e Prostituição» desenvolvem junto de um grupo da população que conta com pouco auxílio, quer por parte de instituições estatais com também por parte da Igreja.

O trabalho realizado centra-se nas mulheres que se prostituem, mas esta situação traz consigo outros problemas - violência doméstica, incesto, exploração sexual de crianças, resultante das famílias desestruturadas com quem lidam. Temas que a opinião pública se habitua a reconhecer e a despertar, dada a mediatização de alguns casos, mas que, longe do conhecimento geral, “tem ainda muito trabalho a ser feito”, refere a Irmã Júlia Bacelar.

“É preciso mostrar o rosto das vítimas, sem mostrar o rosto das mulheres”, evidenciando este problema de forma a colmatar um vazio nesta área. O tráfico de mulheres para exploração sexual ganha agora uma lei a ser apresentada publicamente na próxima sexta feira. É um Plano Nacional contra o tráfico de seres humanos, que contempla uma parte específica sobre as mulheres exploradas, que inclui a exploração sexual e concede mais direito às mulheres nesta situação, nomeadamente um período de 60 dias de reflexão “com ordem a que pensem na sua vida e no que querem fazer”.

Concede ainda a possibilidade de um tradutor em caso de as vítimas serem estrangeiras, aumenta também a protecção na saúde, entre outros itens.

A Irmã Júlia explica que criaram alguma expectativa quanto a este novo enquadramento jurídico. “Não se trata de legalizar a prostituição, mas antes de legislar e dar soluções”, explica, acrescentando que “muitas mulheres não têm documentação, algumas são estrangeiras, não têm descontos e chegando a uma idade, que chega cedo pelas doenças que adquirem - precisam de estar enquadradas”.

Até agora “quase que trabalhávamos ilegalmente porque abrimos uma casa sem lei nem subsídios”, dá conta. Pela casa que têm há seis anos - não revelam o local por questões de privacidade e protecção - já passaram 77 mulheres, algumas delas com os seus filhos. Não existem muitas entidades que trabalhem nesta área, por isso “temos o objectivo de criar uma rede de trabalho, também de reflexão e aprofundamento para uma melhor preparação em ordem a um melhor trabalho”.

São precisos mais serviços de apoio, começando pela saúde. “Não se pode fazer de conta que não existe”, situação que muitas vezes acontece. “São pessoas que em termos sociais quase não existem”, dá conta, pois “não só são olhadas de lado como perdem todos os direitos humanos”. As mulheres na prostituição, “já nem na pobreza estão, mas num nível inferior”.

De um sem abrigo, todas as pessoas se compadecem, mas “as prostitutas suscitam repulsa”, reacção sentida pelas próprias mulheres, “só pelo olhar”.

Situações que precisam ser trazidas à luz do dia, suscitar reflexão e tomadas de posição. A Igreja Católica que tem estado na linha da frente sobre as migrações e os refugiados, “neste área não se pronuncia”, afirma a Irmã Júlia. Mas também o Estado “precisa de criar respostas e incentivar a sociedade civil a agir”.