Rute Barbedo, Jornal Público
As políticas de Cartum e a violência já obrigaram vários grupos a deixar o Darfur. A Oxfam saiu há dias
O Governo sudanês e os grupos de rebeldes do Darfur colocam crescentes obstáculos às operações de ajuda das quais dependem centenas de milhares de civis. O conflito tem endurecido nos últimos meses, dificultando o trabalho em várias regiões.
"Desde 2005, assistimos a um processo contínuo de degradação da segurança", com "membros de grupos internacionais presos, ameaçados e pressionados pelo Governo", disse ao PÚBLICO por telefone Leslie Lefkow, investigadora da Human Rights Watch (HRW) para o Darfur.
A situação agravou-se em 2006, após o acordo de paz com a ONU. A investigadora recorda que, no mesmo ano, o Sudão promulgou regulamentos dirigidos às organizações não-governamentais e que, a partir daí, houve uma intensificação nas restrições, detenções e práticas de intimidação contra agentes humanitários, enquanto do lado dos rebeldes aumentavam os ataques.
"O conflito foi assistindo a uma série de mudanças: em 2003 havia dois ou três grupos de rebeldes e em 2007 já eram mais de dez", nota Lefkow. "Quantos mais actores no terreno, mais lados há com que negociar."
Alun McDonald, do programa da Oxfam no Sudão, actualmente em Cartum, constata o mesmo: "Catorze agentes humanitários foram mortos no Darfur nos últimos 12 meses, mas há incidentes todos os dias - veículos assaltados, funcionários roubados, raptados, alvejados e intimidados, e escritórios arrombados."
"O Darfur não tem leis", continua McDonald. "Há três anos que a HRW pede sanções ao Conselho de Segurança da ONU e à União Europeia e ninguém faz nada", diz, por seu turno, a investigadora deste grupo, explicando que "nada se resolve porque eles [Governo e rebeldes] nunca pagaram qualquer preço".
"Zonas interditas"
Paralelamente, cresce a censura, refere Lefkow. "Em 2005, dois elementos dos Médicos Sem Fronteiras foram presos após terem publicado um relatório das violações de que tiveram conhecimento", diz.
A isto juntam-se estradas bloqueadas e "zonas interditas". E por isso grande parte da população vive isolada e na escassez de água potável, alimentos, segurança e assistência médica, ao mesmo tempo que os campos de deslocados vão ficando sobrelotados, em condições favoráveis à propagação de doenças.
Ao lado dos quatro milhões de civis em perigo, 13 mil membros de organizações vivem diariamente os golpes de um conflito que já matou mais de 200 mil pessoas em quatro anos.
Segundo a HRW, os combates já obrigaram o Comité Internacional da Cruz Vermelha a retirar-se de Seleah. Golo e Rokero deixaram de ter a presença de qualquer organização desde os confrontos de 2006. No mesmo ano, em Jebel Marra, incidentes forçaram grande parte da população e elementos de organizações a fugir.
O Conselho de Refugiados Norueguês abandonou o Sudão, alegando que o Governo restringia o seu trabalho. A Oxfam diz que os Médicos do Mundo abortaram a missão no Darfur por falta de segurança e que o grupo Save the Children, do Reino Unido, também deixou o território.
Roubos e violações
A Oxfam foi a saída mais recente, abandonando esta semana o maior campo do Darfur, Gereida, onde permanecem 130 mil pessoas. Alun McDonald justifica a partida: "Doze veículos foram roubados, um membro da Oxfam foi gravemente espancado, uma colaboradora francesa de outra organização foi violada, muitos outros foram baleados e forçados a passar por falsas execuções com armas apontadas às cabeças." "Sentimos que temos de demonstrar que isto não pode continuar", sublinha.
Para Lefkow, da HRW, "o problema não são as agências que saem, mas principalmente o facto de que as que ficam não podem agir". "Queremos desesperadamente ajudar as pessoas. Mas torna-se difícil fazê-lo. A nossa capacidade para chegar aos mais desfavorecidos é muito menor do que em qualquer altura dos últimos três anos", confessa Alun McDonald.
A recente autorização dada pelo Sudão para que a ONU envie forças para integrarem com a União Africana (já presente) uma missão única é, para muitos, uma grande vitória. Para Lefkow e McDonald, poderá não passar de uma assinatura. "Todo o foco da comunidade internacional na força híbrida está a desviar as atenções das necessidades mais urgentes do Darfur - o cessar-fogo e o fim dos ataques a civis e a agentes humanitários", defende o membro da Oxfam.