Eduarda Ferreira, in Jornal de Notícias
Pela primeira vez na História da humanidade, no próximo ano, metade da população mundial estará fixada nas cidades. O peso do meio urbano face ao meio rural irá acentuar-se ao longo do século e este é um fenómeno que não pode nem deve ser contrariado, porque as pessoas têm direito a procurar melhores condições de vida, apesar dos bairros degradados a que estão votados muitos dos pobres. Este ponto de vista é defendido no relatório, ontem divulgado, do Fundo da População das Nações Unidas. Em Portugal, também há quem seja da mesma opinião.
O Mundo está prestes a deixar para trás o seu passado rural, avisam as Nações Unidas. No próximo ano, 3,3 mil milhões de pessoas estarão a viver em cidades e, em 2030, quase cinco mil milhões se concentrarão em meios urbano. Não se pode contrariar o fenómeno, nem se deve, avisa o Fundo da População, que defende haver nisto "claras vantagens" para o processo de redução da pobreza. Tais vantagens podem descortinar-se na medida em que as cidades são vistas como acesso a melhores condições de vida, expressas por mais formas de a ganhar, mais oportunidades de educação e saúde e ainda maior autonomia da mulher face a submissões tradicionais. O relatório lembra que muita da migração tem origem em zonas rurais onde há casamentos precoces combinados e onde à mulher não é reconhecido sequer o direito a ter bens.A saúde materno-infantil é aí outra desvantagem.
No mundo desenvolvido, as cidades estão a crescer pouco. Será na Ásia e em África que as migrações para o meio urbano vão ter mais expressão. Em quatro décadas o aumento nesses dois continentes atingirá os 80%. Mas a tendência no Mundo não será para alimentar as megacidades (com dez milhões ou mais), sim os centros que agora rondam o meio milhão de habitantes.
O Fundo da População das Nações Unidas não vê só vantagens nas cidades. Reconhece que elas existem como potencialidade para os pobres, mas que a estes ainda são negados direitos citadinos, muito em especial na habitação. "A habitação inadequada está no cerne da pobreza urbana", afirma o relatório, que defende a necessidade de espaços com infra-estruturas básicas para a migração das próximas décadas. Por isso, apela aos governos, planeadores e sociedade civil para que não transformem "uma oportunidade em desastre". As comunidades pobres, sustenta o relatório, são capazes de se mobilizar para melhorar as condições de vida a partir de direitos como um endereço e um espaço que seja considerado seu.
"As cidades concentram a pobreza, mas também são a melhor oportunidade para se escapar dela", afirma o documento, para admitir que a densidade populacional "é potencialmente útil", ao exigir menos terra ocupada. Na mesma linha, é considerado que a desconcentração da população e das actividades económicas pelo território, "mesmo que fossem possíveis, não trariam grandes melhoras". A atenção ao ambiente urbano, favorecendo parques para contrariar as ilhas de calor urbano é um dos sobreavisos aos planeadores.