8.6.07

Rasmussen aconselha Portugal a "usar alguns tijolos do edifício da flexi-segurança"

João Manuel Rocha, in Jornal Público

É considerado o "pai da flexi-segurança" e vê o modelo que aplicou na Dinamarca como o que melhor pode assegurar as mudanças provocadas pela globalização no mercado de trabalho


Economista que trabalhou no sector sindical, líder social-democrata durante mais de uma década, Poul Nyrup Rasmussen foi primeiro-ministro da Dinamarca entre Janeiro de 1993 e Novembro de 2001. Foi nesse período que introduziu com êxito o conceito da flexi-segurança no país e juntou às suas credenciais uma descida do desemprego jovem de 12,2 por cento para 0,5 por cento. Presidente dos socialistas europeus desde 2004, ano em que também foi eleito membro do Parlamento Europeu, é uma espécie de embaixador da "flexi-segurança". "Como presidente do Partido Socialista Europeu, e antigo primeiro-ministro socialista, não defenderia a flexi-segurança se não acreditasse que não é do interesse fundamental dos trabalhadores. Mas também digo que a flexi-segurança deve ser feita do modo certo", disse ao PÚBLICO.

"O importante é perceber o que acontece quando as pessoas ficam desempregadas", defende Poul Rasmussen

Não defende uma aplicação cega do modelo que procura conciliar flexibilidade nas contratações e despedimentos com protecção social e políticas activas de formação e emprego. Mas considera que "alguns tijolos" da flexi-segurança podem ser usados em Portugal. Poul Rasmussen, presidente do Partido Socialista Europeu, esteve esta semana em Lisboa, a convite do grupo Multipessoal e da Unimagem, e destacou, em entrevista ao PÚBLICO, a importância de investir na qualificação das pessoas. Segundo os seus cálculos, dando os passos certos, a Europa pode gerar dez milhões de empregos até 2020.

PÚBLICO - A flexi-segurança, afinal, é o quê?

POUL RASMUSSEN - É uma forma de tornar a vida melhor para os trabalhadores, quando mudam de emprego. Vivemos num mundo onde a globalização significa mudança. O meu pai não mudou de emprego. Nos nossos dias, vamos ter mais mudanças de emprego do que no passado. Temos de dizer aos jovens que terão de mudar dez ou 20 vezes. Os trabalhadores, no futuro, serão forçados a mudar de emprego, se não fizerem uma escolha comum com a sociedade. Flexi-segurança é assegurar que, quando o trabalhador muda do velho para o novo emprego, o faça da melhor maneira possível, de forma rápida, boa, que lhe dê melhor salário face ao emprego anterior, melhores qualificações e um emprego mais interessante.

A perspectiva é de mais flexibilidade ou mais segurança?

Ambas. O importante é perceber o que acontece quando as pessoas ficam desempregadas. O problema principal é arranjar um novo emprego. Temos interesse em insistir no mesmo emprego, se nos afundarmos com esse emprego e com a empresa? Se a economia está sempre a mudar em consequência da globalização, nós podemos seguir essa mudança. É como os mecânicos de automóveis: não usam para os novos modelos da Mercedes ou da Fiat as mesmas ferramentas que usavam há cinco anos.

Os sindicatos encaram a flexi-segurança como um mecanismo para facilitar despedimentos.

Compreendo-os, mas digo-lhes que não atirem fora a criança com a água do banho. Não penso que se devam deitar fora as leis laborais em Portugal. Trata-se de construir algo com isso, para mudar de direcção. Podem tornar as vossas leis laborais melhores. Não se trata de ter menos política social, mas melhor política social. Hoje em dia, quando se é desempregado, em muitos países tem-se o subsídio de desemprego e mais nada acontece, até que um dia chegue um novo emprego. O que se pretende é que aconteça qualquer coisa rapidamente, quando se fica desempregado.

Foi o que fez na Dinamarca?

Sim. Quando comecei as reformas, disse: "Se um jovem fica desempregado, deve ser parceiro de um contrato, o que significa que num curto prazo deve arranjar emprego ou formação. Pode um sindicato estar contra isso? Não me parece. E por isso é importante perceber como o fizemos. Começámos por 12 meses, depois encurtámos o prazo, que hoje é de três meses. Isto é a flexi-segurança no sentido em que procuramos voltar a pôr as pessoas na vida activa tão rapidamente quanto possível.

O conceito de flexi-segurança seria aplicável a Portugal?

Conheço a situação. Não podem aplicar o conceito aqui e agora, sem mais, mas penso que podem usar alguns dos tijolos do edifício na vossa própria estratégia. Se me perguntassem o que preferiria discutir com os sindicatos e os empregadores, eu diria: porque não começam por discutir com eles o que deveria acontecer quando as pessoas ficam desempregadas?

Esse é um modelo caro, que exige elevados financiamentos públicos. Portugal terá recursos para isso?

Não teria que fazer tudo amanhã. É sempre melhor investir nas pessoas do que deixá-las entregues a si próprias. É sempre melhor investir na qualificação do que não fazer nada. É melhor para a sociedade e para os indivíduos. O grande problema de Portugal é ainda a elevada necessidade de qualificação em todos os níveis. E é por causa disso que penso que um dos aspectos chave é o que fazer no período em que as pessoas estão sem trabalho.

Como conseguiu pôr de acordo patrões e sindicatos?

É uma história de muitos e muitos anos. Fizemos o que devia ser feito logo no início, quando dissemos: não queremos um sistema de formação sem ter em conta o que os sindicatos e as entidades patronais têm a dizer. Sempre pensei que ter um tecnocrata em Copenhaga, ou em Lisboa, a fazer todos os programas educativos para depois os aplicar à sociedade é um erro. Sempre estive convencido de que para propiciar a boa formação técnica a um canalizador ou a um metalúrgico é necessário perguntar e integrar quem sabe. E os sindicatos sabem. Desde o início, a questão foi: como tornar activas as pessoas desempregadas, como qualificar as pessoas, como assegurar que as pessoas e os empregos se ajustam. Fazemos isso em cooperação com os parceiros, temos vindo a fazer isso nos últimos 40 anos.

O que diria a cada um dos parceiros sociais?

Que têm aqui uma enorme oportunidade de influenciar os resultados finais e que se abandonarem a mesa [de negociação] não vamos parar, temos que prosseguir. Mas diria também que, se ficarem, terão influência, mais recursos e as decisões serão tomadas numa melhor direcção, que farão parte das soluções. Não compreendo porque é que, por vezes, os sindicatos e os empregadores preferem ficar a observar, em vez participarem.

Na conferência que fez em Lisboa falou em criar dez milhões de empregos na União Europeia até 2020, é isso?

Sim. É um número líquido de dez milhões de novos e melhores empregos, o que significa que também há perda. Em números brutos poderiam ser criados 20 ou 25 milhões novos empregos.

A flexi-segurança é a salvação do modelo europeu?

Não. É uma das pedras angulares para termos um modelo social melhor, um modelo social capaz de sobreviver numa economia global. Não é a única solução, não pode ficar sozinho.