Paula Cordeiro, in Diário de Notícias
Agregados mais jovens correm maior risco
As famílias portuguesas vão ter mais dificuldades em pagar as suas dívidas no futuro próximo. Os efeitos negativos da actual situação económica "tenderão a assumir particular relevância nos estratos mais vulneráveis dos particulares, nomeadamente as famílias com menor riqueza financeira, rendimentos tendencialmente mais baixos e maior propensão a transitar para uma situação de desemprego ou de salário menor". Este é o alerta deixado pelo Banco de Portugal, no Relatório de Estabilidade Financeira 2006, ontem divulgado.
No ano passado, o rácio de incumprimento do crédito a particulares diminuiu face a 2005, representando cerca de 1,75% do crédito total concedido. O Banco de Portugal explica que esta redução ficou a dever-se a montantes de crédito abatidos ao activo superiores aos verificados em anos anteriores e à cedência de créditos vencidos por parte dos bancos, a instituições especializadas.
Na verdade, descontada estas duas práticas, " o fluxo de novos créditos vencidos e outros de cobrança duvidosa apresentou um aumento expressivo em 2006", para níveis próximos dos registados em 2002 e 2003, refere o relatório da autoridade de supervisão.
O Banco de Portugal avança com as razões que o levam a prever um agravamento da situação no futuro. Um nível elevado de taxa de desemprego, a ainda esperada subida dos juros e o esgotamento progressivo dos efeitos de diferimento temporal do serviço da dívida, ou seja, as iniciativas criadas pelos bancos que permitem beneficiar de períodos de carência de capital e diferimento da capital dos empréstimos poderão ditar mais dificuldades.
No ano passado, a taxa de crescimento do crédito concedido pelos bancos a particulares manteve-se elevada, com um nível igual ao do ano anterior, mais 10%, refere o banco central.
Mas as evoluções foram diversas nos dois segmentos: enquanto o crédito à habitação desacelerou, verificou-se "uma aceleração marcada do crédito para consumo e outros fins".
No que respeita aos empréstimos concedidos por instituições financeiras a empresas (sociedades não financeiras) registou-se uma aceleração em 2006, "tendo a taxa de variação anual dos empréstimos totais aumentado para aproximadamente 6%, sendo a mais elevada no caso do crédito às grandes empresas". Também no que se refere ao sector empresarial, o relatório do Banco de Portugal espera um acréscimo no rácio de incumprimento, "ainda que de extensão relativamente limitada", afectando "principalmente as empresas que operam em sectores de actividade mais negativamente afectados pelo processo de reestruturação sectorial da economia portuguesa".
O Relatório de Estabilidade Financeira do banco central refere ainda que a capacidade de financiamento dos particulares diminuiu significativamente, traduzida na diminui- ção da taxa de poupança dos particulares, para pouco mais de 8% do seu rendimento disponível. Verificou-se um menor nível de investimento por parte dos particulares, que passou de 3,4% do PIB em 2005, para 2% do PIB no ano passado.
Estes números resultaram num novo aumento do endividamento dos particulares, ou seja, o total de empréstimos em dívida por parte das famílias portuguesas já representava 90% do PIB, no final do ano passado.
Quando medido em relação ao seu rendimento disponível, o endividamento dos portugueses já atinge os 124%. Isto quer dizer que o total de os empréstimos pedidos pelas famílias ultrapassa, em 24%, o seu rendimento anual.
Este endividamento corresponde a pouco mais de 70% dos activos financeiros de maior liquidez (depósitos, carteia de títulos, unidades de participação em fundos, excluindo planos poupança reforma) nas mãos de particulares.