1.7.10

Pobres, mas felizes

Ana Pimentel, in Expresso

As famílias portuguesas são famílias "sanduíche". Vivem entre salários abaixo dos €900 e muitas contas para pagar. Mesmo assim, são felizes.

Famílias "sanduíche": vivem em centros urbanos, têm emprego, estudaram mais do que os seus pais e tentam sobreviver com menos de €900 por mês. Reconhece o cenário? Os portugueses vivem mal. Têm dificuldade em pagar as contas correntes, como a água, eletricidade ou medicamentos, mas, mesmo assim, são felizes. Numa escala de 0 a 10, a felicidade nacional fixa-se nos 6,6 pontos, um pouco abaixo da média europeia (7,5), mas ainda assim positiva. Causa? A família e os amigos.

As conclusões vêm do estudo da Tese - Associação para o Desenvolvimento, coordenado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que foi apresentado no dia 28 na Fundação Gulbenkian. Segundo os 1237 inquiridos no relatório "Necessidades de Portugal", 21% dos portugueses não têm capacidade financeira para reagir a despesas imprevistas, 12% não consegue comprar todos os medicamentos que precisa e 30% têm muita dificuldade em pagar as despesas correntes. São agregados que beneficiam de "demasiados recursos para aceder a prestações sociais", mas dificilmente conseguem esticar o seu salário. As famílias sanduíche sentem que estão "numa trajecória social intergeracionalmente descendente". "Fazer planos é algo que a generalidade considera inglório", dizem os autores do estudo coordenado pelo Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, em parceria com a Gulbenkian e o Instituto da Segurança Social.

Quem integra estes agregados está acima do limiar da pobreza, ou seja, ganha entre €379 e €799. Mais de metade da amostra ganha até €900, dos quais 29% recebem entre €505 e €900 e 28% vive com menos de €500 . Apesar de terem mais estudos que as gerações anteriores, temem não conseguir "proporcionar aos filhos a formação necessária". Esta é uma realidade que bate à porta de 31% dos agregados residentes em Portugal.

Sair para ganhar mais


Os portugueses estão mais pobres, mas resignaram-se: 30% dos inquiridos gostaria de mudar de emprego, mas mais de um terço não procura mudar de vida. Emigrar é carta fora do baralho para 63% dos entrevistados e a maioria já não pensa voltar a estudar. A vontade de aproveitar a oportunidade de trabalhar ou estudar temporariamente noutro país é mais expressiva nos extremos da escala de rendimentos. Quase 30% daqueles cujos rendimentos mensais se situam abaixo dos 500 euros, sairia temporariamente do país se tivesse oportunidade. O motivo principal (60%) é "ganhar mais dinheiro", mas emerge ainda a "possibilidade de conhecer novas culturas" (15%), a par da "falta de perspetivas de emprego em Portugal". Cerca de 70% dos inquiridos dizem estar felizes, mas desconfiados: 70% revela que os governantes merecem pouca ou nenhuma confiança.

Fim à precariedade


Aqueles que ganham menos de 60% do rendimento médio nacional estão classificados como "pobres" e representam 21% da população. O seu universo é o mais vulnerável, sendo que 35 em cada 100 se encontra numa situação de privação alta ou média. Os investigadores subscreveram uma recomendação já feita pela Assembleia da República em 2008 que visa definir um limiar de pobreza "em função do nível de rendimento nacional das condições de vida padrão na nossa sociedade". A meta dos 60% é uma medida europeia. Com estes dados, os investigadores confirmam a necessidade de se acabar com os regimes laborais que propiciam situações de pobreza, como os "falsos recibos verdes".

A ministra do Trabalho e Solidariedade Social já reagiu ao estudo. A ministra admite que os subsídios são fundamentais para apoiar as pessoas em fase de transição, mas alertou que não podem ser encarados como algo eterno. "O normal nas sociedades e trabalhar e não estar a utilizar um subsidio", disse à margem da 12ª conferência da International Society for the Study of Work and Organizational Values (ISSWOV), que decorreu no Centro de Congressos do Estoril.

Helena André ainda acrescentou que "aquilo que queremos é ter subsídios que possam ajudar as pessoas a manter a dignidade das suas vidas e possam, sobretudo, ser veículos de apoio às pessoas para a reintegração e regresso ao mercado de trabalho". Mais: a aposta que o Governo tem no terreno é a oferta de oportunidades de formação e de requalificação das pessoas. "Aumentar as qualificações dos portugueses é uma das vantagens competitivas mais importantes do nosso país e um dos instrumentos mais importantes que as pessoas podem ter para entrar, manter e progredir no mercado de trabalho", disse.