Por Ana Rute Silva, in Jornal Público
Consultora Mercer aponta subidas médias de 1,85 por cento. Este ano, 16 por cento congelaram remuneração dos trabalhadores
Os aumentos salariais para o próximo ano deverão ultrapassar a inflação prevista pela Comissão Europeia de 1,4 por cento. De acordo com o estudo Total Compensation Portugal 2010, elaborado pela consultora Mercer, em 288 companhias que operam no mercado português haverá uma subida média de ordenados de 1,85 por cento, valor que também é superior à actualização praticada este ano (1,38 por cento).
Os quadros superiores terão mesmo aumentos na ordem dos dois por cento - os maiores entre 13 categorias profissionais e 160 funções analisadas -, enquanto os directores gerais e administradores vão continuar a ter os menores incrementos, de 1,67 por cento. Os valores não correspondem aos anseios dos sindicatos para o sector privado: a CGTP já pediu subidas de 3,5 por cento, e a UGT 2,9 por cento.
A opção de aumentar a remuneração acima da inflação prevista para 2011 é fortemente criticada pelo economista João César das Neves. "Segundo o relatório do Banco de Portugal, os salários reais aumentaram o ano passado 5,2 por cento, mais do que em qualquer ano desde 1980. Voltar a subir os salários acima da inflação, com o desemprego tão alto e a economia sem crescimento, pode ser fatal para a produtividade e o desenvolvimento", disse ao PÚBLICO.
Em alguns sectores, medidas como esta vão "destruir os postos de trabalho". E o pior, diz César das Neves, "são os salários em empresas sem concorrência ou serviços públicos, que acabam por ser pagos pelos consumidores ou contribuintes, sacrificando toda a economia".
Visão bem diferente tem José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. A intenção das empresas, espelhada no estudo da Mercer sobre as tendências de compensação e benefícios, mostra que "há uma grande diferença entre a posição de muitos economistas com uma visão convencional da economia e o mundo empresarial". Ao prever incrementos salariais, as organizações sabem que, "na maior parte das actividades económicas, a capacidade de venda e de gerar receitas depende dos salários de quem compra".
José Reis defende que a construção da retoma faz-se, também, através das políticas salariais. "Se nós temos um elemento depressivo dado pelo desemprego, precisamos ainda de pôr mais gelo em cima do mercado de trabalho com uma contracção salarial? Não. Faz sentido pensar no que podemos fazer para sair desta apagada e vil tristeza", sustenta.
Salários congelados
A contenção financeira tem sido a palavra de ordem entre as empresas e este ano 16 por cento optaram mesmo por congelar os salários de todos os trabalhadores. Quase metade (49 por cento) não aumentou os ordenados dos directores-gerais e administradores.
Os comerciais e directores de primeira linha também não viram o salário base crescer este ano. Em 2011, a percentagem de organizações que mantém esta medida desce para 12 por cento, revela Diogo Alarcão, responsável pela Mercer em Portugal.
"Haverá mais empresas a aumentar salários em 2011 do que em 2010. Embora a crise esteja a ter um forte impacto, os dados de que dispomos apontam para algum optimismo quanto à recuperação", refere. Por outro lado, nos últimos dois anos foram muitas as empresas que seguiram a estratégia de travar aumentos, uma medida que pode "conduzir a impactos muito negativos" internamente. "A previsão de 2011 demonstra uma visão mais optimista", sublinha.
Em Portugal e na Europa, os aumentos tendem a ser cada vez mais uniformes. De acordo com a Mercer, este comportamento é provocado "por uma inflação que se pretende reduzida e orientada por regras de controlo e disciplina orçamental" e por uma crescente "integração dos mercados laborais europeus".
Cerca de 76 por cento das empresas analisadas faz depender as subidas de remuneração dos resultados individuais dos trabalhadores, e 72 por cento dos resultados globais da organização. Mas a inflação estimada dita a tendência de aumentos em 70 por cento dos inquiridos. A antiguidade e a função estão a perder cada vez mais terreno como factores que influenciam as actualizações de ordenado.
A maioria das empresas analisadas (90 por cento) atribui formas de remuneração variável (como bónus), sobretudo em níveis hierárquicos com mais responsabilidade sobre os resultados. Apesar dos apelos dos reguladores no pós-crise, os incentivos de longo prazo ainda não são prática generalizada. Apenas um terço utiliza este tipo de retribuição.