18.12.10

Lojas reduzem preços e lançam campanhas para segurar clientes no Natal

Por Raquel Almeida Correia, in Jornal Público

Grandes superfícies tentam estimular compras para evitar quebra de receitas por causa da crise. Mas algumas já estão preparadas para redução de vendas este ano

Receios face à evolução da economia provocam corte nos gastos desta quadra
"Atmosfera em relação a 2011 colocou consumidores em modo de poupança"

O tapete vai rolando, e a fila não parece ter fim, na caixa de hipermercado onde Marta (nome fictício) trabalha, desde que perdeu o emprego. "Crise, qual crise?", perguntou-lhe um cliente esta semana, por entre carrinhos de compras. Brinquedos, bebidas, chocolates. É o que mais lhe tem passado pelas mãos, sem sinal de refreio nos gastos do Natal deste ano. As previsões apontam para contenção nas despesas, mas, no terreno, na caixa registadora de Marta o dinheiro continua a entrar.

Ontem, surgiram dois novos dados que projectam um corte no orçamento para a quadra. O consumo privado recuou 0,4 por cento em Novembro, face a período homólogo, e um estudo da consultora Gfk revelou que mais de metade dos portugueses vai gastar menos este ano (ver texto na pág. 3). O que está a segurar as vendas, nas grandes superfícies, são os esforços de última hora das empresas, que, em jeito de prenda, oferecem aos clientes reduções de preços, descontos a utilizar em compras futuras, serviços complementares.

A Toys "R" Us, por exemplo, não se inibe de falar de "ofertas e promoções muito agressivas", em reacção ao facto de "a média de unidades por cesto de compra ter descido um pouco". Os artigos mais procurados (figuras de acção e bonecas, por exemplo) "continuam a ser vendidos à mesma velocidade de sempre", referiu a retalhista dedicada ao negócio dos brinquedos, e para a qual o Natal vale 54 por cento das vendas.

Promoções moldadas à crise

A concorrência também não está propriamente parada. No Modelo e no Continente, do grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO), há uma campanha de 50 por cento de desconto em todos os brinquedos. Uma promoção acumulada no cartão de fidelização das duas cadeias, o que serve de estímulo a compras futuras.

"Temos tentado adequar-nos à conjuntura do país e das famílias portuguesas", explicou fonte oficial da empresa, que também está a fazer reduções significativas de preços em produtos com forte procura nesta época: chocolates, bebidas e perfumaria. "Compreendemos a realidade em que o país vive, as dificuldades dos portugueses no seu dia-a-dia", rematou a Sonae.

A grande distribuição é o canal mais procurado pelos portugueses para fazer as compras de Natal, como revelou ontem a consultora Gfk. Por isso, somam-se estratégias de resposta à crise no retalho. No grupo Auchan, que detém os hipermercados Jumbo, não se perspectiva que as pessoas "venham a alterar o seu consumo a um nível superior ao que já fizeram desde o início da crise".

Admitindo que "ajustam os preços dos produtos ao contexto do mercado, de forma a contribuir para o aumento do poder de compra dos clientes", a empresa está a notar uma procura maior "por artigos relacionados com prendas de Natal, como o têxtil e os brinquedos, mas também nos produtos alimentares". A antecipação das compras de bens mais duradouros, por causa da subida do IVA a partir de 2011, também já foi tida em conta. "Estamos preparados para o aumento que se antevê para o final do ano", referiu fonte da Auchan.

A Worten, que também pertence ao grupo Sonae, é uma das retalhistas que mais sofrerão influências dessa antecipação, por vender grandes electrodomésticos, por exemplo. No entanto, as projecções apontam para a procura de outro tipo de produtos neste Natal: "consolas, jogos, telemóveis, portáteis", disse.

Como todas as cadeias, teve de perder tempo a "analisar o panorama económico do país" para "chegar à conclusão de que não é altura de gastos desmedidos", o que, admite, terá impacto "nas projecções de volume de negócios para o Natal". Com a chegada da quadra, preparou "uma campanha de promoções especiais desenhada para tirar o maior proveito da época", que é tida como "uma altura na qual as empresas do sector confiam para conseguir um aumento no volume de vendas".

Nas lojas da FNAC, esperam-se "resultados em linha com os de 2009", mas notam-se mudanças significativas nos hábitos dos clientes. "São mais prudentes e ponderam mais a compra, comparando preços e fazendo mais perguntas", contou o director de comunicação, Viriato Filipe.

O responsável diz que o facto de os consumidores encararem a cadeia de lojas como "um espaço de evasão" tem minorado os efeitos da crise. Ainda assim, tem em marcha campanhas de Natal, com promoções "em todas as áreas de produto", porque esta quadra "é a época mais importante do ano" para a FNAC, em termos de vendas, que estão a ser animadas pela procura de "tecnologia e gadgets", acrescentou.

Um consumidor mais atento

Também na C&A, dedicada à venda de vestuário, parte do mês de Novembro e todo o Dezembro representam "25 por cento da facturação anual", o que faz com que dêem especial atenção às campanhas que promovem nesta época. Foi por isso criada uma colecção específica para o Natal, que está a ter bons resultados, de acordo com informações cedidas pela empresa.

Nos armazéns do El Corte Inglés, multiplicam-se os estímulos à compra. Campanhas de acumulação de descontos para compras futuras, promoções nos produtos mais procurados, como os videojogos e os brinquedos, venda de cabazes de Natal a preços mais convidativos. Tudo para concretizar os objectivos da empresa: garantir "resultados semelhantes aos do ano passado".

Porém, em 2010, os portugueses percorrem os corredores de forma diferente. Nota-se "um maior cuidado na escolha do que se vai comprar, uma maior racionalidade na compra", referiu a directora de relações externas, Susana Santos, acrescentando que "os clientes têm uma especial atenção à utilidade, à qualidade e ao valor intrínseco das suas compras". Uma atitude que "acontece tanto com aqueles que estão dispostos a gastar mais, como com aqueles que optam por uma cesta com produtos de alimentação", afirmou.

Por esta hora, Marta já estará de volta à caixa, no frenesim do passa, regista e paga. Continuará a haver filas de carrinhos de compras, empurrados pelos estímulos que os retalhistas se vêem obrigados a dar, a letras garrafais e em folhetos com largos sorrisos, decorados de Natal.