26.4.11

Bem-estar dos portugueses está ao nível de países atingidos pela guerra


por Kátia Catulo, in iInformação

Em Portugal, as expectativas são das mais baixas do mundo. Tão desafortunados como na Serra Leoa

Apesar do sol e das praias, os portugueses têm tendência para se sentir cinzentos, como nesta imagem em... Mário Cruz/Lusa 1/1 + fotogalería .Se os números fossem uma ciência exacta, nós portugueses estaríamos em ponto de rebuçado para fazer uma revolução nas ruas. Só 14% da população portuguesa está convencida de que vive num país próspero, segundo o estudo do instituto Gallup sobre "Bem-estar Global", que coloca o pessimismo dos portugueses ao nível dos habitantes da Tunísia ou da Líbia.

Vivemos na Europa dos ricos, usamos telemóveis de última geração, vamos de carro para o trabalho, viajamos nas férias da Páscoa, mas na hora de quantificar a nossa felicidade, sentimos que somos tão desafortunados como os que sobrevivem sem água potável na Serra Leoa, ou como os que vivem em média menos uma década do que nós, o caso do Usbequistão, com uma esperança de vida de 68 anos contra os 79 anos em Portugal.

Entre os 124 países, Portugal está no ranking dos últimos com as mais baixas expectativas sobre a sua qualidade de vida que tem agora e nos próximos cinco anos, partilhando a sua angústia com o Quirguizistão, Usbequistão, os territórios palestinianos, a Tunísia, a Líbia, a Hungria e a Serra Leoa. Atrás de nós, só a Nigéria, a Mauritânia, o Iraque ou o Iémen.

Portugal aparece no estudo da Gallup como um país derrotado e sem esperança, apesar de, por exemplo, o rendimento per capita de 15 mil euros (dados do Banco Mundial) ser quase o dobro da Hungria (8 mil euros) e incomparavelmente mais gordo do que na Tunísia (3 mil euros). Isso quer dizer pouco para um povo que provavelmente prefere olhar para os finlandeses ou os suecos e concluir que ganha menos de metade do que os povos nórdicos.

Será que um país com as mais baixas taxas de mortalidade infantil (3,7 mortes por mil crianças) se pode comparar com outros como a Serra Leoa, que todos os anos vê morrer em média 192 bebés por cada mil que nascem? A distância entre Portugal e os países que são seus vizinhos nesse sentimento de infortúnio é enorme. Basta olhar para o índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas.

Os portugueses fazem parte do clube dos ricos, segundo o relatório de 2010, estando entre os 40 primeiros, num total de 169 países incluídos. Longe dos portugueses está o Usbequistão, no 102.o lugar, o Quirguizistão (109.o lugar) ou a Serra Leoa, que ocupa a 158.a posição. Só mesmo a Hungria é que nos ultrapassou em 2010 (36.o lugar) na avaliação que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento faz sobre a qualidade de vida, comparando a expectativa de vida ao nascer, à riqueza e à educação dos povos.

Devemos ficar surpreendidos com as conclusões do estudo do instituto Gallup? Nem por isso, diz o sociólogo Manuel Villaverde Cabral. Esse pessimismo, essa falta de confiança ou esse constante queixume "é um clássico" e é recorrente nos vários estudo do Eurobarómetro, onde Portugal surge quase sempre ao lado de países que saíram do comunismo e que viveram os "desaires" da ditadura, explica o investigador.

"Somos infelizmente uma população com baixa auto-estima, com profissões penosas, rendimentos ou pensões baixos, que já não tem a agricultura e nunca teve indústria", explica o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. E é por isso que, na maioria dos estudos e inquéritos internacionais, Portugal surge como a "sombra projectada" de um país que está a envelhecer a uma velocidade enorme, que vê a sua parte mais jovem partir e que diminui "drasticamente" a sua taxa de fertilidade.

Neuroticismo Tudo isso tem um nome e chama-se "neuroticismo". O palavrão, segundo Villaverde Cabral, significa a tendência que um povo tem para a neurose colectiva e que acaba por explicar essa "bizarria" de ter uma população que se sente tão infeliz quanto os outros povos que enfrentam maiores índices de pobreza ou até guerras civis.

É um sentimento constante em outros estudos e traduz-se na inclinação dos portugueses para "não confiar" nos outros, sobretudo nas instituições políticas. Essa desconfiança, aliás, acaba por explicar igualmente o "exército de abstencionistas" que quase nunca se dá ao trabalho de perder umas horas dos seus domingos para eleger o seu presidente, o seu governo ou o seu autarca, defende o sociólogo.

É claro que toda essa neurose não acontece por acaso e apenas se agudizou porque foi atrás de uma recessão económica. "Desde o início da década, os portugueses sentem que não há motivos para optimismo, a economia do país não cresce há dez anos, os emigrantes deixaram de regressar e a nossa situação vai piorar", diz o investigador, avisando que a população portuguesa já interiorizou que os tempos mais próximos serão ainda mais difíceis.

Uma boa dose de realismo nunca fez mal a ninguém, mas o investigador do Instituto de Ciências Sociais diz que o pessimismo dos portugueses pode vir a ter consequências graves a médio prazo: "Essa tendência portuguesa para empurrar para baixo é tudo o que não precisamos num contexto complicado em que é preciso energia para voltar a acreditar que o país tem capacidade para sair de uma crise que, sendo profunda, não vai durar para sempre", remata.