25.4.11

Uma "mudança cosmética" que deixou quase tudo por fazer

Por Clara Viana, in Público on-line

O mundo já estava em crise quando Isabel Alçada tomou posse, em Outubro de 2009, mas no rescaldo do ano eleitoral a contenção continuava fora da agenda. Defendia-se, por exemplo, que seriam precisos mais 141 milhões de euros para garantir a escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Um ano depois, a ministra ficou a saber que, afinal, teria de gerir o sector com menos 800 milhões.

Pelo meio "não houve uma única medida de futuro bem pensada e bem articulada", sustenta Manuel Pereira, director do agrupamento de Cinfães e presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares. Pelo contrário, adianta, "as medidas mais emblemáticas deste curto mandato são as que se constituem como o mais forte ataque à escola pública de qualidade". Exemplos: "Desinvestimento na educação, constituição de mega-agrupamentos à força, uma gestão de recursos humanos calamitosa com escolas a precisarem de professores e a não os poder contratar".

Com o acordo obtido com os sindicatos, em Janeiro de 2010, a paz regressou temporariamente às escolas, mas, frisa a deputada do BE, Ana Drago, "quase tudo o que era necessário ficou por fazer". "A política educativa esteve ausente e tudo foi dirigido pelo Ministério das Finanças", corrobora Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores.

"A grande mudança foi cosmética. A atitude beligerante da anterior titular da pasta foi substituída pelo low profile da actual ministra. Esta mudança é positiva, mas é curta. No essencial, manteve-se uma política orientada para resultados de curto prazo", considera o deputado do PSD Pedro Duarte. "O que foi apresentado como emblema foram as chamadas "Metas de Aprendizagem", uma forma curiosa de designar essencialmente metas estatísticas de sucesso desejado e não propriamente um programa para a melhoria das aprendizagens dos alunos", acrescenta Paulo Guinote, professor e autor do blogue A Educação do meu Umbigo. "Continua a haver uma obsessão pelos números sem que haja uma preocupação na exigência e nas qualificações, nomeadamente nas matérias essenciais, como o Português e a Matemática", defende Michael Seufert, deputado do CDS-PP.

Bravo Nico, deputado do PS, destaca como "mudanças mais significativas, entre outras, "a aposta no ensino profissional ao nível do ensino secundário", "a maior requalificação de sempre no parque escolar" e a "inversão da tendência dos resultados de desempenho dos estudantes portugueses, facto evidenciado pelo último relatório PISA", o programa da OCDE que visa aferir as competências dos alunos de 15 anos.

Este facto é também retido por Ana Maria Bettencourt, presidente do Conselho Nacional de Educação, que frisa, contudo: "Continuamos a ter demasiados alunos com percursos escolares marcados por repetências e abandonos, o que condiciona a concretização da universalização da escolaridade obrigatória".

"O que verificamos é que existe cada vez mais uma escola para os filhos dos ricos e uma escola para os filhos dos pobres, sendo a primeira orientada para o prosseguimento de estudos e a segunda para a formação profissional", denuncia o deputado comunista Miguel Tiago.

Ideias para o futuro

Para Manuel Pereira, o futuro deve passar, entre outras medidas, por uma "diminuição do fervor legislativo", pela "revogação do modelo de avaliação" e pelo "reforço da autonomia, de facto, das escolas". A autonomia é também uma das prioridades apontadas por Bravo Nico, Pedro Duarte e por Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais. A par da autonomia das escolas, o deputado social-democrata defende uma "alteração do paradigma do Ministério da Educação": "Em lugar de um ministério que se quer sobrepor e substituir às escolas deveremos ter um ministério avaliador, fiscalizar e disponível para apoiar as iniciativas e dificuldades das escolas". Paulo Guinote, Mário Nogueira e Ana Drago defendem uma reforma curricular norteada por princípios pedagógicos e não pelos cortes orçamentais. Ana Bettencourt sublinha que terá de se "continuar a melhorar as aprendizagens e a qualificação dos portugueses". Bravo Nico elege como desafio para o futuro "o diálogo e a procura de consensos alargados". E Queiroz e Mello, director executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, defende "menos Estado e mais sociedade civil; menos leis e mais objectivos concretos; menos desculpas e mais análise de resultados com vista à melhoria".O caso embrulhado

O actual ciclo avaliativo dos professores do ensino básico e secundário termina em Dezembro, mas é quase certo que o modelo que as escolas continuam a ser obrigadas a aplicar não sobreviva até lá. É este um dos resultados esperados das eleições de Junho que levarão à constituição de um novo Governo.

À excepção do PS, todos os partidos políticos já se pronunciaram contra o modelo que entrou em vigor no ano passado e nos últimos dias da legislatura agora interrompida acabaram por unir-se na votação pela sua suspensão. A decisão está agora nas mãos do Tribunal Constitucional. O PSD já anunciou que, se vier a ser Governo, substituirá o modelo em vigor por outro do qual estará excluída a avaliação inter pares.

Professores e directores têm denunciado que com esta forma de avaliação se instalou a desconfiança nas escolas. "Como foi possível não se ter aprendido com os erros do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues? Como foi possível criar um modelo que, do ponto de vista da burocracia e da conflitualidade que gera entre professores, é pior do que o anterior?", questiona o deputado social-democrata Pedro Duarte. Questionado pelo PÚBLICO, esta é uma das opções que o deputado destacou como sendo, em simultâneo, "uma das medidas emblemáticas e bicudas" da equipa de Isabel Alçada.

O deputado comunista Miguel Tiago lembra que, no final de 2010 e no princípio deste ano, o PCP propôs no Parlamento a sua suspensão e que o PSD se opôs, dando assim "a mão ao Governo". Para José Morgado, docente universitário e formador de professores, o que aconteceu no Parlamento em Março, com a oposição unida para suspender a avaliação apenas quando já era certa a realização de eleições antecipadas, constitui um "bom exemplo" do que considera ser uma das razões principais do clima de "crispação" que se vive na educação - "a profunda partidarização do universo educativo" que leva a que a definição das medidas de política educativa "seja demasiado contaminada pelas agendas da política partidária".

O actual modelo foi aprovado pelos sindicatos no âmbito do acordo de princípios assinado em Janeiro de 2010 com a ministra Isabel Alçada. Os principais sindicatos já exigiram, entretanto, a sua substituição. A avaliação dos professores tem sido uma frente de batalha desde que, em 2008, a anterior ministra Maria de Lurdes Rodrigues decidiu exigir mais do que um relatório de auto-avaliação.

Para os autores do blogue AdDuo, especialista em legislação sobre educação, entre as prioridades para um futuro Governo figura o "reconhecimento de que a avaliação e a supervisão aos docentes terão de ser realizadas por especialistas externos às escolas". Este preceito também é defendido pelo PSD.Os casos emblemáticos

Reforma curricular
Ao contrário do que anunciara no final de 2009, Isabel Alçada garantiu em Julho de 2010 que não seria introduzida qualquer alteração ao currículo do 3.º ciclo no ano lectivo de 2011/2012. Mas os cortes impostos pelo Orçamento do Estado (OE) ditam o contrário. O decreto-lei é publicado em Fevereiro, apesar dos pareceres contrários de todos os parceiros consultados. Estipula-se o fim de Área de Projecto, o Estudo Acompanhado fica limitado a alunos com dificuldades e no 2.º ciclo o número de professores em sala de aula passará de dois para 1. Segundo os sindicatos, as medidas previstas levariam ao despedimento de pelo menos 12 mil professores. Em média, os alunos passariam a ter menos quatro horas de aulas por dia. Em Março, todos os partidos da oposição votam a favor da cessação de vigência do diploma, que ficou assim sem efeito. Já as mudanças propostas para o ensino secundário entrarão em vigor: no próximo ano lectivo acaba a Área de Projecto no 12.º ano, será criada a disciplina de Formação Cívica no 10.º ano e introduzido um exame optativo de Filosofia.

Rede escolar
Em Junho de 2010 é aprovado no Conselho de Ministros o encerramento de 701 escolas do 1.º ciclo com menos de 21 alunos e a criação de 84 novas unidades de gestão, que resultarão da fusão e extinção de agrupamentos já existentes. As novas unidades poderão ter um máximo de três mil alunos. A lista de escolas a encerrar só foi publicada em Agosto. A Associação Nacional de Municípios contestou, os directores não chegaram a ser ouvidos pelo ministério. Com estas medidas, segundo o ME, terá sido possível reduzir cinco mil professores. Para o próximo ano lectivo previa-se o encerramento de 420 escolas do 1.º ciclo e a constituição de mais novos mega-agrupamentos.

Ensino particular
Os contratos de associação com 92 escolas particulares foram renovados no Verão de 2010. Dois meses depois, ao abrigo dos cortes previstos no OE, o ministério anunciou que os valores negociados sofrerão cortes já este ano lectivo da ordem dos 22 por cento. De uma média de 114 mil euros/ano terão 90 mil até ao final do ano lectivo. No próximo, passarão a receber 80 mil euros por ano. Para além disso deixarão de ser financiadas 214 das 2130 turmas que têm contratos de associação. Os cortes foram contestados por encarregados de educação, alunos e directores de colégios e pela hierarquia da Igreja católica. No parlamento, o CDS e o PSD lideraram as críticas. O financiamento das escolas artísticas também foi reduzido.

Estatuto do Aluno
Aprovado pelo parlamento em Julho passado, com os votos do PS e do CDS-PP, o novo Estatuto volta a introduzir o chumbo por faltas, que foi uma das condições impostas pelos centristas. Este já se encontrava previsto no Estatutos anteriores, mas a decisão final pertencia ao conselho de turma. Já o documento m vigor estipula que os estudantes que continuam a faltar de forma reiterada ficam retidos. O diploma traduz-se também numa maior agilização dos processos disciplinares e os directores passaram a ter a possibilidade de suspender um aluno preventivamente.

Metas de aprendizagem
Foi a primeira medida anunciada por Isabel Alçada logo após a sua tomada de posse em Outubro de 2009. As metas, que definem o que um aluno deve saber no final de cada ano de escolaridade, foram divulgadas um ano depois. A sua aplicação é de carácter voluntário. Por essa altura foi também anunciado o programa Educação 2015. Objectivos, entre outros: aumentar em quatro pontos percentuais as positivas nas provas de aferição e nos exames nacionais; reduzir as taxas de repetência. Os directores dizem que os cortes orçamentais e a redução do número de professores poderão pôr em causa o cumprimento destas metas.