Victor Ferreira, in Público online
Andrés Rodríguez-Pose, líder da comissão que prepara o futuro dos fundos de coesão, vê o país preso na “armadilha do desenvolvimento” e nas suas opções de ter posto os ovos todos no mesmo cesto.
Andrés Rodríguez-Pose é um geógrafo com diplomas também em Direito, em Ciência Social e Política, mas toda a gente pensa que ele é um economista. “Sou um cientista social e um geógrafo económico”, resume, a partir de Madrid, numa entrevista que se fez por vídeo, nas vésperas de uma passagem por Lisboa, para falar de convergência regional e políticas de coesão. Professor na London School of Economics, onde dá aulas de Geografia Económica, é uma referência mundial na sua área e tem quase duas dezenas de livros publicados enquanto autor ou co-autor. Doutorou-se em Madrid e em Florença, e chefia a comissão encarregada de repensar precisamente a política de coesão pós-2027.
Teorias dominantes nos últimos 30 anos recomendam que se invista nas grandes cidades e nas mais densas. Mas tal como sucedeu noutros casos europeus, essa aposta em Portugal não deu devidos frutos porque Lisboa e a sua envolvente, enquanto maior aglomeração, “não tem funcionado como motor”. Mesmo que funcionasse, não era garantido que isso ajudasse o resto do país porque o spillover (que em teoria difunde os resultados por outras regiões) é “uma ilusão”. Apesar das provas empíricas, continua-se a concentrar o investimento em grandes cidades. O que conduz a Europa a uma crescente polarização, com mais “lugares que não importam” a tornarem-se regiões que são terreno fértil para o populismo.
O que distingue as regiões bem-sucedidas das que falham?
Não há uma receita. Regiões com sucesso no passado podem falhar no futuro e depois voltarem a ter sucesso. A questão importante é outra: o que se faz para que uma região seja bem-sucedida na maior parte do tempo? Ter sucesso não significa necessariamente crescer muito. É antes ter um crescimento sustentável, que permita resistir a choques e, além disso, que não prejudique o bem-estar das gerações futuras.
Se não há uma varinha mágica…
É uma combinação de inúmeras coisas. As teorias tradicionais dizem-nos que é fundamental ter a infra-estrutura e acessibilidade certas, infra-estrutura física e conectividade. Chega? Não. É claramente insuficiente. Além disso, precisamos muitas vezes de bom capital humano e capacidade de inovação, por um lado, o tipo certo de formação, tanto básico, prático e de investigação, mas também empresas que se adaptam e inovem. E precisamos do tipo certo de instituições, de normas e regras que funcionem e que permitam que a economia funcione.
Como é que esses quatro factores se combinam?
Os territórios mais bem-sucedidos são aqueles que combinam a quantidade certa de cada um desses factores. Quando há uma infra-estrutura muito forte, mas todos os restantes factores são fracos, a região não cresce. Se só houver capital humano forte, ele vai-se embora. Importa obter um equilíbrio dentro do território porque todo o investimento depende disso, do ecossistema certo.
Vou citar um relatório de 2018: “A coesão interna de Portugal tem sido divergente e os estrangulamentos estruturais dificultaram a resposta em situações de crise.” Diz-se que Portugal caiu na armadilha do rendimento médio — o que fizeram outras regiões e países para sair dela?
É preciso ter cuidado. O tema é a armadilha do desenvolvimento, que não é necessariamente a armadilha do rendimento médio. Como definimos a primeira: é quando uma região é incapaz de manter o seu dinamismo económico passado, em termos de PIB per capita, produtividade e emprego, e é incapaz de acompanhar o ritmo dos seus pares tanto no país como, no caso europeu, com o resto da União Europeia.
Tem havido, em muitos lugares, uma tendência para tentar reinventar a roda, tentar ser apenas um novo Silicon Valley. Na maioria das vezes, isso não funciona. Andrés Rodríguez-Pose
Portugal tem estado relativamente estagnado nas últimas duas décadas, tal como a maioria das economias do Sul. O que é interessante é ver que, especialmente desde a crise, o nível de estagnação em Portugal tem-se concentrado fundamentalmente em Lisboa e na sua envolvente, que deveria ser considerada o principal motor do país. A realidade mostra que essa região tem estado mais presa nessa armadilha do que outras zonas do país.
Como é que outros resolveram o problema?
Isso é o que estamos a estudar de momento. De novo, é uma combinação de muitos factores. Por um lado, é preciso ter as condições estruturais certas. Foi o que referi antes. Ter as instituições certas, o capital humano certo, a infra-estrutura certa e a capacidade para inovar em empresas que sejam competitivas. Parece que Portugal, como por exemplo Espanha no passado, colocou toda a ênfase nas infra-estruturas, usando os fundos estruturais, enquanto outros pilares foram um pouco negligenciados.
Isso foi depois corrigido, mas as soluções não dão resultado da noite para o dia. A segunda parte da resposta é mais sobre os sectores. Quais são os que nos tornam competitivos? Tem havido, em muitos lugares, uma tendência para tentar reinventar a roda, tentar ser apenas um novo Silicon Valley. Na maioria das vezes, isso não funciona. É preciso construir uma nova realidade a partir da base que existe. Houve áreas em que Portugal se saiu bem, outras em que nem por isso. Mas é preciso garantir que se investe nos sectores existentes, não apenas para ficar no mesmo nível, mas para aumentar a complexidade e atingir um novo patamar tecnológico, que leve a uma reinvenção. Começa-se com o que se tem, tendo em vista tornarmo-nos em algo diferente, e isso é, mais ou menos, o que as regiões mais bem-sucedidas da Europa fizeram. Usaram uma combinação de bons factores estruturais com políticas sólidas, investiram sabiamente para reinventar a partir do que havia para gerar ecossistemas sólidos de inovação e crescimento.
Lisboa pode ser pequena, mas isso não é problema para o crescimento em Munique. Lisboa é do tamanho de Munique, talvez até um pouco maior. Lisboa é do tamanho de Zurique, e estas são cidades mais dinâmicas. Lisboa é do tamanho de Copenhaga que é muito mais dinâmica e resiliente. Andrés Rodríguez-Pose
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Diz-se que Portugal tem empresas que são “campeões desconhecidos” em sectores tradicionais e outros. Mas ao mesmo tempo há este discurso sobre reinventar Portugal como o Silicon Valley europeu ou a Florida europeia.
Vamos ser cautelosos. Certamente há campeões ocultos em Portugal, mas Portugal não é um líder. A Alemanha sim, é. Ou a Dinamarca. É lá que encontramos os verdadeiros campeões ocultos, que são na definição tradicional de Hermann Simon de empresas líderes nas suas áreas, não necessariamente as maiores, mas de pequena ou média dimensão. Temos visto Portugal a investir, em anos recentes, na investigação. E o país saiu do nada, em termos de publicações, para um portefólio decente de investigadores a fazerem muito bom trabalho. Para se ter uma ideia, Portugal veio do percentil 50 em termos mundiais, no que diz respeito a publicações, para o primeiro decil do mundo, em proporção do seu PIB. Mas um dos principais problemas destes investigadores é que, apesar disso, não conseguiram encontrar interlocutores na economia local.
Portanto, temos de ser cautelosos. Nenhum país do Sul da Europa pode dizer que está na direcção certa, com campeões ocultos. Na verdade, temos economias frágeis e é por isso que estamos nesta situação. Tem, no entanto, razão na sua pergunta. O que tem sido o discurso público? Que vamos mudar toda a economia. Isso é dito por causa de ciclos políticos de curto prazo, muitas vezes impulsionados pela opinião pública de curto prazo. Diz-se que o que temos é chato e queremos tornar-nos uma das economias líderes. Isso não acontece da noite para o dia. Quer dizer, são poucos os que conseguiram. A Coreia do Sul conseguiu. No caso da Europa, a Irlanda fê-lo, mas começou a estabelecer as bases para o que é agora na década de 1950, com políticas que, se perguntassem à maioria dos irlandeses na década de 1980, eles diriam que falharam porque investiram de mais em capital humano, em infra-estrutura e em atrair certos sectores.
No entanto, quando tudo isso se juntou, num determinado momento, todos esses factores tornaram a economia irlandesa não só a mais dinâmica da Europa, mas também uma das mais resilientes, aquela que recuperou melhor, com a Polónia, da crise financeira de 2008.
Como está o mapa da coesão na Europa? Há convergência dos atrasados?
É um mapa bastante complexo neste momento. Temos países a convergir e isso inclui a maioria dos países da Europa central e oriental. Do Báltico à Polónia, que tem sido a estrela na região, para lugares como Roménia e Eslováquia, que se saíram relativamente bem e convergiram significativamente, reduzindo a diferença para a média europeia.
Mas também temos muitas partes da Europa que estão estagnadas e isso inclui a maioria dos países do Sul, de Portugal a Espanha, que, aliás, não se saíram particularmente mal nessa perspectiva, e países como a Itália e Grécia, que tiveram o pior desempenho, especialmente a Grécia, em termos gerais. O que notamos em muitas partes da Europa foi a polarização interna, a concentração da actividade económica nas maiores cidades, muitas vezes com muito menos dinamismo noutras áreas do país. Não tem sido o caso de Portugal, sobretudo desde a crise. Foi-o na década de 1990 e na maior parte dos anos 2000 e da década de 2010. Mas não tem sido assim depois da crise e ficou na armadilha do desenvolvimento.
No geral, ficar preso na armadilha de desenvolvimento é provavelmente um indicador muito melhor sobre a ascensão do populismo do que outros factores destacados no passado, como baixos níveis de educação Andrés Rodríguez-Pose
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Se olharmos para toda a Europa nas últimas duas décadas, a maior parte do crescimento concentrou-se na Irlanda, no Leste. Há um crescimento moderado, muito moderado em lugares como a Península Ibérica ou os países nórdicos ou mesmo na Alemanha e nenhum crescimento na maior parte da Grécia, na maior parte da Itália e em muitas partes do Norte, Nordeste, Leste e Sudeste da França. Não são necessariamente as regiões mais pobres da Europa. Basta ver que, nos últimos 20 anos, não houve crescimento algum na maior parte de Itália.
Porquê este retrato? A política seguida não corrige a desigualdade e a polarização da riqueza em Portugal e na Europa?
Depende de que políticas estamos a falar. O impacto da política de coesão tem melhorado ao longo do tempo, de acordo com a maioria das análises. Regiões que recebem mais financiamento tendem a sair-se melhor se as políticas forem adequadas. A política aprendeu com os erros e melhorou a forma como intervém. No entanto, a política de coesão é muito limitada. Representa um terço do orçamento da União Europeia (UE) e este é apenas 1% do PIB da UE. A maior parte do desenvolvimento vem de políticas que são fundamentalmente nacionais, que englobam as políticas de educação, de infra-estrutura, de inovação, de promoção do empreendedorismo. Esses são os factores-chave. E, claro, as políticas das instituições. Assim, a pergunta é quais são as barreiras que impedem muitas regiões de atingirem o seu potencial? Bem, depende da combinação de políticas. Quando as instituições são relativamente fracas, como por exemplo no Sul de Itália, Grécia, Bulgária ou Croácia, isso é uma barreira muito importante. Outro factor são os níveis de formação e educação e competências.
A qualidade institucional em Portugal não é assim tão má, fica um pouco abaixo da média em geral, dependendo das regiões, mas está mais ou menos ao mesmo nível do que encontramos em Espanha. Mas a situação em Portugal e Espanha é muito semelhante, tornaram-se líderes mundiais em infra-estruturas de transporte, fundamentalmente por causa do apoio da política de coesão, mas durante muito tempo continuaram a ser dois países com o maior nível de abandono escolar no ensino secundário, em toda a Europa. Assim é muito difícil, quando se perde um terço do talento que nem acaba o secundário. É um problema sério, porque tivemos estratégias de desenvolvimento desequilibradas, com ênfase num pilar ou dois. O desenvolvimento é como uma mesa. Se só tens uma perna ou duas, é provável que não se aguente.
Quais são as pernas que fraquejam?
Não estudei o caso de Portugal. É preciso um tampo sólido e quatro pernas fortes. E essas pernas podem ser construídas com o que existe. Podemos apostar no talento e nas empresas ou nos empreendedores, e na infra-estrutura, seja de transporte, de comunicação, e na infra-estrutura básica, que não é mais um problema na maior parte da Europa.
Também se pode apostar noutra perna, que é o que as regiões não têm. Nuns casos será investimentos, noutros será talentos. São estas quatro pernas que importam, é preciso fazer um diagnóstico e perceber quais são as mais fracas e fortalecê-las. Se temos de melhorar as quatro, vamos crescer devagar, mas temos de garantir que todas são reforçadas ao mesmo tempo. O problema é que isso é um processo de desenvolvimento relativamente lento e parte da sociedade, dos decisores, acabarão por exigir crescimento mais rápido. O que se faz? Aposta-se então numa ou duas pernas da mesa. Que normalmente são as do investimento estrangeiro e construção de infra-estruturas. Se essas eram as pernas mais fracas no início, tudo bem. Caso contrário, acaba-se por concentrar o crescimento em certas partes do país ou acaba-se numa situação em que a economia se torna dependente de subsídios constantes, para atrair investimento directo estrangeiro ou talento.
Porque é que o efeito dos fundos de coesão se desvanece depois de um surto inicial de convergência? Será porque os governos substituem investimento nacional regular por esses fundos?
Os efeitos não diminuem necessariamente. Isso acontece quando a política é inadequada. Se construirmos muita infra-estrutura, o crescimento vem da construção. Claro que se constrói infra-estrutura não para que se cresça enquanto se constrói, mas porque se espera que ela facilite o acesso de produtos e empresas ao mercado. Mas, para produzir esses produtos, é preciso o talento certo, as empresas certas e inovadoras. Se não cuidarmos disso e tudo isso for fraco, então vai haver essa desaceleração de que fala na sua pergunta.
A ideia que tem sido vendida nas últimas três décadas, tal como em Portugal, é a de que descentralizar resolve constrangimentos e permite melhores políticas. Na realidade, não é assim. Andrés Rodríguez-Pose
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Se, além disso, adicionarmos problemas institucionais significativos, como temos em certas partes da Europa, então, as instituições tornam-se uma das principais barreiras. Se os apoios à inovação e à indústria se decidem com base no clientelismo, quando os mesmos grupos obtêm mais financiamento o tempo todo e não se aposta no mérito, cresce-se menos e isso é um problema institucional que parte da Europa ainda tem. São problemas de eficiência do governo, de transparência e prestação de contas. No caso de Portugal ou Espanha, não são problemas tão graves. A corrupção é infelizmente muito prevalente noutras partes da Europa. Principalmente para o leste e sudeste.
Fala-se da descentralização como remédio. Os dados empíricos apoiam essa ideia?
Essa é uma das minhas principais áreas de pesquisa. A descentralização, como ferramenta, é neutra. Assume-se que, ao transferir poderes e recursos para outros níveis de governo, se vai ter melhores serviços. Principalmente quando há uma heterogeneidade. Em Trás-os-Montes podem dizer que querem mais saúde, no Alentejo podem querer mais educação. Mas a primeira questão é se as pessoas em diferentes partes querem mesmo coisas diferentes? Todos nós queremos uma boa educação, saúde, segurança. Ou uma boa infra-estrutura. Queremos tudo.
A ideia que tem sido vendida nas últimas três décadas, tal como em Portugal, é a de que descentralizar resolve constrangimentos e permite melhores políticas. Na realidade, não é assim. Na maioria dos casos, a descentralização foi um desastre absoluto em termos económicos, sobretudo em países em desenvolvimento. Em países mais desenvolvidos como Portugal, as provas dizem-nos que o impacto foi neutro ou negativo.
Para evitar problemas, os governos centrais transferem poder, mas não transferem os recursos correspondentes. E mesmo quando transfere recursos, muitas vezes são transferências condicionais, o que significa que não há verdadeira autonomia. Andrés Rodríguez-Pose
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Porquê? Porque essa descentralização é má?
Não. Pode ser uma ferramenta muito boa, mas o principal problema é a forma como ela é conduzida. A maioria dos países descentraliza em períodos de crise económica ou crise política. E é dirigida de cima para baixo. Para evitar problemas, os governos centrais transferem poder, mas não transferem os recursos correspondentes. E mesmo quando transfere recursos, muitas vezes são transferências condicionais, o que significa que não há verdadeira autonomia. Ficamos então com camadas subnacionais de governo mal preparadas, especialmente em países menos desenvolvidos. País Basco ou Catalunha queriam a descentralização, mas o que é habitual é que conseguem financiamento ou conseguem poderes sem que os tenham exigido, quando não estão preparados. E têm de lidar com o mesmo tipo de questões que o governo nacional tinha de resolver, mas com menos recursos.
Mas a descentralização pode funcionar?
Sim, pode e muito bem, se for bem feita, mas vou ter de estudar como está proposta em Portugal.
Falou de Trás-os-Montes e do Alentejo, poderíamos falar de Soria (Espanha), do movimento España Vacíada, todos estes sítios sobre os quais escreve e a que chama...
... os lugares que não importam.
Estamos a reduzir o número de lugares que não importam?
Não, não.
O que deveríamos fazer e quais são os riscos se não o fizermos?
Nas últimas décadas, a nova geografia económica e a economia urbana colocaram a ênfase em dois factores fundamentais do desenvolvimento económico — que são diferentes dos factores que mencionei. Por um lado, temos a aglomeração, isto é, o tamanho importa. Quando temos grandes cidades, elas atraem talentos, têm a massa crítica. Por outro lado, a ideia da economia urbana era a densidade.
Temos muitas pessoas com talento em Londres, Paris, Nova Iorque ou Xangai. Isso cria a fertilização cruzada e conduz a novas ideias e à inovação. Portanto, esses lugares tornam-se motores da economia. Tradicionalmente, as políticas de desenvolvimento regional colocam o dinheiro nos lugares mais remotos e menos desenvolvidos. Mas com base naquelas teorias dominantes dizem: “Se Portugal vai ter futuro, não pode apostar em todo o lado, os recursos são limitados, por isso tem de apostar no seu melhor cavalo, que é Lisboa, e talvez Porto, mas sobretudo Lisboa.”
As grandes cidades têm um "efeito de sucção" que, no caso da Europa, podem ser sentidos a 1000 quilómetros de distância. Isso significa que o desenvolvimento de Portugal pode ser sugado por Madrid. O de Madrid pode ser sugado por Paris Andrés Rodríguez-Pose
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Esta é a política que nos têm tentado vender. E muitas das que foram concretizadas, incluindo as nacionais que, em teoria, são espacialmente cegas, acabam por ser políticas direccionadas. Para onde vai o dinheiro para inovação? Para os melhores centros de inovação, que estão principalmente nas capitais. E assim acabamos nessa situação, sobre a qual falava no início, de uma polarização maior. Em França, o crescimento está concentrado em Paris e o resto do país perdeu o comboio...
Apostou-se em efeitos colaterais, o chamado spillover effect...
Esperamos que, se Paris ou Londres crescerem, o resto do país vai crescer, porque isso vai aumentar o “bolo” e esse “bolo” vai ser distribuído. O problema é que isso é uma ilusão. As grandes cidades podem crescer ou não. Muitas cidades grandes têm-se saído bem. Mas nem sempre é o caso. Londres tem estado muito bem em relação ao resto do Reino Unido desde 1995, porque houve mercado único a partir de 1993. Passou a haver um grande fluxo de talentos e isso muda tudo.
Mas, entre 1937 e 1995, Londres esteve pior do que o resto do país. Portanto, não importa o tamanho ou a densidade. Caso contrário, as cidades latino-americanas seriam as mais dinâmicas do mundo. O que importa é o que se coloca dentro da cidade. Quais são as competências? Quais são as empresas? Qual é a acessibilidade? Quais são as instituições? Lagos [na Nigéria] cresce, mas a cidade é um desastre absoluto e é um desastre para o resto do país.
É isto que importa destacar. A política tem favorecido especialmente as políticas não territoriais, a concentração da actividade económica, com a hipótese de que haverá efeitos que se difundirão. Mas quando se analisa a realidade, o que vemos é que as grandes cidades têm um “efeito de sucção” que, no caso da Europa, pode se sentido a 1000 quilómetros de distância. Isso significa que o desenvolvimento de Portugal pode ser sugado por Madrid. O de Madrid pode ser sugado por Paris. Já o efeito de difusão não chega aos 200 quilómetros. Nos Estados Unidos, não ultrapassa as 50 milhas [80 quilómetros].
Temos ainda mais concentração a minar o crescimento económico e isso tem uma consequência política. Não se explora o potencial dessas áreas. Lisboa não tem estado especialmente bem e por isso é preciso garantir que todos os outros motores funcionem também. Mas os outros motores não estão a funcionar. E é por isso que o país não tem sido tão dinâmico como poderia ter sido.
Também é um problema social, como estamos a ver no Reino Unido, por exemplo. O crescimento acumulou-se em Londres e na região sudeste. O resto do país tem estado muito pior. Isso gerou descontentamento, que levou à votação do “Brexit” e o “Brexit” significa agora que o país tem o pior desempenho entre as maiores economias do mundo. Os lugares que já antes não importavam estão a piorar ainda mais. Vemos o mesmo em França.
Temos o exemplo oposto na Alemanha. Há diferenças entre a parte ocidental e oriental, mas temos a actividade económica mais difundida, mais espalhada pelo território. Munique tem-se saído bem, tal como Estugarda. Já Frankfurt, não tanto, o Ruhr, que é a maior aglomeração, também não, mas há muitas cidades médias que se saíram bem: Mannheim, Ingolstadt, Augsburg, Freiburg, Mainz [Mogúncia]. Isto mostra muito dinamismo em cidades pequenas e médias. Actividade económica mais difundida, mais crescimento e muito menos contestação.
A maior inovação e a maior história de sucesso é a vacina da BioNTech. Está em Mainz, foi criada por investigadores da Universidade de Mainz, que é uma boa universidade, mas não é de forma alguma a melhor da Alemanha. E foram eles que produziram em tempo recorde a maior e mais necessária inovação que tivemos em períodos de crise. Como não sabemos onde a inovação vai acontecer, talvez precisemos de apostar em mais do que um cavalo. Andrés Rodríguez-Pose
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É nos lugares que não importam que o populismo se torna fértil?
Há uma ligação muito muito forte. Lugares que estagnaram, que não conseguiram crescer como no passado ou acompanhar o ritmo do país, em termos de PIB per capita, produtividade e emprego, são os que recorrem aos partidos que se apresentam como anti-sistema, mais eurocépticos, que são contra a imigração (no caso dos partidos de extrema-direita) e que são, numa palavra, “populistas”. E isso é um risco sério.
Portugal preenche parte dessa descrição, estagnação do PIB per capita e da produtividade. A Espanha também, pelo lado do desemprego, e o Reino Unido, como acabou de descrever. Mas vimos a Finlândia a mudar de Governo. É outro exemplo?
A Finlândia tinha o Partido dos Verdadeiros Finlandeses, agora chamado Partido dos Finlandeses, que é o partido populista de direita. Foi o segundo partido mais votado e isso por causa de áreas em declínio industrial em torno de Helsínquia e no Oeste do país. Não são necessariamente as mais rurais e as mais remotas. São as áreas de maior declínio, no cinturão industrial circundante da capital, e especialmente nas áreas industrializadas mais tradicionais do Sudoeste. No geral, ficar preso na armadilha de desenvolvimento é provavelmente um indicador muito melhor sobre a ascensão do populismo do que outros factores destacados no passado, como baixos níveis de educação. Estas pessoas não têm necessariamente pouca educação formal, nem são estúpidas ou velhas. Com muita frequência, são habitantes de regiões presas nessa armadilha, de lugares que cada vez menos importam. São regiões que se estão a afundar e não se querem afundar sozinhas.
Dizia que Lisboa não está a funcionar como motor. Porquê?
Lisboa tem estado aquém e não tem servido de motor, sobretudo desde a crise financeira de 2008. Portugal não se saiu particularmente bem. Recuperou um pouco nos últimos anos, mas passou por uma crise muito forte e já não estava bem antes. Se eu fosse apenas um geógrafo económico puro ou economista urbano, talvez dissesse que uma das razões é que Lisboa não tem o tamanho certo. É muito pequena e Portugal é um país muito pequeno para realmente competir num mundo mais integrado e globalizado. Uma área metropolitana com dois milhões de pessoas é demasiado pequena para competir com uma área metropolitana com a de Madrid, que tem 6,5 milhões de pessoas. E até Madrid é pequena num mundo liderado por cidades que cada vez mais se aproximam do dobro ou do triplo do tamanho de Madrid. Isso significa que são cidades seis ou 12 vezes maiores que a aglomeração de Lisboa. Essa seria então uma explicação.
Em segundo lugar, e que considero a mais importante, é que falta a Lisboa e a muitas partes de Portugal os dotes certos para criar um ecossistema mais dinâmico. Lisboa pode ser pequena, mas isso não é problema para o crescimento em Munique. Lisboa é do tamanho de Munique, talvez até um pouco maior. Lisboa é do tamanho de Zurique e estas são cidades mais dinâmicas. Lisboa é do tamanho de Copenhaga, que é muito mais dinâmica e resiliente.
A pergunta é o que está Lisboa, e Portugal, a fazer para criar as bases adequadas, mas também para promover os sectores certos, para garantir que sejam competitivos e para garantir que não fiquem estagnados mas continuem a evoluir?
O terceiro factor é que não se pode pôr os ovos todos no mesmo cesto. Lisboa é a maior aglomeração, mas são dois milhões num país de dez milhões. Há mais a viver noutras regiões e são talentos significativos. É preciso apostar em Lisboa, mas também no Porto e em Braga e no Algarve, em todo o interior, na fronteira com Espanha.
É preciso perceber e acreditar que existe potencial em muitas partes de Portugal. Espanha não se resume a Madrid, Catalunha e País Basco. Qual é a empresa mais dinâmica em Espanha? A Inditex, que apareceu num subúrbio de uma cidade de tamanho médio como Corunha, que não tem sido particularmente dinâmica. A maior empresa sueca, embora agora tenha sede na Holanda, é a Ikea. Vem de um lugar chamado Älmhult, que na época em que Ingvar Kamprad fundou a Ikea tinha 2500 habitantes. Agora tem 8000. O potencial está em qualquer lugar. A maior inovação e a maior história de sucesso é a vacina da BioNTech. Está em Mainz, foi criada por investigadores da Universidade de Mainz, que é uma boa universidade, mas não é de forma alguma a melhor da Alemanha. E foram eles que produziram em tempo recorde a maior e mais necessária inovação que tivemos em períodos de crise. Como não sabemos onde a inovação vai acontecer, talvez precisemos de apostar em mais do que um cavalo. Porque se apostamos num só, e esse cavalo partir uma perna, estamos em sérias dificuldades.
E como será o futuro da política de coesão?
Não posso falar muito sobre isso porque presido a uma comissão que tem de apresentar uma proposta... Diria que a política precisa ser muito mais sensível às realidades locais. Tem de responder aos desafios que as diferentes regiões têm. E diria também que tem de ter um foco mais multidimensional. Por um lado, continuar focada nos lugares que ficaram para trás, os lugares mais pobres da Europa, que merecem apoio. Por outro, concentrar-se nesses lugares que estão a atrasar-se, a tornar-se lugares que não importam, que são apanhadas na armadilha de desenvolvimento, que estão a estagnar. Sem esquecer os locais mais dinâmicos, normalmente as grandes cidades, onde os problemas sociais são abundantes, onde os níveis de desigualdade são muito superiores. Isso pode ser traduzido em tipos mais específicos de propostas, mas ainda estamos no início, tivemos duas de nove reuniões e depois haverá discussões com a Comissão Europeia. Haverá um relatório em algum momento no início do próximo ano.