11.5.23

Um em cada três empréstimos à habitação é feito à taxa mista ou fixa

Rosa Soares, in Público online

Forte subida das Euribor dificulta novos empréstimos, apesar da opção pelas taxas mistas e fixas ser mais cara.

Com a Euribor a subir, faça as contas à subida da prestação da casa

O novo crédito à habitação está a registar uma alteração significativa face ao que se verificava praticamente até ao final de 2022, mas esta mudança não está a acontecer pelas melhores razões. Apesar de as taxas Euribor continuarem presentes em 90% do stock dos empréstimos para compra de casa, a opção por taxas fixas e mistas tem registado um crescimento muito expressivo, representando já 35% dos montantes concedidos nos primeiros três meses do corrente ano.

Os dados constam do Relatório de Estabilidade Financeira, de Maio, divulgado esta quarta-feira pelo Banco de Portugal (BdP), que dá ainda conta que a concessão de crédito à habitação com taxa de juro fixa ou mista difere entre as instituições de crédito. “Em alguns bancos, o peso dos novos empréstimos à habitação com taxa de juro fixa ou mista foi residual, enquanto para outros, foi superior a 70% das novas operações, sobretudo no caso da taxa mista e com prazo de fixação inicial de taxa superior a cinco anos”.

Mais do que uma estratégia para fugir à incerteza do comportamento das taxas Euribor, a mudança corresponde, em boa parte dos casos, à única forma de garantir acesso ao crédito pretendido. Esta segunda razão prende-se com as limitações impostas pelo supervisor na medida macroprudencial para o crédito, criada num período em que as taxas Euribor se encontravam em terreno negativo, e que agora impede a concessão de muitos empréstimos, ou limita consideravelmente o seu montante.

Está em causa a obrigatoriedade de os bancos, nos empréstimos associados à Euribor, calcularem a taxa de esforço – percentagem do rendimento líquido das famílias necessário para o pagamento da prestação do empréstimo – com a taxa actual (Euribor actual + spread) e com um acréscimo de mais três pontos percentuais (Euribor actual + spread + 3%), o que atira o valor para mais de 6%, com a taxa de esforço a ficar muito acima dos 35%, impedindo um grande número de operação.

No caso de taxas fixas ou mistas, apesar de estas apresentarem um valor superior às Euribor, não é necessário somar os três pontos percentuais e, nessa medida, é mais fácil obter a aprovação do montante necessário para a aquisição de habitação.

A percentagem de créditos a taxa fixa no conjunto dos contratos continua, ainda assim, muito reduzida. “No período de 2011 a 2022, Portugal apresentou uma percentagem de novos empréstimos à habitação concedidos com prazo de fixação da taxa de juro superior a 10 anos bastante inferior à média da área do euro. Em 2022, esta proporção cifrou-se em 9% em Portugal, face a 59% na área do euro, tendo aumentado nove pontos percentuais face ao valor muito residual observado em 2011”, refere o Relatório de Estabilidade.

De acordo com um inquérito realizado pelo BdP a uma amostra representativa de 10 instituições bancárias, correspondendo a 94% deste segmento de mercado, 60% delas contrataram crédito à habitação com taxa fixa e 70% concederam-no com taxa mista.

Apesar da quase totalidade das instituições da amostra deter crédito à habitação com taxa de juro fixa e mista, a sua relevância na carteira das instituições varia muito. “A quota máxima do stock de crédito à habitação com taxa de juro fixa era 11% em Dezembro de 2022 (média 2%), enquanto a proporção máxima de crédito à habitação com taxa de juro mista era 42% (média de 8%)”, com a maioria das instituições (60%) a prever que “a procura de crédito com taxa de juro fixa e mista aumentará em 2023, enquanto 20% consideram que irá diminuir”.
Risco da carteira aumentou

O BdP refere, por outro lado, que os indicadores de qualidade da carteira de crédito às famílias e empresas registaram uma evolução positiva no último ano, mas admite que “subsiste alguma incerteza quanto aos potenciais impactos associados à subida acentuada das taxas de juro e ao ainda elevado nível de inflação”. Por essa razão, o supervisor bancário recomenda aos bancos que “mantenham uma gestão proactiva desse risco e que continuem a desenvolver esforços para identificar os contratos de crédito que justifiquem uma re-adequação das condições à capacidade de servir a dívida dos mutuários, por via da sua renegociação e reestruturação”.

Para a instituição liderada por Mário Centeno, a subida das taxas de juro, a inflação e a menor capacidade de poupança das famílias torna “expectável um aumento das perdas por imparidade para crédito e dos empréstimos classificados em stage 2 [de risco médio] em 2023, revertendo a dinâmica observada nos últimos anos, interrompida no período de pandemia”.

O regulador refere que a transmissão do aumento das taxas de juro aos contratos de crédito é gradual, já chegaram aos contratos indexados a Euribor a três e a seis meses, e a uma boa parte dos contratos indexados a Euribor a 12 meses, um processo que deverá manter-se até Setembro de 2023, ainda que mais acentuado para os empréstimos indexados à Euribor a 12 meses e mais moderado nos indexantes com prazos inferiores.

O regulador destaca que “a proporção de empréstimos reestruturados [maioria deles em situação de incumprimento] no total de empréstimos manteve a tendência de descida iniciada em 2017”, como este rácio a diminuir 0,4 pontos percentuais face ao final de 2021, para 3,4%.

No entanto, o BdP não avança quantos empréstimos foram renegociados - para alteração de condições de pagamento, mas sem entrada em incumprimento – ao abrigo do Decreto-lei 80-A, de 25 de Outubro, criado para facilitar esse processo num contexto de taxas de juro elevadas, justificando que “ainda não há informação suficiente que permita um tratamento sistematizado dessa realidade”.

Sobre a medida governamental de bonificação de juros a partir de um determinado nível da taxa de juro, para agregados de menos rendimentos, o governador do BdP admitiu ter "dúvidas sobre a sua eficácia". Ainda sobre esta medida que estará disponível a partir do próximo dia 16, Mário Centeno adiantou não ter dados que permitam estimar com precisão o número de pessoas, contratos, mutuários, que possam vir a beneficiar dessa medida.

Já o novo crédito à habitação está a diminuir – e o stock também, com o contributo do aumento das amortizações antecipadas. Em particular, no primeiro trimestre de 2023, observou-se um aumento das amortizações antecipadas de empréstimos para habitação própria permanente de cerca de 40% face ao período homólogo de 2022, representando 0,9% do stock de crédito à habitação própria permanente, com um contributo das amortizações antecipadas totais ligeiramente superior às amortizações parciais. Este é um desenvolvimento considerado normal num contexto de aumento acentuado do custo dos empréstimos e que é potenciado pelo diferencial significativo face às taxas de remuneração de depósitos, as quais têm aumentado de forma menos expressiva. Com Rafaela Burd Relvas