18.9.23

Faltam 40 dias para a extinção do SEF. PSP com "dupla capacitação" nos aeroportos

Valentina Marcelino, in DN


"Está a arder. Em outubro a PSP assume em pleno e não tem polícias", desabafava ao DN um elemento desta força de segurança que está há mais de cinco anos destacado no aeroporto de Lisboa.


Tem assistido, "principalmente desde 2020", a uma redução gradual do efetivo das esquadras aeroportuárias, agravado no último ano, desde que começou a formação dos agentes, chefes e oficiais para assumirem as funções do SEF no controlo de fronteiras, a partir do próximo dia 29 de outubro.

Nesta data o nosso país deixa de ter um serviço de segurança especializado em imigrantes, refugiados, asilados, estrangeiros residentes e segurança de fronteiras e passa a ter sete entidades a receber as suas competências e funcionários: a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e o Instituto de Registos e Notariado , que ficarão com a parte administrativa da concessão vistos, asilo e passaportes; a Polícia Judiciária (PJ), que integrará os cerca de 600 inspetores, a maior parte deles distribuída, provisoriamente pela GNR, PSP, Sistema de Segurança Interna (SSI) e Autoridade Tributária, até 2025.

O desassossego daquele profissional é sustentado por factos, corroborados por outras fontes, incluindo sindicais. "É cada vez mais complicado fazer escalas nos aeroportos. Entre formações, reforços a outras esquadras, férias, baixas, temos o efetivo praticamente reduzido a menos de metade", assevera.


Chega ao ponto de, confirmou o DN, numa escala da semana passada do aeroporto Humberto Delgado, de cerca de 260 elementos que integram as esquadras de Segurança Aeroportuária, a de Intervenção e Fiscalização Policial, a de Trânsito e a de Investigação Criminal, apenas estavam ao serviço 40.
Mínimos históricos

Este dado é relevante porque é das esquadras aeroportuárias que têm saído a maior parte das pessoas para fazer o curso do SEF - quatro semanas teóricas e duas práticas mas só cerca de 40% (segundo fontes sindicais dos vários aeroportos, só 130 do total de 351 formados), já está a tempo integral nas fronteiras e apenas na 1.ª linha de controlo (ver funções no final do texto).


Motivo: estas esquadras, com as do aeroporto de Lisboa em destaque, têm o seu efetivo em mínimos históricos e para dispensar pessoal para substituir os inspetores do SEF, não conseguem cumprir todas as tarefas que lhes competem na segurança do aeroporto (ordem pública, acompanhamento de aterragens de emergência, trânsito, investigação criminal, entre outras).

Assim, apesar do número total de formados já ser até superior ao do próprio SEF atualmente nos aeroportos, cerca de 330, essa transição não pode ser imediata porque, precisamente, fazem falta nos locais de origem, o que também faz com que depois do curso se mantenham neste serviço em permanência e que recebam os conhecimentos que lhes vão permitir assegurar também o trabalho mais complexo da 2.ª linha e apoiar a terceira.


Acresce que, apesar de alguns terem já sido formados há quase um ano, ainda nenhum substituiu inspetores do SEF, apenas os reforçam.

A PJ, por seu turno, não respondeu ao DN sobre quantos dos cerca 600 inspetores do SEF que vai integrar nos seus quadros a partir de dia 29 de outubro (e que daqui serão provisoriamente "emprestados" às outras seis entidades), ainda vão ficar nos aeroportos e quantos estarão nessa data já ao seu serviço.

Sublinhe-se que quanto mais célere for esta transição, mais depressa a PJ receberá os inspetores nas suas brigadas para reforçar o combate à criminalidade grave e violenta, especialmente a relacionada com tráfico de seres humanos e imigração ilegal, cuja investigação é hoje ainda mais relevante numa altura em que, conforme a própria PJ já assumiu numa recente operação desta natureza, há redes criminosas a aproveitarem-se da abertura legislativa dada por Portugal à entrada de imigrantes.
PSP com "dupla capacitação"

É por isso com acrescida apreensão que Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP), o sindicato mais representativo da PSP, assiste à contagem decrescente dos próximos 40 dias.

"O que constatamos é que as novas funções não foram acompanhadas de novos elementos, nem de condições estruturais. Desde que começou a haver reforço ao SEF, as esquadras aeroportuárias estão prejudicadas, não só em Lisboa mas no resto do país".

Confrontado com esta situação, o MAI não nega o problema da falta de polícias e promete que "o efetivo das subunidades que operam nos nove postos de fronteira será gradualmente reforçado em função da conclusão dos cursos de especialização, tanto em controlo de fronteiras como em segurança aeroportuária".

Fonte oficial do gabinete de José Luís Carneiro lembra que "a substituição integral dos profissionais do SEF por polícias da PSP vai decorrer ao longo de 24 meses. Haverá um esforço para concluir essa fase de transição antes do prazo, mas sem nunca colocar em causa a segurança e tranquilidade com que esse processo tem estado a decorrer".

Para o ministro há um "pressuposto deste processo de transição" de que não prescinde, que é o de "a par da segurança e tranquilidade referidas, garantir uma sólida transmissão de conhecimentos, permitindo que a experiência e boas práticas sejam gradualmente transmitidas aos novos responsáveis pelo controlo da fronteira aérea".

Assinala também que, "o facto de a PSP continuar a manter as suas responsabilidades em matéria de segurança dos aeroportos - onde todos os polícias aí colocados terão dupla capacitação: segurança da aviação civil e controlo fronteiriço - reforça a necessidade de este processo ser gradual".
"Dois em um" ou "sobrecarga" de trabalho?

Mas a ASPP interroga-se sobre se a dita "dupla capacitação" quer dizer uma espécie de "dois em um" em que cada polícia de desdobrará em duas tarefas, na segurança aeroportuária e nas fronteiras, ou se, o efetivo será efetivamente reforçado, permitindo que os inspetores do SEF possam ser substituídos o mais rapidamente possível pelos profissionais da PSP já formados, mantendo adequado o número de polícias nas esquadras dos aeroportos.

"O que a experiência e o histórico nos tem mostrado é que no fim do dia há sempre mais sobrecarga de trabalho para os polícias e se olharmos para os elementos formados e número de candidatos para entrar na PSP, daqui a dois anos estaremos pior", assevera Paulo Jorge Santos

Outro membro do executivo da ASPP, Carlos Oliveira (agente principal da PSP no aeroporto de Lisboa há mais de 30 anos e conhecedor profundo da dinâmica de segurança daquela infraestrutura) também se mostra cético.

"Uma dupla capacitação dos polícias não significa que consigam fazer os dois serviços ao mesmo tempo. Em alturas de crise poderá ser facilitador nos aeroportos ter os polícias capacitados para as duas missões porque rapidamente são movimentados para a crise e ajudam a resolvê-la. Agora em situações diárias e de normal funcionamento a tarefa de controlo fronteiriço não se se mistura ou confunde com a de segurança da aviação civil, existem separadamente apenas coabitam no mesmo local", salienta.

Aliás, sublinha ainda, "se olharmos em termos de segurança aeroportuária e compararmos números temos hoje menos polícias apenas dedicados a essa função e não tem havido reforço nessa área. Temos perdido polícias devido a reformas, saídas ou transferências. No Porto, por exemplo, temos indicação que a esquadra de Trânsito do aeroporto fechou para reforçar os outros serviços".

Na estimativa deste dirigente sindical, no caso de Lisboa "para a fronteira funcionar bem são precisos 300 polícias, só dedicados à 1.ª e 2.ª linha, mais cerca de 15 para peritagem documental, mais 2 a 3 para equipa de apoio, a que se soma a estrutura de Comando e para o Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (onde foi morto Ihor Homeniuk) considera-se que 20 seria um número aceitável".

Sobre a demora na substituição integral do SEF, Carlos Oliveira realça que "a PSP não perdeu nenhuma competência das que já tinha antes deste processo, nem fez uma admissão especial de polícias para colmatar esta nova necessidade. Ou seja, os Polícias podem estar formados, mas as funções que eles desempenhavam antes da formação continuam a existir e continuam a necessitar de ser executadas por alguém. A PSP está assumir funções novas de um serviço de segurança mas cada ano que passa tem menos polícias. Isto significa que por muita formação que seja dada vai haver algum trabalho que irá ficar com défice de recursos, seja ele na fronteira ou em todas as outras valências da PSP".
Ministro aposta na reorganização das esquadras

Como vai a PSP "duplicar" esta capacitação será mais um desafio para o novo diretor nacional, Barros Correia, que no seu discurso de tomada de posse, não deixou de apelar ao "apoio das políticas públicas" ao desempenho da PSP, o que passa por um "orçamento que permita cumprir" a sua "missão com excelência".

Questionado o MAI sobre em consiste exatamente a "dupla capacitação", esclarece que esta "visa obter ganhos de escala, promovendo eficácia e eficiência na operação de segurança (aviação civil e controlo de fronteira) através da gestão integrada e otimizada desses recursos humanos".

Também por isso, acrescenta " é que os profissionais do SEF continuarão em funções nos aeroportos até ao período máximo de dois anos: para transmitirem conhecimento e experiência, além de contribuir para o normal funcionamento dos postos de fronteira aérea".

Para "garantir a dupla capacitação", volta a dizer, "as subunidades operacionais afetas à segurança aeroportuária serão gradualmente reforçadas".

Esta fonte oficial exclui que, para isso, haja um recrutamento excecional, mas admite que a "reestruturação do dispositivo de esquadras que está a ser preparada, permitirá disponibilizar, para funções operacionais, agentes que agora têm de estar no interior das instalações".

Em relação ao número de inspetores e administrativos que transitam do SEF para os sete organismos a 29 de outubro, contando com as afetações funcionais transitórias, o MAI afiança que "este processo está a ser dirigido pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF que é responsável pelo processo de fusão e, dentro do prazo, serão assinados os respetivos despachos".
Pressa de trabalhar para a PJ

Da parte dos inspetores do SEF, a contagem decrescente também já começou, mas ao contrário, e para eles está "fora de questão" prolongar, já como quadros da PJ, para além de 29 de outubro de 2025, a permanência nos aeroportos.

Notando que "não houve até ao momento qualquer substituição de inspetores do SEF por elementos da PSP", estando estes apenas a reforçar os primeiros, o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (SCIF-SEF), Rui Paiva é perentório quando perguntado se os inspetores admitem prolongar a permanência para além de 2025.

"Não. De todo! A manutenção de inspetores da PJ oriundos do SEF nas fronteiras aéreas após a sua extinção é uma solução transitória que apenas visa acautelar as lacunas que ainda possam existir na formação do pessoal da PSP para certas áreas do controlo da fronteira, designadamente a segunda linha. A nossa expectativa é, pelo contrário, que, à medida que o pessoal da PSP for recebendo formação nestas áreas, os ex-inspetores do SEF se reconduzam à PJ para ali exercerem as suas funções. A nossa expectativa é que a nossa permanência nas fronteiras possa terminar ainda antes do limite previsto na lei. Se assim não for, algo não terá corrido como devia", adverte.
O que faz o SEF nos aeroportos

1.ª linha de controlo - Aquela que é visível à generalidade do público, nas chamadas "boxes" - consiste na verificação da identidade do passageiro que pretende entrar em território nacional e no espaço Schengen -, e na verificação do preenchimento dos requisitos de entrada elencados nas diversas disposições legais nacionais e comunitárias, assim como na despistagem de possíveis situações de ilícitos criminais, como o tráfico de pessoas, bem como da consulta às bases de dados relevantes.

Esta verificação é realizada em escassas dezenas de segundos, finda a qual é permitida a entrada ao passageiro que cumpra inequivocamente todos os requisitos de entrada.

2.ª linha - Consiste num controlo suplementar mais especializado, realizado em local reservado, no qual se vão cumprir eventuais medidas cautelares que pendam sobre o passageiro, e onde se vão procurar esclarecer (positiva ou negativamente), através de entrevistas e demais diligências necessárias, as dúvidas que não permitiram a entrada aquando do controlo de 1ª linha.

É ainda nesta linha de controlo que são organizados os respetivos procedimentos com vista à recusa de entrada em território nacional a que haja lugar, e todos os procedimentos com vista ao reembarque e retorno dos passageiros a quem seja recusada a entrada.

3.ª linha - Dedica-se, em articulação com as anteriores, à prevenção e deteção da criminalidade migratória que possa ocorrer na fronteira, designadamente os crimes de auxílio à imigração ilegal, e de tráfico de pessoas. Entrando na esfera da investigação criminal, nem como no que diz respeito à peritagem documental, esta linha será preenchida em exclusivo por inspetores da PJ (que podem ser ex-SEF).
Nunes Teixeira, primeiro diretor de fronteiras da PSP


O Superintendente Chefe Pedro Alberto Nunes Teixeira era o responsável pela segurança do aeroporto de Lisboa a 11 de setembro de 2001, o dia dos atentados terroristas nos EUA e será o diretor da futura Unidade de Segurança Aeroportuária e Controlo Fronteiriço da PSP, confirmou ao DN o ministério da Administração Interna.

Com estatuto de diretor nacional adjunto, a nomeação deste oficial decorrerá, de acordo com fonte oficial do MAI, "após a entrada em vigor da nova Lei Orgânica da Polícia".

Desde há cerca de um ano que Nunes Teixeira tem dirigido a "equipa de projeto" para a implementação desta nova unidade".