Diogo Cavaleiro, in Expresso
Dureza das simulações de subida de taxa de esforço na hora de concessão de crédito vai cair para metade. Ajuste estava prometido desde fevereiro, vai agora para consulta pública, mas só entra em vigor no outono. Banco de Portugal decide não mexer em mais nada, mantendo restrições nas maturidades e nos limites ao valor do empréstimo
Quando um cliente vai pedir um novo crédito à habitação, o banco é obrigado a olhar para os seus salários, para o valor da casa a comprar, para o período do empréstimo e para o juro que vai estar associado. Se o cliente escolher um juro indexado à Euribor, o banco tem de ver que peso a prestação terá no rendimento e é obrigado a simular o que aconteceria se os juros disparassem. E é neste último ponto – e apenas neste último ponto – que o Banco de Portugal decidiu mexer.
De acordo com informação apurada pelo Expresso, a autoridade bancária presidida por Mário Centeno prepara-se para tornar essa simulação menos exigente: o choque a que serão sujeitas as famílias a pedir novos créditos será metade do que atualmente é exigido.
Para os créditos ao consumidor de maior dimensão (acima de 10 anos), o que quer dizer que são créditos à habitação, o impacto atual é de uma subida de 3 pontos da taxa de juro face ao valor do indexante (Euribor) em vigor; passará a ser de 1,5 pontos.
Uma medida – para créditos a taxa variável e mista, mas não fixa – que pretende evitar que os clientes sejam sujeitos a simulações em que teriam de pagar juros superiores a 7%, o que iria fazer com que as prestações superassem os 50% do rendimento e, assim, ficariam impedidos de aceder ao crédito.
Esta é, portanto, uma mexida que diz respeito apenas aos novos contratos de empréstimo, e não àqueles que já estão em vigor.
JUROS TESTADOS JÁ NÃO CHEGAM AOS 7%
Atualmente, e segundo a Instrução n.º3/2018, a exigência de um teste de mexida de 3 pontos percentuais (ou 300 pontos base) ocorre se o prazo do contrato for superior a 10 anos. Passará a ser de 1,5 pontos percentuais (ou 150 pontos base). Ou seja, estando a Euribor a 12 meses (utilizada em 40% dos créditos em Portugal) em 4,045%, como esta sexta-feira, o juro testado não terá de ser de 7,045%, mas de 5,545%.
Nos prazos mais curtos (que podem ser à habitação ou ao consumo), o corte do choque a que as famílias serão sujeitas no teste de concessão de crédito também é para metade. Se o contrato tiver um prazo igual ou inferior a 5 anos, o agravamento é de 1 ponto percentual (100 pontos base), que passa, na nova instrução, para 0,5 pontos percentuais (50 pontos base).
Se o prazo for superior a cinco anos e igual e inferior a 10, a taxa passará a ser sujeita a agravamento de 1 ponto percentual (100 pontos percentuais) face aos 2 pontos percentuais (200 pontos base) atualmente requeridos.
MEDIDA EM VIGOR NO OUTONO
A alteração a esta medida foi, sabe o Expresso, aprovada já em Conselho de Administração, num tema que é liderado pela vice-governadora, Clara Raposo. De acordo com o calendário que está em cima da mesa, a decisão será sujeita a consulta pública pelo Banco de Portugal, que deverá começar na próxima semana, e terá obrigatoriamente de estender-se por 30 dias úteis, pelo que só no outono estará em vigor.
Nessa consulta pública, poderão ser recebidos contributos que podem, ou não, fazer mexer aquela que é a proposta inicial do Banco de Portugal que há meses fala nesta possível alteração e só agora a propõe.
Em fevereiro, numa entrevista disponibilizada no site do supervisor, Clara Raposo já tinha assumido que podia vir aí uma revisão: “É possível que a determinada altura […] podemos considerar um choque talvez inferior aos 300 pontos base para cenários de maturidades mais longas”, disse. No início desse mês, a Euribor a 12 meses estava nos 3,4% (e os testes iam já aos 6,4%); agora já superou os 4% (e os juros exigidos para medir a taxa de esforço a ascenderem aos 7%).
Com a medida prevista para o outono, bancos e clientes têm incentivo para empurrar até essa altura a concessão de novos créditos em que a taxa de esforço supere os 50% com o antigo esforço, mas que não ultrapasse já a fasquia com as novas simulações previstas pelo Banco de Portugal.
O QUE NÃO VAI MUDAR
A autoridade bancária alterou esta taxa para não impedir que famílias com uma situação financeira confortável acedessem a crédito para a casa, como considera que estava a acontecer. A taxa de juro média dos contratos a taxa variável foi, em junho, de 4,37% e, nesse mês, os novos créditos recuaram face ao mês anterior (mas aumentaram em relação ao período homólogo) e o montante total de empréstimos para a habitação voltou a descer ligeiramente, fixando em 99,5 mil milhões de euros (ajudado também pelos reembolsos antecipados que têm vindo a decorrer).
Uma forma de não conter o novo crédito, isto apesar de o Banco de Portugal integrar o Sistema Europeu dos Bancos Centrais, encabeçado pelo Banco Central Europeu, que tem elevado a taxa de juro diretora da zona euro precisamente para, com a contenção de crédito, arrefecer a economia e baixar a inflação.
Mas ainda que se torne mais restritivo, o supervisor não vai mexer no resto da medida macroprudencial para o crédito aos consumidores (consumo e habitação), como também chegou a ser uma hipótese assumida dentro da instituição: a taxa de esforço continuará a ser de 50% (as prestações não devem superar metade do rendimento mesmo quando sujeitas ao teste com o novo choque simulado menos exigente); continuará a haver limites ao valor do empréstimo e a sua comparação com o valor da casa (não poderá superar os 90% para créditos à habitação, ou seja, não financiar a compra total); os empréstimos só podem ir aos 40 anos na compra de casa e esse limite diminui à medida que o mutuário fica mais velho. Em todos os limites há exceções, mas também elas mantêm-se iguais.
Dentro do supervisor, os dados de que dispõe levam-no a concluir que é na taxa de esforço que se tem sentido maiores problemas na restritividade do crédito, pelo que é aí que decide atuar, e não nos outros temas. O facto de haver exceções aos limites faz com que, no Banco de Portugal, não se veja como essencial mexer aí.
Esta medida macroprudencial tem sido vista como bem-sucedida dentro da autoridade; isto porque a autoridade bancária vê uma melhoria da qualidade do crédito, o que diminui o risco para as insolvências das instituições (ainda que, como o Expresso noticiou, esteja a fazer com que a população que ganha abaixo do salário médio seja afastada do crédito à habitação).
BANCA JÁ TINHA MOSTRADO ADESÃO
Ao longo destes meses, os bancos já vinham mostrando vontade de que esta alteração do choque a que se sujeitam os mutuários tivesse lugar.
Aliás, em fevereiro, já o Novo Banco assumiu que tinha levado o tema à Associação Portuguesa de Bancos e que era a favor desta mudança: “Vemos esta medida de forma positiva e natural dado que o stress teste foi criado no momento em que as taxas de juro alcançaram mínimos históricos, atualmente já não fazem muito sentido, principalmente a referência máxima de 300 pontos base sobre o indexante”.
A medida é bem vista porque as entidades bancárias conseguem conceder mais crédito, sem que o risco aumente de forma significativa (não é expectável que a taxa de juro diretora, que condiciona as Euribor, hoje em 4,25% e a caminhar para uma pausa nas subidas, venha a superar os 7% que estavam a ser testados, e nem mesmo os 5,5% que agora serão testados com os novos choques).
MAIS MEDIDAS DO GOVERNO PARA CRÉDITO EXISTENTE
Este novo passo do Banco de Portugal é dado quando o Ministério das Finanças também já anunciou que tem novas medidas para ajudar as famílias no crédito à habitação (mas, neste caso, para quem já tem os créditos em carteira). Ou seja, o supervisor pretende retirar parte da pressão de cima de quem está a pedir novo crédito, e o Governo propõe auxílios a quem está a sentir a subida dos juros nas prestações que paga pelos seus créditos já existentes.
Fernando Medina anunciou que vai flexibilizar o acesso ao regime da bonificação do crédito à habitação, que tem dado uma ajuda média de poucas dezenas de euro aos titulares dos empréstimos. Medina clarificou que os clientes com taxas de esforço acima de 50% (a prestação tem de significar pelo menos metade do rendimento) terão direito a bonificação sempre que o juro está acima de 3%, o que já acontece em todas as maturidades das Euribor (não havendo necessidade de comparação com o indexante na data da contratação). Além disso, a bonificação aos clientes elegíveis será de 75% do agravamento excessivo do juro (até aqui era só de 50% para quem se encontra no quinto e sexto escalão do IRS). Essa medida terá de ficar escrita no protocolo que já existe entre a Direção-Geral do Tesouro e Finanças e os bancos, não se sabendo quando haverá tal acrescento.
Para setembro, Medina prometeu também outra ajuda para os clientes com créditos à habitação na sua mão, para facilitar a troca de taxa variável por fixa apenas de forma temporária – algo que os banqueiros garantiram nas conferências de imprensa de apresentação de resultados que já permitiam.