Joana Pereira Bastos, in Expresso
O especialista em Direito fiscal e financeiro Eduardo Paz Ferreira celebrou este fim de semana 70 anos, idade em que é imposta a aposentação obrigatória na Administração Pública. Esta segunda-feira dá a sua última lição na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas recusa-se a parar de trabalhar. No livro que vai lançar este mês, com o título “Devo fechar a porta?”, escreve um manifesto contra o “idadismo”, a discriminação dos mais velhos, nomeadamente no trabalho. Em entrevista ao Expresso, diz que há uma guerra de gerações, lamenta a falta de voz e de representação política dos idosos
Celebrou esta semana 70 anos, idade em que é imposta a aposentação obrigatória na Administração Pública. Esta segunda-feira deu a sua última lição na Faculdade de Direito de Lisboa. Como encara esta reforma compulsiva?
Como abusiva. Acho que a obrigatoriedade da reforma é um erro. As pessoas que ainda se sentem bem a trabalhar e que acham que ainda têm muito para dar deviam poder continuar. Para algumas pessoas, a imposição da reforma pode ter um impacto psicológico devastador. E até físico porque algumas doenças surgem desta falta de sentido que muitas pessoas começam a encontrar na vida, depois da reforma. Sentem que estão fora dos circuitos, que já não servem para nada e que a sociedade os mandou para uma lista de inúteis.
A reforma compulsiva aos 70 anos foi introduzida em Portugal em 1929, quando a esperança de vida à nascença não chegava aos 50… Entretanto, aumentou mais de 30 anos, mas esse marco manteve-se inalterável.
É impressionante. É preciso pensar que houve um grande período em que os direitos dos trabalhadores praticamente não existiam e a segurança social era uma coisa miserável. Depois do 25 de Abril, o foco centrou-se na idade da reforma, mas no sentido de encurtar o tempo da carreira, e esqueceram-se as pessoas que querem continuar a trabalhar. Isso faz parte de uma conceção da sociedade de pensar que os idosos não servem para nada, já não têm força, já não têm energia, são uns preguiçosos, devem mas é ir tratar dos netos.
Com o aumento da esperança de vida e numa altura em que as pessoas chegam com saúde a idades cada vez mais tardias, faz sentido continuar a definir os 65 anos como entrada na terceira idade?
Se não estivesse associada à palavra idoso uma carga pejorativa era um pouco indiferente. Mas a verdade é que o conceito de idoso é uma forma de separar essas pessoas do resto da sociedade. No meu livro conto alguns episódios muito deprimentes que se passaram com alguns amigos meus que aos 70, 70 e tal anos foram a lojas, por exemplo, de telecomunicações, e foram tratados pelos funcionários com total condescendência: “Não era melhor vir com o seu filho, para ele lhe explicar melhor como é que isto se faz?”. As pessoas passam a ser tratadas como se fossem incompetentes. Ultimamente tem-se falado muito em algumas formas de discriminação como o racismo e o sexismo, mas o idadismo também é uma forma de segregação.
Acha que a discriminação pela idade é encarada com naturalidade pelas pessoas, por entenderem que os mais velhos já não têm capacidades?
O problema é que vivemos numa sociedade terrivelmente individualista em que os sentimentos não são os melhores. Muita gente vê os idosos como pessoas que dão trabalho, que são um peso, que os obrigam a internar num lar… Ou seja, para muitas pessoas os idosos são vistos como uma fonte de despesa. Encontram satisfação na ideia de que podem ajudar a cuidar dos netos, mas em geral deixou de haver um interesse profundo em conhecer as pessoas, perceber o que valem e o que merecem.
No seu livro, defende que os “idosos, quando se mantêm em atividade, são melhores como trabalhadores do que os mais jovens”. Porquê?
Ao longo da vida passei por várias atividades profissionais, onde lidei com muitas pessoas e fui-me apercebendo que era assim. Há quem a meio do caminho desista por perceber que mais cedo ou mais tarde vai ser despedido, mas outras pessoas vão procurando manter-se atualizadas e em condições de continuar a dar o seu contributo, com a mais-valia da experiência. O problema é que as grandes empresas são especialistas em pôr as pessoas mais velhas em prateleiras mais ou menos douradas, empurrá-las para a pré-reforma com rescisões de contratos supostamente amigáveis. O meu livro foi inspirado por uma conversa completamente casual com um colega advogado que tem mais sete anos do que eu e que tem um escritório grande de advocacia. Quando eu tinha 63 e ele 70, encontrei-o um dia muito em baixo e perguntei-lhe o que se passava. Disse-me: “Estou lixado. Fiz 70 anos e ninguém quer saber de advogados com 70 anos. As pessoas que antes nos contratavam também já estão elas próprias reformadas e as que as substituíram são de outra geração e preferem gente mais nova. E as grandes sociedades de advogados também”. E, de facto, se pensar na minha vida profissional, nos últimos anos, à medida que me fui aproximando dos 70, percebi que os clientes tendem a procurar-me menos.
No seu livro refere que os trabalhadores mais jovens tendem a ver os seniores como um obstáculo à sua progressão profissional. Por outro lado, os mais velhos tendem a encarar os mais novos como uma ameaça ao seu “posto”. Como é que se pode promover a coesão geracional no mercado de trabalho?
É preciso, em primeiro lugar, que haja uma coesão social. E para isso os idosos têm de conseguir uma forma de ter mais voz. Neste momento, não têm nenhuma representação política. No Parlamento há quem se ocupe de animais, mas não há ninguém que se ocupe especialmente do interesse dos idosos. Por outro lado, seria preciso que os mais novos percebessem que da utilização da experiência e dos conhecimentos dos mais velhos só resultariam benefícios. Mas não é essa a perceção atual.
Paralelamente à luta de classes ou à “guerra dos sexos”, acha que há uma guerra de gerações?
Infelizmente penso que sim.
A grande maioria anúncios de emprego destina-se a trabalhadores até aos 35 ou 40 anos e muitas empresas encaram como um peso os trabalhadores acima dos 55. Como é que se pode mudar esta perspetiva, no sentido de valorizar a mais-valia trazida pela experiência?
Antes do mais, devo dizer que esses anúncios constituem uma prática inconstitucional. É um pouco correspondente a dizer que o emprego é só para homens ou que é só para a raça branca. É uma forma de discriminação inaceitável e sobre a qual deveria existir legislação expressa. Claro que as empresas poderiam sempre torneá-la, não admitindo trabalhadores mais velhos com o argumento de que não reuniam as condições ideais e negando que a recusa [do emprego] tivesse a ver com a idade. Agora que se sintam tão à-vontade que podem pôr anúncios desse tipo, com um limite de idade, é chocante.
O mercado de trabalho em Portugal ainda é pouco flexível. A pessoa ou trabalha, ou não trabalha. Não fazia sentido que a transição para a reforma fosse mais progressiva, no sentido de permitir que as pessoas mais velhas pudessem ir trabalhando menos horas, mas continuassem a dar o seu contributo?
É uma excelente ideia. Há pouco tempo, a presidente da Apre (Associação de Pensionistas e Reformados) fazia precisamente essa sugestão, que se pudesse criar um escalonamento entre a situação de trabalho pleno e a situação de reforma. Era seguramente uma solução feliz. Mas, como já disse, os mais velhos não têm peso político suficiente para se pensarem em soluções desse tipo.
Como é que encara o seu próprio envelhecimento?
Não dou muito por ele. Às vezes percebo que já tive mais energia, mas não sinto uma mudança radical. Muitas vezes, a perceção de envelhecimento é dada mais pelo olhar dos outros do que pelo nosso próprio olhar. Aliás, é curioso que hoje em dia muita gente me diz que pareço mais novo do que parecia há uns anos. Não sei o que aconteceu, mas talvez esteja melhor com a vida do que estive noutras fases. A idade também nos traz algum apaziguamento.
Escreve no seu livro, em letras maiúsculas, que vai continuar a trabalhar. Vai manter o seu escritório de advocacia?
É essa a minha ideia. Gostava de ir a alguns países onde nunca fui e ou vou agora, ou já não vou. Mas estou a ver que, pelo número de coisas em que ando metido, vou adiar isto demais e quando tentar fazer já não consigo. Gostava muito de conseguir um certo equilíbrio entre as duas coisas.