Mostrar mensagens com a etiqueta Leonor Teles. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Leonor Teles. Mostrar todas as mensagens

30.8.19

“Cães que Ladram aos Pássaros”, de Leonor Teles: cinema que denuncia e comove

in Comunidade e Cultura

A realizadora Leonor Teles, de 27 anos, mostra que já encontrou um equilíbrio cinematográfico perfeito (difícil de se chegar) entre o afectivo e o político no seu quarto filme, “Cães que Ladram aos Pássaros”. A curta-metragem estreia-se mundialmente no Festival Internacional de Cinema de Veneza, nesta quinta-feira (29). Com outras exibições nos dias 5 e 7 de setembro, ela integra a secção competitiva Horizontes (veja detalhes).
Após falar do preconceito e da discriminação contra os ciganos nas curtas bem pessoais “Rhoma Acans” (2012) e “Balada de um Batráquio” (2016, Urso de Ouro em Berlim), Leonor segue agora o mesmo modelo da sua primeira longa-metragem, a maravilhosa “Terra Franca” (2018).

“Cães que Ladram aos Pássaros”, de Leonor Teles

Ao misturar a narrativa de documentário com trechos de ficção, ela escolhe filmar novamente a rotina de uma família comum portuguesa que é impactada por políticas locais. Enquanto a guerreira comunidade piscatória é tema de “Terra Franca”, “Cães que Ladram aos Pássaros” traz a história da família Gil, representada pela mãe Maria e os quatro filhos Vicente, Salvador, Mariana e António. Na curta de vinte minutos de duração, eles são obrigados a sair da casa no centro do Porto por causa da especulação imobiliária que se agravou em 2018.

Sim, a gentrificação chegou ao Porto. A procura acelerada de turistas por casas no Centro Histórico faz com que os edifícios antigos sejam destruídos – e os antigos moradores despejados – para a construção de hotéis, alojamentos ou apartamentos com preços desmedidos. Como é possível ver no noticiário, estes valores são o suficiente para que alguns senhorios se esqueçam de que ainda há pessoas a receber salário mínimo em Portugal.
Numa das cenas mais realistas do filme, Vicente vai com a mãe visitar um apartamento que está para arrendar. O senhorio a enche de perguntas e de comentários desnecessários e inconvenientes sobre sua vida. Desde “És portuguesa mesmo? Tens fiador?” a “Quatro filhos é muito este espaço” e “Onde está o marido?”.

Então, o que deveria ser apenas as férias de verão do adolescente Vicente transformam-se num momento de viragem para a vida adulta. O que deveria ser apenas um passeio de bicicleta pela cidade é interrompido por pensamentos depressivos pois a cidade está irreconhecível (“dois guindastes ali, mais dois por lá”, diz o portuense). Ele não sabe se ri ou se chora. Interessante registar que essa curta foi financiada pela Câmara Municipal do Porto no âmbito do projecto Cultura em Expansão, numa residência artística que a realizadora, que nasceu em Vila Franca de Xira, fez por um ano na cidade.

Leonor sabe captar de forma comovente problemas pessoais que acabam por ter a ver com todos. Detalhes são importantes para o seu cinema, que emociona e denuncia o que se passa no país. Portanto, esperamos muito que essa história possa vir a ser argumento de uma próxima (e segunda) longa-metragem da carreira de Leonor.

21.11.17

Leonor Teles: «A ideia mais errada é acharem que os ciganos são todos ladrões»

Texto de Ana Patrícia Cardoso | Fotografia de Reinaldo Rodrigues, in NotíciasMagazine

A propósito do Dia Mundial da Tolerância, Leonor Teles, a jovem realizadora que ganhou um Urso de Ouro no Festival de Berlim, fala da sua herança cigana e de como é viver com esse preconceito.

Queria ter ido para a Força Aérea mas, no último ano do secundário, mudou de ideias e o cinema ganhou uma realizadora e já conta com reconhecimento e prémios internacionais.

O primeiro trabalho surgiu em 2013, quando lançou a curta Rhoma Acans sobre as jovens que crescem dentro da comunidade cigana. A personagem principal, Joaquina, tinha 15 anos, um casamento falhado e queria sair da comunidade cigana para ser modelo. O trabalho ganhou o prémio Take One!, do Festival Internacional Curtas Vila do Conde, em 2013, e uma menção honrosa no Indie Lisboa.

O tema é-lhe familiar. O pai deixou a comunidade cigana de Vila Franca de Xira para casar com a mãe. Leonor estudou, formou-se em Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e concluiu um mestrado em Audiovisual e Multimédia. Apesar disso, tem ligação com a avó. «As pessoas pensam que são todos “ladrões”. E friso o “todos”, porque o erro está na generalização. Não é só na comunidade cigana que há ladrões. Há em todas», justifica.

Nem toda a gente sabe que Leonor tem um pai cigano, mas a jovem diz já ter sofrido preconceito. «Já ouvi coisas como ‘ah, mas tu és diferente, ou ‘tu não contas’. As pessoas acabam por achar um facto curioso, como se fosse uma característica extra e não propriamente inerente. Para mim, essa descendência é enriquecedora.»

Em 2016, continuou a usar o cinema como arma para combater o preconceito. Lançou a curta-metragem Balada de um Batráquio e conquistou Urso de Ouro, no Festival de Berlim. No documentário, Leonor é interveniente direta na ação e entra nos estabelecimentos comerciais de Lisboa e parte os sapos de louça que estão nas montras.

O que muita gente desconhecia é que este animal é utilizado para afastar ciganos, uma vez que a comunidade acredita que estes estão associados a rituais de bruxaria e que trazem azar para os negócios e família. A realizadora percebeu que pouca gente sabia deste costume e colocou-o em filme. E tinha razão.
«Essa foi a melhor “vitória” do filme: quem não sabia dos sapos começou a vê-los em todo o lado!»

«A primeira reacção (a nível internacional) foi perguntar se isto acontecia mesmo em Portugal e as pessoas não sabiam da existência deste fenómeno. Em Portugal, algumas pessoas desconheciam os sapos e o seu significado e mostraram-se bastante surpreendidas quando a partir do filme começaram a reparar que existiam sapos em todo a parte. E essa foi a melhor “vitória” do filme: quem não sabia dos sapos começou a vê-los em todo o lado!»

29.2.16

Leonor Teles: “O modo de vida dos ciganos não faz sentido. Principalmente para a mulher cigana

in iOnline

Entrevista à realizadora Leonor Teles

É a sociedade que exclui os ciganos ou é a comunidade cigana que acaba por se excluir a si própria?

Não acho que seja mais um do que o outro. Os ciganos gostam de estar no seu canto, entre aspas. Ou seja, gostam de estar à parte e de viver da forma que lhes apraz, e a sociedade como não está para se chatear também os deixa lá no canto. É um problema dos dois lados.

Estando entre os dois mundos, como vê essa questão?

Acho que os ciganos têm coisas tão boas, como a música e a dança, que podiam ser mais bem aproveitadas, basta olhar para Espanha, mas alguns ciganos estão mais preocupados em manter aquele modo de vida, que é do tempo de Salazar, até antes. Este modo de vida que continuam a perpetuar não faz sentido e não é justo, principalmente para a mulher cigana. Infelizmente, os representantes da comunidade normalmente também são homens. Raramente vemos mulheres a trabalhar nesse diálogo.

O seu pai era cigano. Qual é a relação dele com as tradições?

O meu pai é cigano, mas depois de se tornar adulto nunca quis ter qualquer tipo de ligação às tradições mais conservadoras. Sempre trabalhou, tudo aquilo que normalmente é assumido como tradição e cultura cigana o meu pai nunca quis fazer parte. Para ele havia uma coisa com mais importância, que era a minha avó, e a família, que é das coisas mais importantes para os ciganos. Disso ele nunca deixou de fazer parte. De resto, ele sempre quis que os filhos estudassem, que fizessem aquilo que queriam. Nunca se pôs em causa eu ter que me casar ou deixar de estudar ou o que quer que fosse.

Mas como foi a infância dele?

A minha avó sempre tentou proteger o meu pai e o meu tio dessas situações. Muitas vezes desfazia os casamentos que o meu avô arranjava. Isso é estranho, mas ao mesmo tempo na minha família da parte cigana todas as mulheres foram personagens bastante fortes, com uma mente muito aberta, muito à frente do seu tempo. Sempre trabalharam, o que não é comum. A minha avó sempre teve o seu negócio, à parte do do meu avô.

Se o seu pai fosse mulher, ter-lhe-ia sido permitido casar fora da comunidade?

Possivelmente não. Certamente teria sido mais complicado.

22.2.16

Realizadora portuguesa vence em Berlim: “Foi uma loucura abismal”

in Expresso

A produção "Balada de um Batráquio", da realizadora Leonor Teles, venceu o Urso de Ouro na categoria melhor curta-metragem. Veja aqui o trailer do filme.

A produção “Balada de um Batráquio”, da realizadora Leonor Teles, venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim na categoria melhor curta-metragem.

O título aborda os comportamentos xenófobos a ciganos em Portugal, através da figura de sapos de cerâmica, normalmente utilizados por proprietários de cafés e restaurantes para evitarem a entrada de membros desta comunidade nos locais.

A realizadora Leonor Teles falou à Agência usa no final da cerimónia e explicou que o prémio foi “completamente inesperado”: “Nunca pensei, achei que era impossível. Somos pequeninos, fizemos um filme com pouco dinheiro, sempre acreditaram em mim e estar aqui e ter ganhado o urso de ouro é uma coisa inacreditável”.

Sobre o tema do filme, afirmou: “Se formos a ver, os ciganos estão à margem da sociedade e provavelmente lá vão continuar. Acho que falar um pouco sobre eles pode ajudar”.

Para Leonor Teles, o Urso de Ouro “representa o reconhecimento de um trabalho de dois anos, e de todas as pessoas que trabalharam no filme”.

Falando da “loucura abismal” que se seguiu à entrega do prémio, a realizadora lembrou, com boa disposição, que conheceu um dos atores famosos que estavam a assistir à cerimónia: “Não é todos os dias que se conhece o Clive Owen. Isso sim é um sucesso na vida”.

O filme estava em competição nas Berlinale Shorts ao lado de “Freud und Friends”, de Gabriel Abrantes, e de outros 22 trabalhos de todo o mundo.
BERLIN, GERMANY - FEBRUARY 20: Director Leonor Teles winner of the Golden Bear for Best Short Film for 'Balada de um Batráquio' speaks on stage during the closing ceremony of the 66th Berlinale International Film Festival on February 20, 2016 in Berlin, Germany. (Photo by Sean Gallup/Getty Images)

Leonor Teles foi ao palco agradecer o prémio

Este é o segundo trabalho de Leonor Teles como realizadora. A sua estreia aconteceu com o documentário curta-metragem “Rhoma Acans”, que partilha com “Balada de um Batráquio” o tema da inter-culturalidade. A história da sua família, com um pai cigano e uma mãe não cigana, serve de inspiração a Leonor para investigar o que teria sido da sua vida se o pai, inspirado pela sua própria mãe, não tivesse quebrado a tradição da comunidade cigana onde nasceu.

Nascida em 1992, Leonor Teles é natural de Vila Franca de Xira e estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) da Amadora.