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24.5.22

“NÃO SOU MENOS CIGANA PORQUE ESTUDEI E ME TORNEI UMA MULHER INDEPENDENTE”

Sónia Calheiros, in Visão

Licenciada em Direito e especializada em Direito Criminal, Alcina Faneca, advogada de 28 anos, com escritório em Trás-os-Montes, sempre teve o apoio da família para seguir o sonho de ser juíza, mas a sua comunidade apontou-lhe o dedo

Abri o meu escritório há dois meses, em parceria com dois colegas de Esposende, mas estou sozinha em Torre de Moncorvo. Não quero tornar-me advogada só de pessoas de etnia cigana, trabalho para quem vier ter comigo. Por agora, tenho trabalhado bastante na área de direitos reais, por exemplo na compra e venda de uma casa ou a tratar de testamentos, mas antes, com o meu patrono, trabalhava em direito do trabalho e direito criminal, que considero ser o mais aliciante.

Comparando Torre de Moncorvo, no Interior, no distrito de Bragança, com uma grande cidade, a criminalidade é menor, mas vê-se um pouco de tudo. Os homicídios podem ser chocantes, mas é nesses casos que mais gosto de trabalhar, embora seja sempre mais complicado defender o culpado. Só não aceito casos de violação – é a minha única objeção de consciência.

Sempre sonhei ser juíza desde que comecei a ouvir dizer que as decisões em relação à etnia cigana nem sempre eram imparciais. Ao começar a conhecer a lei e os pressupostos que devem ser respeitados, faziam-me confusão certas situações que envolviam as pessoas da comunidade. Queria conseguir fazer justiça e reverter a situação. Agora, vou ganhar experiência e, daqui a meia dúzia de anos, quando a minha filha for mais crescida, concorro ao Centro de Estudos Judiciários pela via profissional.

“Tens de fazer a diferença”

Comecei a perceber a diferença que havia entre mim e as outras raparigas ciganas principalmente quando fui para a faculdade no Porto, por volta dos 20 anos. Depois do ensino secundário – em que o meu pai não se deixava levar pelas minhas manhas, nem que fosse para faltar só uma manhã à escola –, algumas quiseram dar seguimento aos estudos e já não puderam, porque a faculdade é longe – a mais próxima fica, pelo menos, a uma hora de casa –, e aí o acesso à educação era-lhes vedado. Mas comigo isso não aconteceu. Quando terminei o 12º ano, o meu pai começou logo a procurar a melhor faculdade de Direito para mim.

Na infância e adolescência, tinha uma vida como a de qualquer outra criança, cigana ou não. Os meus pais sempre me disseram, a mim e aos meus irmãos [tenho duas irmãs, de 32 e 26 anos, mais um irmão de 18], para continuar: “Tens de fazer a diferença.”

Na comunidade, entre as pessoas mais próximas, havia quem discordasse de eu ir estudar para fora, mas isso não fazia diferença na minha vida. Ouvíamos comentários menos bons, mas o meu pai nunca lhes deu ouvidos, ignorava-os. Diziam-lhe que eu não ia para o Porto estudar, ia passear; não estava bem ir para lá sozinha e tirar a carta de condução.

Não ganhei má fama, mas penso que a maior parte das pessoas, sem serem apenas as da comunidade cigana, achava que eu não conseguiria terminar o curso.

Respeito a minha comunidade e a forma como quer viver e trabalhar, normalmente a vender, mas não concordo com alguns aspetos. Há valores que não aceito para a minha filha, agora com 3 anos, como deixar de estudar aos 13 para casar, que não possa ir para a faculdade, não possa ter amigos rapazes que não sejam ciganos ou não possa sair para jantar fora com as amigas.

Respeito a minha comunidade e a forma como quer viver e trabalhar, mas não concordo com alguns aspetos. Há valores que não aceito para a minha filha, como deixar de estudar aos 13 anos para casar, ou que não possa ir para a faculdade, não possa ter amigos rapazes que não sejam ciganos ou não possa sair para jantar fora com as amigas

Porque é que viajar com amigas ou ir tomar um café com amigos nos haveria de definir como pessoas ou tornar-nos menos ciganas? As outras mulheres da comunidade não o fazem porque fica mal aos olhos dos outros. Eu não me importo com o que pensam.

Todos temos direito à liberdade de expressão e a fazer o que bem entendermos, sem prejudicar os outros. Hoje, só não muda quem não quer. Mas viver numa família muito conservadora pode não ajudar. Nesses casos, a força da família é muito maior do que a da mulher sozinha, e são ainda poucas as mulheres a arriscar ter uma vida diferente.

Não incentivo as minhas amigas a fazerem quaisquer mudanças. Não quero ser vista como a causa do problema. Mas já passei por uma situação em que uma mãe e a sua filha de 15 anos vieram ter comigo para me pedir ajuda para falar com o pai dela. Então, fui ter com ele para falar sobre deixar a filha continuar a ir à escola.

Expliquei-lhe o meu caso, e que o facto de estudarmos não impede de continuarmos a cumprir todas as tradições ciganas. Tenho muito orgulho em ser cigana. E consegui que essa menina voltasse a estudar.

“Ninguém tem o direito de cortar as asas”

Não sou menos cigana porque estudei, fiz o meu percurso e me tornei uma mulher independente e realizada. Isso só nos torna mulheres mais felizes e completas, sem sermos dependentes de um homem – um conselho, aliás, que sempre ouvi do meu pai.

Na universidade, os meus professores, quando souberam que era cigana, até ficaram felizes por ali estar. Na altura, passei por uma situação em que o meu pai teve um problema e tive de faltar às aulas – todos facilitaram imenso e ajudaram-me.

Nunca ter ouvido expressões como “vai vender na feira” é um sinal de mudança, sobretudo na minha geração, mas na dos mais velhos ainda há muito para fazer, e nem sei se alguma vez a mudança acontecerá.

É preciso mudar a forma de educar meninas e meninos. De que vale ter uma mulher com uma opinião mais aberta se a do homem se mantiver conservadora? Talvez só quando eu for avó se irão sentir mudanças significativas.

Estamos a progredir e vamos no bom caminho, mas quando vou a escolas fazer palestras, noto que há crianças com sonhos, mas também entraves familiares que não as deixam avançar. Ninguém tem o direito de cortar as asas e não deixar concretizar o sonho. Espero que a minha filha tenha gosto em estudar e siga a profissão que quiser.

27.1.20

Comunidade cigana continua a ser discriminada em Portugal

Roberto Bessa Moreira, in JN

O Comité para a Proteção das Minorias do Conselho da Europa reconhece avanços, mas pede reforço de políticas antidiscriminação. Técnicos europeus passaram pelo Porto, pela Figueira da Foz, Torres Vedras, Moura e Lisboa.

A comunidade cigana continua a ser discriminada e a viver à margem da sociedade em Portugal. Também há muitos elementos desta etnia a viver em condições habitacionais muito precárias e a maioria (sobretudo as raparigas) apresenta níveis educacionais mais baixos do que o restante da população, o que contribui para que haja entre os ciganos um alto nível de desemprego.

As conclusões são do Comité para a Proteção das Minorias do Conselho da Europa (CPMCE), cujos técnicos emitiram, nesta segunda-feira, um parecer sobre a realidade nacional, após terem passado por Portugal entre 28 e 31 de maio do ano passado. Os especialistas europeus visitaram as comunidades ciganas radicadas no Porto, Figueira da Foz, Torres Vedras, Moura e Lisboa e, no final, reconheceram que Portugal adotou medidas para melhorar as condições de vida e para combater a discriminação da população cigana, nomeadamente a criação, em 2017, de uma lei antidiscriminatória, as alterações ao Código Penal e o fortalecimento do papel da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Salientam ainda que vários municípios portugueses têm sido "ativos na implementação de planos de ação locais para a inclusão de ciganos", que incluem o recurso a "mediadores ciganos".

Contudo, o CPMCE alega que as autoridades nacionais devem trabalhar para que as medidas implementadas "tenham um impacto efetivo e de longo prazo em todo o país" e aponta várias deficiências nesta área. "A ausência de dados quantitativos e qualitativos" relativamente a esta temática, a "ausência de um orçamento" relevante para as instituições especializadas na questão da igualdade e, ainda, "um campo disperso de órgãos para a apresentação de denúncias sobre discriminação" são os principais problemas.

Para colmatar estas lacunas o Conselho da Europa propõe que Portugal intensifique "os esforços para aumentar a consciencialização" da comunidade cigana para a existência de leis e órgãos que combatem e punem a discriminação, o ódio e o racismo e às quais as vítimas podem recorrer. Defende, igualmente, o fortalecimento dos órgãos, entre as quais o Provedor de Justiça, responsáveis pela resposta às queixas de discriminação. Ou seja, estas entidades devem possuir capacidade para investigar e punir crimes raciais, assim como para dar uma resposta célere às queixas apresentadas.

Para o CPMCE, Portugal também deve implementar "planos nacionais e locais" para atribuir condições habitacionais "acessíveis e adequadas a comunidades vulneráveis ​​de etnia cigana". O realojamento de "famílias e indivíduos ciganos que ainda vivem em condições precárias" deve ser uma prioridade destes planos. Os técnicos europeus alegam, por fim, que programas com mediadores interculturais devem abranger mais municípios e que o Estado deve assegurar a certificação de mediadores que possam aplicar estes projetos nas zonas mais críticas.

5.11.19

O projeto que faz tudo para que os ciganos não deixem a escola

Catarina Silva, in JN

Projeto Agitana-te. Para que os ciganos não deixem a escola

Projeto em Ovar vai à sala de aula e aos acampamentos. Tudo para que as crianças não faltem, tenham boas notas e não deixem os estudos para casar.
Numa carrinha da Cruz Vermelha, depois de alguns quilómetros, em parte por caminhos de terra, Maria João Costa e Joana Falcão chegam ao destino. É um bairro cigano, em S. Vicente Pereira, Ovar. Os moradores não estranham, estão habituados às visitas da educadora social e da psicóloga. Trocam letras no nome do projeto, mas elas corrigem: "Chama-se Agitana-te".

18.9.17

Governo lança bolsas de estudo para jovens de etnia cigana

in Sol

Governo vai lançar este ano 30 bolsas de estudo para jovens de etnia cigana que entrem no ensino superior. São mais cinco do que em 2016

O governo vai apoiar este ano letivo mais cinco bolsas para estudantes do ensino superior de etnia cigana, 30 no total. São mais cinco do que em 2016, ano em que o governo reforçou o apoio a um projeto promovido por associações ligadas à comunidade cigana.

Olga Mariano, de 67 anos, foi uma das mentoras da iniciativa. Todos lhe chamam tia Olga. Era vendedora ambulante até ter ficado viúva. Em 1998, fez uma ação de formação sobre mediadores socioculturais com mulheres africanas e ciganas e decidiu criar a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas. Nunca estudou na universidade, mas essa foi uma das bandeiras da AMUCIP. Pelo caminho, conheceu Bruno Gonçalves, da Associação de Ciganos de Coimbra, e começaram a estruturar uma forma de ajudar outros jovens e adultos a ter mais oportunidades na área da formação.

O programa Opré Chalavé – “erguei-vos jovens”, em romani – surgiria em 2015, numa parceria da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres com a Associação Letras Nómadas e cofinanciado pelo programas Cidadania Ativa da Gulbenkian, o Escolhas do Alto Comissariado para as Migrações e a Fundação Montepio.

Na altura, começaram com um grupo piloto de 15 jovens, que apoiaram na ida para o ensino superior, suportando as propinas de oito estudantes. Queriam mostrar que estudar era uma questão de empenho e esforço, mas também de suporte financeiro para não serem forçados a abandonar os cursos.

No ano passado, o programa mudou de nome e passou a ter mais apoio estatal. Já com o nome OPRE – Programa Operacional de Promoção de Educação – o Estado passou a assegurar 25 bolsas. E foi a procura que levou a que este ano abrissem mais cinco vagas, para responder a 30 candidaturas.

O anúncio do aumento das bolsas foi feito ontem pelo ministro-Adjunto, Eduardo Cabrita, numa cerimónia que teve lugar no ISCTE. Cabrita lembrou o seu percurso como “filho de operários”, parabenizou os estudantes pela sua determinação e apelou um maior número de candidaturas nos próximos anos, defendendo ser necessário motivar mais os homens e mulheres desta comunidade “a ter orgulho em aceder ao ensino superior”.

“Queríamos que os nossos meninos e meninas tivessem acesso ao Ensino Superior. Percebemos que tínhamos de construir a casa pelo teto, que eram precisos exemplos do mais alto nível de formação para que inspirassem os mais novos”, explica Olga Mariano.

Maria Teresa Vieira e Priscila Sá são duas das estudantes que levaram mais longe os desejos da mentora. “Entrar para a faculdade era algo que eu nem punha em questão porque não é normal na minha comunidade”, diz Maria Teresa, de 27 anos, do Montijo. “Aos 25 anos, a tia Olga convenceu-me a concorrer através do programa Maiores de 23. Os meus pais sempre me apoiaram e estou muito feliz por estudar Sociologia no ISCTE.”

Bruno Gonçalves resume o objetivo do programa: capacitar. “A sociedade é exigente e é preciso provar aos nossos jovens que é necessário atingir alguns patamares de formação para que sofram menos e possam combater a pobreza, que está tão enraizada na nossa comunidade”, sublinha, lamentando que o preconceito ainda leve alguns jovens a não aproveita resta oportunidade para não serem mais tarde discriminados na procura de emprego ou casa. Uma “clandestinidade étnica” a que muitos jovens ainda se sentem obrigados por causa do estigma.

22.2.16

Realizadora portuguesa vence em Berlim: “Foi uma loucura abismal”

in Expresso

A produção "Balada de um Batráquio", da realizadora Leonor Teles, venceu o Urso de Ouro na categoria melhor curta-metragem. Veja aqui o trailer do filme.

A produção “Balada de um Batráquio”, da realizadora Leonor Teles, venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim na categoria melhor curta-metragem.

O título aborda os comportamentos xenófobos a ciganos em Portugal, através da figura de sapos de cerâmica, normalmente utilizados por proprietários de cafés e restaurantes para evitarem a entrada de membros desta comunidade nos locais.

A realizadora Leonor Teles falou à Agência usa no final da cerimónia e explicou que o prémio foi “completamente inesperado”: “Nunca pensei, achei que era impossível. Somos pequeninos, fizemos um filme com pouco dinheiro, sempre acreditaram em mim e estar aqui e ter ganhado o urso de ouro é uma coisa inacreditável”.

Sobre o tema do filme, afirmou: “Se formos a ver, os ciganos estão à margem da sociedade e provavelmente lá vão continuar. Acho que falar um pouco sobre eles pode ajudar”.

Para Leonor Teles, o Urso de Ouro “representa o reconhecimento de um trabalho de dois anos, e de todas as pessoas que trabalharam no filme”.

Falando da “loucura abismal” que se seguiu à entrega do prémio, a realizadora lembrou, com boa disposição, que conheceu um dos atores famosos que estavam a assistir à cerimónia: “Não é todos os dias que se conhece o Clive Owen. Isso sim é um sucesso na vida”.

O filme estava em competição nas Berlinale Shorts ao lado de “Freud und Friends”, de Gabriel Abrantes, e de outros 22 trabalhos de todo o mundo.
BERLIN, GERMANY - FEBRUARY 20: Director Leonor Teles winner of the Golden Bear for Best Short Film for 'Balada de um Batráquio' speaks on stage during the closing ceremony of the 66th Berlinale International Film Festival on February 20, 2016 in Berlin, Germany. (Photo by Sean Gallup/Getty Images)

Leonor Teles foi ao palco agradecer o prémio

Este é o segundo trabalho de Leonor Teles como realizadora. A sua estreia aconteceu com o documentário curta-metragem “Rhoma Acans”, que partilha com “Balada de um Batráquio” o tema da inter-culturalidade. A história da sua família, com um pai cigano e uma mãe não cigana, serve de inspiração a Leonor para investigar o que teria sido da sua vida se o pai, inspirado pela sua própria mãe, não tivesse quebrado a tradição da comunidade cigana onde nasceu.

Nascida em 1992, Leonor Teles é natural de Vila Franca de Xira e estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) da Amadora.