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2.8.23

União Europeia "tem obrigação" de proteger minorias, diz von der Leyen

Por Lusa, in o Observador

"A Europa tem a obrigação de proteger as minorias do racismo e da discriminação", afirmou Ursula von der Leyen numa declaração sobre o dia para preservar a memória de ciganos vítimas do holocausto.

A presidente da Comissão Europeia defendeu esta terça-feira que a União Europeia “tem a obrigação de proteger” as minorias do racismo e discriminação, na véspera do dia para recordar o genocídio de ciganos no Holocausto.

“À medida que o número de sobreviventes e testemunhas destes horrores diminui, é a nossa obrigação, mais do que nunca, continuar a lembrá-las e a transmitir os testemunhos”, considerou Ursula von der Leyen, numa declaração sobre o dia para preservar “a memória das centenas de milhares de ciganos vítimas do Holocausto”, na quarta-feira, 2 de agosto.

Educar não é complicar

O Dia Europeu Memorial do Holocausto Romani foi estabelecido em 2015 pelo Parlamento Europeu para recordar o genocídio nos territórios ocupados pelos nazis de mais de 500.000 ciganos europeus, que representavam cerca de um quarto do total da população cigana naquela altura.

A presidente da Comissão acrescentou na sua mensagem que a “liberdade de que hoje as pessoas gozam” acarreta “responsabilidades e requer ação”: “A Europa tem a obrigação de proteger as minorias do racismo e da discriminação”.

A educação sobre o Holocausto — período compreendido entre 1933 e 1945 que diz respeito ao genocídio por parte dos nazis de milhões de pessoas, a maioria de origem judaica e romani — “continua a ser um pilar na construção da resiliência e no progresso para lutar contra o anticiganismo, o antissemitismo, o preconceito e o ódio”, referiu a presidente da Comissão.

A “história horrenda do Holocausto”, completou von der Leyen, obriga “à criação e implementação” de um programa de “proteção contra a discriminação” que seja eficaz e “em respeito pela dignidade humana”.

21.12.20

Ciganos, negros, islâmicos e Chega: a «mão invisível» do liberalismo social

Gabriel Mithá Ribeiro, opnião, o Observador

Em Portugal é raríssimo um movimento social minoritário nascer, sobreviver e prosseguir debaixo de uma tempestade crítica impiedosa como tem acontecido com o Chega. A chegofobia está para durar.

O que têm em comum ciganos, negros, islâmicos e Chega? São minorias. Uma étnica, outra racial, outra religiosa e a última política. Existem diversas minorias nas sociedades ocidentais, todavia as quatro referidas são relevantes não necessariamente por serem minorias, acima de tudo por serem minorias arrastadas para a órbita das disputas políticas.

É o poder político que gera barreiras entre as minorias, não são elas por si mesmas. De um lado, situa-se a minoria Chega, o movimento cívico e político antissistema e, do outro lado, as minorias cigana, negra e islâmica cuja discriminação positiva serve de escudo de legitimação do atual regime.

Importa clarificar os pressupostos da moral social subjacentes, uma vez que é esta que determina o sucesso ou o fracasso de indivíduos, grupos, comunidades ou sociedades. A moral social joga-se entre o primado da autorresponsabilidade (de matriz judaico-cristã e filosófica milenares) e o primado da vitimização (de matriz revolucionária francesa, de 1789, e sobretudo soviética, de 1917). Eles são incompatíveis entre si e geradores de modelos de sociedade substantivamente distintos.

O ideário do Chega é antissistema por reintroduzir a universalidade social do primado moral da autorresponsabilidade recusando-se distinguir maioria e minorias, perspetiva que não deixa de valorizar a solidariedade social, mas apenas de forma subsidiária. Esse posicionamento colide com a orientação moral do regime vigente que segue a lógica inversa ao atribuir primazia à solidariedade social e apenas subsidiariamente admitir a universalidade social da autorresponsabilidade, daí instigar sentimentos de culpabilização na maioria branca, heterossexual e de matriz cristã e sentimentos de vitimização nas minorias.

Independentemente dos detalhes de linguagem ou da espuma dos dias, a disputa cívica, social e política por um ideal de moral social é hoje tão legítima quanto fundamental no amadurecimento das democracias ocidentais. Daí que a omissão ou fuga a esse confronto são próprias dos inimigos da democracia, da sua vitalidade e capacidade de autorrenovação.

Se ciganos, negros, islâmicos e Chega são minorias, aquilo que essas minorias foram, são e serão depende da vontade dos próprios, mas acima de tudo do contexto social em que se inserem. No âmago deste está a crítica social livre.

A última é a transformação em senso comum das mais variadas formas de pensamento crítico geradas pela tradição civilizacional do Ocidente ao longo de mais de dois milénios (religiosas, filosóficas, políticas, sociais, humorísticas, institucionais). É justamente a crítica social livre que determina a capacidade das sociedades do mundo ocidental em gerarem fenómenos de coesão, integração, promoção, pacificação e renovação social.

Nas décadas recentes, essa tradição entrou num ciclo de regressão. A crítica social manteve-se livre quando tem como alvos uns (os pertencentes à maioria identitária) e passou a interditada quando os alvos são outros (os pertencentes às minorias identitárias). Tal perversão da crítica social coloca a minoria Chega num extremo e, no extremo oposto, as minorias cigana, negra e islâmica.

Crítica social impiedosa ao Chega: a sociedade cumpre o seu dever

Em Portugal, é raríssimo um movimento social minoritário nascer, sobreviver e prosseguir debaixo de uma tempestade crítica impiedosa, inevitavelmente carregada de estereótipos negativos, como tem acontecido com o Chega desde 2019, o ano da sua fundação. A chegofobia está para durar.

Independentemente do que o Chega possa ser enquanto força social e política minoritária, e independentemente da justiça ou da injustiça das críticas de que é alvo, se todos os dias os indivíduos que se filiam a essa identidade se sentirem rotulados como racistas, xenófobos, nazis, extrema-direita, antidemocráticos, populistas, sem orientação filosófica ou ideológica, o seu programa político é uma aldrabice, entre outras acusações sentidas pelos próprios como grosseiramente ofensivas e humilhantes, o sociólogo Albert Hirschman explicou, em 1970, o que acontece.

Ou os indivíduos abandonam a identidade Chega de tão socialmente desconsiderada e incorrigível que é (o sociólogo designa a atitude por exit), o que tem sido a exceção. Ou, pelo contrário, melhoram-na continuadamente criticando-se e corrigindo-se a si mesmos ainda que não se reconheçam nas críticas, mas o ser humano pode sempre melhorar, e desse modo reforçam a coesão interna da instituição e, como consequência, a sua capacidade de afirmação social e cívica (voice e loyalty), a regra a cada dia que passa.

Não vale a pena fugir ao destino. A crítica social tem um valor civilizacional insubstituível em sistemas livres e esse é o maior trunfo da minoria Chega. É a crítica social absolutamente livre que está a instigar a transformação do Chega de minoria periférica em minoria significativa, tudo indica capaz de impor um novo consenso moral à sociedade portuguesa. A persistência do fenómeno poderá proporcionar ao Chega a possibilidade de se transformar em força política maioritária.

A mesma sociedade que garante tão grande vantagem à minoria Chega procede de modo inverso com as minorias cigana, negra e islâmica com resultados também inversos. À primeira minoria proporciona-se o confronto com o princípio da realidade e o resultado é a sua afirmação social crescente, às demais minorias anda a oferecer-lhes há décadas a discriminação positiva através da interdição da crítica social que as atinja, presente envenenado cujo resultado tem sido e continuará a ser a perpetuação da marginalização social das últimas.

A mão invisível da sociedade livre, justa e próspera

Em sociedades livres e justas, aquelas em que o poder tutelar do Estado respeita a autonomia da Sociedade e esta é capaz de se regular por si mesma, a legitimidade da crítica aos outros sustenta-se nas práticas quotidianas de quem critica, uma vez que a crítica tem retorno. O indivíduo critica quem é mal-educado quando ele mesmo é educado. Critica quem não se responsabiliza pela respetiva família e descendência porque ele mesmo não abandona os seus. Critica quem não estuda porque ele mesmo estuda. Critica quem não trabalha porque ele mesmo trabalha. Critica quem não paga impostos porque ele mesmo cumpre a obrigação. Critica quem rouba e quem é corrupto porque ele mesmo não se envolve em tais práticas. Critica quem é violento porque ele mesmo é pacífico. Por aí adiante.

Aliado à universalidade social do primado moral da autorresponsabilidade, o fenómeno descrito constitui a mão invisível que permite que as sociedades se autorregulem sem tutelas autoritárias (do Estado ou das instituições religiosas, tradicionais, ideológicas, políticas, familiares, entre outras) e, ao mesmo tempo, anulem as tentações discriminatórias, corrosivas ou destrutivas da crítica social. Isso porque a última não se limita a um único sentido, não é propriedade das minorias, nem da maioria, nem dos jovens, nem dos idosos, nem das demais identidades sociais. Trata-se do mercado livre da crítica social que se define, por natureza, por ser aberto a todos, a garantia da liberdade gerar justiça social e prosperidade económica equitativamente distribuída.

Quanto mais a crítica livre é socialmente transversal, sobretudo quanto mais se manifesta no interior de todos os grupos e comunidades, em particular nos segmentos socioeconomicamente desfavorecidos, quanto mais o pobre critica o pobre, tanto mais generalizadas serão as possibilidades de integração e promoção social dos mais desfavorecidos e das classes médias. Nas décadas recentes, o Ocidente afastou-se dessa tradição civilizacional e o custo tem sido o avolumar de tensões e conflitos no interior das suas sociedades, assim como tornaram-se mais salientes as dificuldades de regulação da vida das instituições (das famílias ao Estado). A fragilização da coesão social é contrária à estabilidade política, assim como à produção, circulação e repartição da riqueza.

Ciganos, negros e islâmicos: a sociedade que despreza quem mais necessita

A pretexto de terem sido vítimas da história ou de serem vítimas da sociedade, a compaixão perversa do Ocidente, quando esse sentimento se desfilia do primado moral da autorresponsabilidade, blindou ciganos, negros e islâmicos à crítica social. Não criticar essas minorias é o mesmo que condená-las à inferioridade moral e existencial. Os resultados das décadas recentes não enganam: marginalização social que se perpetua; autoguetização suburbana crescentemente problemática; níveis de frustração, delinquência ou pobreza cada vez mais difíceis de reverter; tensões entre minorias e maioria permanentemente latentes.

Se a comunidade branca ocidental é criticada pelas minorias ou se a comunidade branca ocidental passa a vida a criticar-se entre si – por que razões as minorias cigana, negra, islâmica, mestiça, imigrante, entre outras, não podem ser criticadas pela maioria branca e, mais do que isso, por que razões os que pertencem a cada minoria não se podem criticar entre si? Por que razões as minorias não se podem criticar umas às outras? Por que razões um cigano ou um negro não pode criticar outro cigano ou outro negro, ou criticarem-se entre eles? Por que razões um islâmico não pode criticar a sua própria comunidade islâmica ou o mundo árabe? Por que razões o conjunto das minorias só é instigado a criticar a maioria branca quando o que é disfuncional reside sempre no interior de cada identidade coletiva, no seu quotidiano?

Certos indivíduos pertencentes às minorias podem fazer da vida das suas próprias famílias num inferno; podem desrespeitar os seus pais ou professores; podem não cumprir os deveres de estudar ou trabalhar; podem todos os dias ameaçar a segurança dos seus vizinhos no bairro onde vivem; podem impedir que a polícia restabeleça a ordem nos seus bairros e comunidades; podem não manifestar as mais elementares preocupações cívicas – ainda assim a pressão das sociedades ocidentais inibe que sejam criticados, mesmo que as maiores vítimas sejam persistentemente as suas famílias, os seus grupos de pertença, as suas próprias comunidades.

É tempo de construirmos uma sociedade livre, justa, próspera e capaz de distribuir a riqueza. Há um liberalismo que faz falta, o liberalismo social.


4.6.20

Cem mil euros para socorrer minorias. “Não tinha nem batatas!”

Ana Cristina Pereira (Texto) e Paulo Pimenta (Fotos), in Público on-line

Fundação Calouste Gulbenkian e Alto Comissariado para as Migrações criaram fundo e repartiram-no por 42 associações que devem fazer chegar a imigrantes, refugiados e portugueses de etnia cigana bens essenciais como alimentos, medicamentos ou máscaras.

Impossibilitado de andar por aí, a vender de porta em porta, Gabriel Soares viu-se tão aflito para pôr comida na mesa que pediu à filha que escrevesse uma SMS ao presidente da Câmara de Ovar, Salvador Malheiro. Estava fechado dentro de casa, com a mulher e os três filhos menores e uma insuficiência respiratória, assustadíssimo com a possibilidade de contrair o novo coronavírus. “Não tinha nem batatas!”

A ajuda foi chegando. A autarquia deu-lhe um apoio de emergência, como a outras perto de duas mil famílias carenciadas. A Protecção Civil distribuiu máscaras descartáveis. Vieram as prestações sociais. E esta terça-feira, um apoio pontual: uma máscara e um vale de 20 euros em compras entregue pelo vice-presidente da Associação Letras Nómadas, Bruno Gonçalves.

Como estão a enfrentar a epidemia comunidades ciganas em acampamentos sem água corrente?

A Fundação Calouste Gulbenkian criou um fundo de 5,75 milhões de euros, a distribuir pelas áreas da saúde, da ciência, da educação, da cultura e da sociedade civil. Esta última engloba um reforço da capacidade de resposta dos bancos alimentares e uma ajuda às instituições de solidariedade que trabalham com idosos (em parceria com o Instituto de Segurança Social) e às associações que trabalham com ciganos, imigrantes e refugiados - em parceria com o Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Esta resulta de um pedido do ACM, que fez um levantamento de carências junto das associações. Uma verba de cem mil euros (75 da Gulbenkian e 25 do ACM) está a ser repartida por 42 entidades de Norte a Sul do país, que esta semana começaram a fazer chegar alguns bens essenciais a mais de 17 mil pessoas.

“Isto é para situações de emergência”, resume Pedro Calado, antigo alto comissário, agora no conselho de administração Gulbenkian. “Não temos atravessado muitas situações semelhantes a esta. Talvez a situação dos fogos tenha sido a mais próxima.”

“Acho muito nobre da parte destas entidades”, comenta Bruno Gonçalves. Mal o país se fechou, a Letras Nómadas e outras organizações ciganas trataram de angariar fundos para socorrer famílias, de repente, privadas dos ganhos da venda ambulante e outros trabalhos precários. Bateram nas portas de várias. “Os contactos foram sempre pautados por desconfiança e preconceito. Há entidades que têm o monopólio do combate à fome, mas não chegam a todos os grupos.”

Aquela associação comprometeu-se a fazer chegar uma pequena ajuda a famílias ciganas de Viseu, Ovar, Figueira da Foz, Leiria e Moura. E começou a fazê-lo esta terça-feira, apoiada por facilitadores locais, como o pastor Jaime, da Igreja Evangélica Cristo Para Todos.

Uma máscara de pano e um vale de compras
No Bairro da Marinha, o pastor ia dizendo os nomes que escrevera a caneta azul num caderno de linhas. E essa pessoa ia receber uma máscara de pano, um vale de compras no valor de 20 euros ou um saco de plástico recheado de alimentos não perecíveis e um frango. Outras máscaras hão-de chegar.

Tudo começou em 1984, com um casal e os seus filhos. A autarquia pediu-lhes que saíssem das barracas que tinham levantado em São João de Ovar, para que lá se fizesse um centro paroquial. E construiu uma habitação para o casal e outra para cada um dos oito filhos, térrea, quase sem divisões por dentro. Os filhos tiveram filhos. E para cada nova família que se foi formando se foi construindo uma barraca. Até haver 31 – degradadas, sobrelotadas, com cobertura de amianto.

Tudo parece mais ameaçador numa pandemia. Ninguém expressa tanto receio como Gabriel Soares. “Tive gripe A. Faço oxigénio há 11 anos. Durmo ligado a uma máquina. Não tenho defesas. Os meus filhos não saíam de casa! Nem a casa do meu pai iam, nem a casa de meus irmãos, nada! Fecho-os todos aqui. Banho todos os dias. Não queria aqui ninguém. Se eu apanhasse o vírus, para mim era uma bomba. Só agora é que estamos a sair. A minha mãe teve um problema e abri. Mesmo assim tenho medo. Tenho muito medo. Morreu muita gente.”

Ovar chegou a ter um cerco sanitário. Contou 716 pessoas infectadas. Morreram 40. E moram ali duas das pessoas que desenvolveram a doença e se livraram dela. Uma cumpriu a ordem de isolamento em casa, mas outra teve de ir para a pousada de juventude, já que se ali se mantivesse teria de partilhar casa de banho.

Salvador Malheiro saúda o seu “comportamento exemplar”. E lembra que a câmara está a terminar um projecto de requalificação para ali. Algumas famílias deverão ser transferidas para um prédio de 50 fogos que comprou inacabado e tem de acabar. “Não é só para as nossas famílias de etnia cigana, mas algumas terão essa possibilidade. Vamos dar primazia às que apresentam maiores carências.” Até lá, é aguentar.

Não será fácil, como diz Armando Soares. “Nós aqui, é vender. No meu caso, toalhas de mesas, cortinados. Esse poucochinho dava. Com esta pandemia, foi gastar o ganho que tínhamos. Acabou. Foi tudo. ‘Ó pai dá-me isto.’ ‘Ó pai, dá-me aquilo.’ São filhos. O que é que eu ia dizer?” Não é de prever que tudo melhore de repente, com a abertura dos mercados e das feiras. A clientela, se já era pobre antes da pandemia, mais pobre estará.

A inquietação também ressoa noutro núcleo, ali perto, em Válega. E não se esgota no negócio morto. “O meu filho de 15 anda no 8.º ano e o de 9 anos no 4º. Andam a fazer umas fichas em casa, mas é uma coisa básica”, começa por dizer Nélson Montoia. Assistem à telescola, mas falham as aulas síncronas. “Eles querem, mas não têm computador.” O mesmo acontece com os filhos do primo: uma rapariga de 11 anos, no 5.º ano, e um rapaz de 16, no 9.º. “Na escola é outra coisa. Eles têm aquela atenção dos professores. Aqui… A gente quer ajudar um filho... A gente tenta, a gente tenta ensinar pelos livros, mas é complicado. Há lá matérias que não sei. Umas nunca aprendi e outras já esqueci.” Não foi além do 6.º ano.

Bruno Gonçalves confiava ouvir lamentos semelhantes à medida que fosse descendo para Sul. Seleccionaram 370 famílias, decididos a entregar vales de 30 euros a cada uma. Os pedidos são tantos que, para chegar a mais gente, diminuíram o valor para 20 ou 25 euros.

A comunicação de aumento de pedidos é feita por outras organizações que apoiam estes grupos – mais vulneráveis a qualquer crise económica, mais afectados pela pobreza. Na Associação de Promotores de Saúde Ambiente e Desenvolvimento Sócio Cultural, que trabalha entre Lisboa e Loures, por exemplo, os pedidos dispararam. “Temos um acordo com o Banco Alimentar para 59 famílias. Terça-feira, fui actualizar a lista. Temos 138”, diz o presidente, Cristiano Pinto. Há quem não consiga comprar medicamentos. Alguns vieram de São Tomé e Príncipe ou da Guiné-Bissau de propósito para se tratarem. “Com este apoio que recebemos, vamos poder dar um apoio directo em medicamentos.”

A Associação Lusofonia Cultura e Cidadania, que já prestava apoio alimentar a imigrantes de diversas partes do mundo e a portugueses de etnia cigana na área de Lisboa, também sentiu uma espécie de explosão. “Num fim-de-semana de Abril, recebemos 198 pedidos”, salienta a coordenadora, Nilzete Pacheco. São pessoas que perderam o trabalho, estão ao layoff ou que viram diminuir o número de horas de trabalho. Na véspera, ligara-lhe uma pessoa numa grande aflição. “Não tinha pasta de dentes. Não tinha detergente de louça. Não tinha detergente de roupa. Ela dizia: ‘Não sei o que faço. Não tenho dinheiro nem para comparar sabão azul e branco.’” Com a verba agora recebida, podia ajudar.

27.1.20

Comunidade cigana continua a ser discriminada em Portugal

Roberto Bessa Moreira, in JN

O Comité para a Proteção das Minorias do Conselho da Europa reconhece avanços, mas pede reforço de políticas antidiscriminação. Técnicos europeus passaram pelo Porto, pela Figueira da Foz, Torres Vedras, Moura e Lisboa.

A comunidade cigana continua a ser discriminada e a viver à margem da sociedade em Portugal. Também há muitos elementos desta etnia a viver em condições habitacionais muito precárias e a maioria (sobretudo as raparigas) apresenta níveis educacionais mais baixos do que o restante da população, o que contribui para que haja entre os ciganos um alto nível de desemprego.

As conclusões são do Comité para a Proteção das Minorias do Conselho da Europa (CPMCE), cujos técnicos emitiram, nesta segunda-feira, um parecer sobre a realidade nacional, após terem passado por Portugal entre 28 e 31 de maio do ano passado. Os especialistas europeus visitaram as comunidades ciganas radicadas no Porto, Figueira da Foz, Torres Vedras, Moura e Lisboa e, no final, reconheceram que Portugal adotou medidas para melhorar as condições de vida e para combater a discriminação da população cigana, nomeadamente a criação, em 2017, de uma lei antidiscriminatória, as alterações ao Código Penal e o fortalecimento do papel da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Salientam ainda que vários municípios portugueses têm sido "ativos na implementação de planos de ação locais para a inclusão de ciganos", que incluem o recurso a "mediadores ciganos".

Contudo, o CPMCE alega que as autoridades nacionais devem trabalhar para que as medidas implementadas "tenham um impacto efetivo e de longo prazo em todo o país" e aponta várias deficiências nesta área. "A ausência de dados quantitativos e qualitativos" relativamente a esta temática, a "ausência de um orçamento" relevante para as instituições especializadas na questão da igualdade e, ainda, "um campo disperso de órgãos para a apresentação de denúncias sobre discriminação" são os principais problemas.

Para colmatar estas lacunas o Conselho da Europa propõe que Portugal intensifique "os esforços para aumentar a consciencialização" da comunidade cigana para a existência de leis e órgãos que combatem e punem a discriminação, o ódio e o racismo e às quais as vítimas podem recorrer. Defende, igualmente, o fortalecimento dos órgãos, entre as quais o Provedor de Justiça, responsáveis pela resposta às queixas de discriminação. Ou seja, estas entidades devem possuir capacidade para investigar e punir crimes raciais, assim como para dar uma resposta célere às queixas apresentadas.

Para o CPMCE, Portugal também deve implementar "planos nacionais e locais" para atribuir condições habitacionais "acessíveis e adequadas a comunidades vulneráveis ​​de etnia cigana". O realojamento de "famílias e indivíduos ciganos que ainda vivem em condições precárias" deve ser uma prioridade destes planos. Os técnicos europeus alegam, por fim, que programas com mediadores interculturais devem abranger mais municípios e que o Estado deve assegurar a certificação de mediadores que possam aplicar estes projetos nas zonas mais críticas.

24.7.17

Não deixes para amanhã o que podes discutir hoje

Helena Matos, in O Observador

Há 45 anos, ciganos e cabo-verdeanos colocaram a Amadora em pé de guerra. Na época culpou-se a censura pela ausência de notícias. E agora culpa-se quem?

15 de Agosto de 1972. Quim Furtado, de seu nome oficial Joaquim Lopes Furtado, e de alcunha Anania, natural de Santa Catarina, Cabo Verde, deu entrada no Hospital de São José em risco de vida.

Joaquim Lopes Furtado, de 30 anos (os jornais às vezes não estão de acordo nesta matéria), é um dos 15 mil nascidos em Cabo Verde que tinham vindo em busca de trabalho naquilo que então chamavam Portugal Europeu ou Metrópole.

Boa parte dos cabo-verdianos que então se encontram em Lisboa são homens e trabalham na construção civil seis dias por semana. Vivem nos bairros antigos da cidade, em pensões-camarata, onde uma cama por noite custava 5$ a 10$ ou, como era o caso de Quim Furtado, servente de pedreiro, nas barracas próximas dos locais onde constroem prédios de apartamentos, como a Reboleira, Paço de Arcos e Benfica. E foi precisamente aí, nas Fontainhas, Venda Nova, que em Agosto de 1972 o corpo de Quim Furtado ficou caído, vítima de graves agressões.

Feitas por quem? A resposta vai demorar a chegar e vai confrontar Portugal com mudanças que tinha subestimado.

Joaquim Lopes Furtado foi agredido a 15 de Agosto, a 20 morreu. A 21 começam as notícias sobre o cabo-verdiano morto à paulada, nas Fontainhas, Venda Nova, Amadora.

Curiosamente durante esses dias tinham sido publicadas notícias um pouco estranhas sobre factos registadas na zona onde vivia Quim Furtado: agressões praticadas por grupos armados com ferros e tábuas cheia de pregos.

O que estava a acontecer na Venda Nova, Amadora, onde as agressões violentas na rua pareciam estar a acontecer a um ritmo anormal?

Como em todos os crimes procurou-se reconstituir o dia do crime e aqueles que o antecederam. Aquilo que em primeiro lugar se destaca é o dia a dia dos cabo-verdianos então a trabalhar em Lisboa: de segunda a sábado, trabalhavam. Ao domingo e aos feriados dormiam até mais tarde, lavavam a roupa e iam ao baile ou tratar de algum assunto.

O assunto que levou Quim Furtado mais uns patrícios ao Largo das Fontainhas nesse 15 de Agosto de 1972 foi um canivete que Quim Furtado pretendia comprar para, segundo explicam aqueles que o acompanhavam, cortar «erva de tabaco». Mas Quim Furtado não chega a comprar canivete algum porque é gravemente ferido no meio da enorme desordem que se instala na tarde de 15 de Agosto na Amadora. Desordem essa em que de um lado estão homens cabo-verdianos e do outro famílias ciganas,

Como é que tudo começou?

Na verdade começara dois dias antes, no domingo 13. Nesse domingo, alguns cabo-verdianos, como Quim Furtado, tinham estado em Massamá. E em Massamá acabaram esses cabo-verdianos a discutir com uns homens por causa do jogo da vermelhinha.

Os cabo-verdianos trabalhavam muito e não gastavam quase nada pois transferiam tudo o que podiam para as suas famílias em Cabo Verde. Logo tinham sempre dinheiro no bolso o que os tornava alvos tentadores para quem pelas ruas se dedicava a vender objectos ou montava mesa de jogo. Como era o caso de um grupo de ciganos então conhecido nas Fontainhas como folgadores.

No dia 13 entre o joga não joga, paga, recebe, isto é um engano… não se passou das palavras aos actos. Mas a 15 alguns dos protagonistas da contenda de Massamá reencontram-se na Amadora.

Quim Furtado, cabo-verdeano conhecido como Anania, acaba gravemente ferido e é levado para o hospital de São José. Do outro lado dois homens desaparecem. Chamavam-lhes o Manuel Cigano e o Vítor Alcafeu. Eram ciganos.

Em Agosto de 1972, Quim Furtado, a vítima, Manuel Cigano e Vítor Alcafeu, autores do homicídio, obrigam a que não se pudesse escamotear um problema até então ignorado: a difícil e por vezes violenta relação que em Portugal se criara entre cabo-verdianos e ciganos. Mas o drama protagonizado por estes homens dá também conta da dificuldade e até da incapacidade das autoridades policiais para impor a ordem: hábeis a reprimir manifestações de estudantes que apenas empunhavam palavras de ordem, as polícias mostravam-se impotentes perante esta conflitualidade que não só se mantém como se agrava nos anos seguintes.

Quanto aos jornalistas, habituados a tudo explicar pela dinâmica da luta de classes, era-lhes difícil aplicar o esquema dos opressores e dos oprimidos ao que sucedera na Amadora em Agosto de 1972 e mais ainda ao que em 1975 aconteceria em Algés e no Areeiro, quando cabo-verdeanos e ciganos protagonizaram gravíssimos incidentes.

Em 2017, 45 anos depois dos incidentes da Amadora, o que mudou além das condições de vida dos descendentes dos protagonistas destes factos?

A tensão entre ciganos e outros grupos tem continuado a manifestar-se. A alimentar as contendas estão agora não já as questões da vermelhinha mas sim o facto de os ciganos terem passado a ser vistos como subsiodependentes. Não adianta que no mundo das redacções e dos observatórios se excomungue quem subscreve tal opinião pois basta sair dos bairros “betinhos”, andar de transportes públicos (de preferência por aqueles que passam por bairros sociais), colocar os filhos nas escolas públicas da Damaia, ou ir a uma urgência a um hospital público para constatar que esta percepção existe. Ignorá-la apenas a agrava.

(Na verdade a dependência económica dos ciganos dos apoios estatais é apenas um dos lados da intervenção estatal no seu modo de vida pois a crescente regulamentação das actividades económicas não só contribuiu para a sua sedentarização como limitou muito aquelas que eram as suas actividades tradicionais.)

Outra mudança aconteceu, essa no mundo das universidades, dos observatórios e das militâncias: desanimados com os operários, milhares de activistas trocaram o sonho do fim do capitalismo pela bem mais viável criminalização das opiniões. Para o efeito foram seleccionados alguns pecados socialmente mortais dos quais o racismo e a discriminação fazem parte. Copiosas verbas são afectadas hoje ao estudo (e acrescento eu à ficção) de discriminações e de discriminadores. E cada vez teremos de ter mais discriminadores e mais discriminações pois só assim se justificam mais verbas e mais meios.

Naturalmente os ciganos são objecto da atenção e geralmente da simplificação dessa espécie de novos cruzados: vistos invariavelmente como alvo de racismo por parte dos não-ciganos brancos, os ciganos acabam transformados numa espécie de figuras folclóricas. O racismo entre ciganos (por exemplo, dos ciganos portugueses para com os romenos) e entre ciganos e negros não é referido. Um silêncio profundo cai também sobre o papel dos ciganos (vários deles portugueses) na manutenção de trabalhadores em regime de escravatura seja em algumas zonas agrícolas ou nas empresas de segurança – em Espanha chegou a afixar-se o cartaz “Vigilantes gitanos” como forma de intimação.

O que tem tudo isto a ver com as declarações de André Ventura? O suficiente para que possa dizer duas coisas. A primeira delas prende-se com as críticas à forma como o candidato do PSD à Câmara de Loures colocou a questão dos ciganos. É unânime que não foi a forma mais adequada, que foi redutora, mas convém perguntar: em que areópagos, fóruns, seminários, colunas de opinião, debates… se colocou devidamente a questão da percepção, justa ou injusta, da comunidade cigana (seja essa comunidade o que for pois tanto quanto sei em Portugal esse tipo de identificação étnica não é feito nos nossos documentos)? Pois é: não se tem querido falar do assunto, táctica que é o melhor caminho para que se acabe a falar mal dele. Foi esse silêncio que deixou o caminho livre para as palavras de André Ventura.

Quanto à questão da generalização ela está obviamente presente nas palavras de André Ventura, mas não está nem mais nem menos presente do que na forma generalizadora como se constituem turmas de alunos ciganos, se criam actividades extra-curriculares para ciganos ou se atribui habitação social a ciganos.

Digamos que generalizações há muitas. Simplesmente algumas não são apenas omitidas, toleradas, como até incentivadas, e outras diabolizadas.

PS. A propósito do filme “Dunkirk” que trata da evacuação de 340 mil militares britânicos e franceses de Dunquerque em 1940, logo houve quem apontasse a ausência de mulheres e de actores não brancos entre os protagonistas. É óbvio que será necessária muita imaginação para conseguir colocar mulheres ou negros na evacuação de Dunquerque, mas exercícios igualmente imaginativos são levados a cabo todos os dias para fazer de conta que no século XVI tínhamos notáveis escritoras ou que a escravatura foi introduzida em África pelos brancos nomeadamente pelos portugueses.

25.2.16

Portugal ainda discrimina ciganos e pessoas de origem africana

in Visão

Os ciganos do bairro das quintinhas foram proibidos pela Câmara Municipal de Monsaraz de frequentar as piscinas de Estremoz depois de um grupo de individuos desta etnia ter, alegadamente, violado as normas

Tiago Miranda
As pessoas de etnia cigana e as de ascendência africana continuam a ser discriminadas em Portugal, denuncia a Amnistia Internacional (AI), que refere que voltaram a existir episódios de uso excessivo de força por parte das forças policiais.

No retrato que a AI faz de Portugal, no Relatório Anual 2015/2016, a organização salienta que voltaram a existir episódios de discriminação contra as pessoas das comunidades ciganas.

"Em julho, o presidente da Câmara de Estremoz proibiu as pessoas da comunidade cigana, que viviam no bairro das Quintinhas, de usar as piscinas municipais devido a relatos por parte de alguns moradores sobre atos de vandalismo", exemplifica a AI, acrescentando que continua pendente uma decisão sobre a contestação apresentada pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial.

Em relação às pessoas de ascendência africana, a AI refere que durante o ano passado continuaram as denúncias de agressões de cariz racial e de uso desnecessário de força pela polícia.

"Em fevereiro, cinco jovens de ascendência africana denunciaram ter sido agredidos e sujeitos a comentários racistas por polícias da esquadra de Alfragide, depois de terem reclamado relativamente ao uso excessivo da força durante uma detenção efetuada naquele dia no Bairro do Alto da Cova da Moura", lê-se no relatório.

De acordo com a AI, os jovens tiveram de receber tratamento médico por causa das agressões, tendo sido depois acusados de resistência e coação em relação a um polícia. Entretanto, e até ao final de 2015, decorriam as investigações relativamente às denúncias de maus-tratos.

O organismo diz que durante o ano passado "ocorreram denúncias de uso desnecessário ou excessivo da força pela polícia e as condições prisionais continuaram a ser inadequadas" e lembra o caso do "polícia filmado a espancar um homem à frente dos dois filhos e do seu pai nas imediações do estádio de futebol de Guimarães".

Outro dos aspetos focados pela AI diz respeito aos tribunais e ao sistema de Justiça, referindo que, em janeiro, após uma visita a Portugal, a relatora especial das Nações Unidas sobre a independência dos juízes e advogados manifestou-se preocupada com o aumento dos encargos legais e das custas dos tribunais.

De acordo com a AI, a relatora da ONU apontou que esse aumento está "a impedir o acesso à justiça de um número superior de pessoas em situação de pobreza devido à crise económica".

Lembra, por outro lado, que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade de algumas medidas governamentais que atentavam contra direitos económicos e sociais.

A crise dos refugiados é igualmente referida na análise feita a Portugal, com a Amnistia Internacional a apontar que o país acolheu apenas 39 dos 44 refugiados previamente selecionados para reinstalação em 2014 e que até ao final do ano passado não tinha chegado nenhum dos selecionados para reinstalação em 2015.

"Portugal comprometeu-se a receber 4.574 requerentes de asilo que, nos próximos dois anos, serão transferidos da Grécia e de Itália ao abrigo do programa de recolocação da UE [União Europeia]. Contudo, até ao fim do ano, só tinham sido recolocadas 24 pessoas", aponta a AI.

A violência contra mulheres e raparigas merece igualmente uma referência neste relatório e, com base em dados da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), até ao dia 20 de novembro, 20 mulheres tinham sido mortas e outras 33 foram vítimas de tentativa de homicídio.

Por outro lado, e tendo por base um estudo da Universidade de Lisboa, refere que 1.830 meninas residentes em Portugal já tinham sido ou corriam o risco de ser submetidas a mutilação genital feminina (MGF), elogiando que, em setembro, o país tenha passado a incluir a MGF como crime específico no Código Penal.

Pela positiva, a AI fala da aprovação, em dezembro, de legislação que permite a adoção de crianças por casais do mesmo sexo.

com Lusa

29.10.15

Birmânia: “Provas sólidas” de genocídio contra minoria rohingya

in o Observador

A perseguição sistemática da minoria muçulmana rohingya na Birmânia oferece "provas sólidas" para a qualificar como um ato de genocídio, conclui um estudo jurídico apresentado hoje em Banguecoque.

A perseguição sistemática da minoria muçulmana rohingya na Birmânia oferece “provas sólidas” para a qualificar como um ato de genocídio, conclui um estudo jurídico apresentado hoje em Banguecoque, em que se pede à ONU que estabeleça uma comissão de inquérito.

O documento, elaborado pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale, nos EUA, refere que as autoridades birmanesas cometeram violações contra os rohingya com a intenção de eliminar “parte ou totalmente” esta minoria.

A Birmânia não reconhece a cidadania dos rohingya — considerados pelas Nações Unidas como a minoria étnica mais perseguida em todo o mundo — que viram a sua condição agravar-se em 2012 na sequência de surtos de violência sectária com a maioria budista do estado de Rakhine, no oeste do país, que resultaram em dezenas de mortos.

Desde então, as autoridades limitaram a sua liberdade de movimentos, forçando milhares a viver confinados nas suas aldeias ou amontados em campos de refugiados, e aprovaram leis que restringem o número de filhos e os casamentos inter-religiosos.

“Vivem em condições que parecem pensadas para causar a sua destruição”, indica o estudo, baseado em três anos de investigação da organização Fortyfy Rights, em entrevistas a testemunhas e em documentos internos do governo birmanês e da ONU.

“Os atos cometidos contra os rohingya, individuais ou coletivos, reúnem os critérios enumerados pela convenção contra o genocídio”, refere o estudo, o primeiro que aplica esta convenção da ONU ao caso dos muçulmanos rohingya.

Entre outros, a investigação denuncia atos do exército, polícias e forças de segurança que provocaram a morte ou danos físicos e mentais aos rohingya, deterioração das suas condições de vida para causar destruição física e impuseram medidas para prevenir a sua reprodução.

O estudo conclui que diante da discriminação de que são alvo os rohingya, o governo birmanês e outros atores em Rakhine, à margem das suas motivações, agiram com “intenção” de cometer genocídio.

Os autores do relatório e a Fortyfy Rights instam, por isso, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU a estabelecer uma comissão de investigação relativamente aos crimes cometidos contra os rohingya, incluindo o de genocídio, ao abrigo da lei internacional.
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4.8.15

Minorias. Mudança política não chega para as associações

José Paiva Capucho, in iOnline


ILGA Portugal ou SOS Racismo apoiam estas candidaturas, embora tardias. Mas a chegada ao parlamento não significa o fim do preconceito.

Se há quem ambicione entrar nos calorosos debates que têm marcado a história da Assembleia da República, outros preferem olhar de fora para a realidade política do país e apontar o caminho que ainda falta percorrer.



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José Falcão, um dos fundadores da associação SOS Racismo, vai directo ao assunto: “O Hélder Amaral é negro onde? Nunca votou uma lei que defendesse os emigrantes. E a Nilza de Sena [conselheira para a Comissão de Igualdade e Contra a Discriminação Racial], nunca a vi em nenhuma reunião, e eu fui a todas”, remata.

Ao contrário, olha para nomes de origem cabo-verdiana, como o de Celeste de Correia, ex-secretária da mesa da AR durante o executivo de José Sócrates, ou Helena Lopes Silva, que integrou as listas do Partido Socialista Revolucionário nas eleições europeias em 1994. “Como vê, há exemplos de pessoas que têm estado nas listas dos partidos, mas estamos muito longe de uma política de integração destas comunidades.”

A ausência de pessoas de origem africana destas listas, segundo José Falcão, tem quatro motivos: “O afastamento das minorias para as periferias das cidades, o excesso de violência policial contra os negros, os estigmas sociais por parte dos media e os custos elevados no processo de legalização.”

E para juntar a estes quatro problemas existe outro, relacionado com o direito ao voto dos emigrantes: “Não há direito de voto nem de serem eleitos para os emigrantes mas, por outro lado, podem ser expulsos rapidamente. Que hipocrisia!”, desabafa. Apesar das críticas, e de olhar para a nossa democracia como “mentirosa” e vivendo ainda “numa era neocolonial”, o membro da SOS Racismo mostra satisfação ao ver algumas caras novas.

“Que não fossem só simbólicas, e que se pudesse integrar as minorias dentro dos partidos, para que lutassem por eles.” E quotas? ”Não sei se seria por aí, mas poderia ajudar”, finaliza.

Para ganhar é preciso jogar

José Leitão, antigo alto comissário para a Imigração e para as Minorias Étnicas entre 1996 e 2002 (no governo de Guterres), recorda como foi trabalhar com as minorias no século passado e o que ficou por fazer.

“Na minha altura trabalhei especialmente com as comunidades ciganas, e isso não esteve especificamente relacionado com a sua participação política em listas eleitorais.” No entanto, segundo o socialista, foi “regulamentada a participação da comunidade cigana nas eleições locais com base na reciprocidade”.

E o que é a reciprocidade? “Segundo a Constituição, os cidadãos estrangeiros podem votar nas eleições locais, desde que o seu país permita essa participação”, explica – algo que, segundo José Leitão, “deveria ser extensível a todos os cidadãos legais” e tem acontecido em algumas ocasiões.

“Tivemos pelo PS Fernando Ka, este ano temos o Miguel Fortes na lista de Setúbal, ou o vereador Carlos Ramos, de origem guineense. As pessoas têm outros méritos para além da sua condição.” Mesmo com estes exemplos, “que foram a jogo”, o socialista considera que não tem havido na primeira linha de participação, onde é mais fácil esse salto – leia-se a local – “impulso suficiente”. E aponta duas razões para esta ausência: “Inércia das organizações, que são conservadoras, e falta de participação.”

José Leitão fica muito satisfeito que pessoas como a jurista Ana Sofia Antunes queiram chegar ao parlamento. “É o reconhecimento do mérito, porque não ficou em casa e participou activamente até ser escolhida pelo PS.” Mas pergunta José Leitão: “Porquê só agora?”

Para o ex-dirigente socialista, esta candidatura poderá “ter um efeito importante porque é tornado perceptível que é preciso alterar as condições físicas dos órgãos para que as pessoas participem”. E a lei? “Ela já existe, mas vai sendo esquecida, amolecida.”Ou, por outras palavras: “Para ganhar a lotaria é preciso comprar o prémio. Não basta existir na sociedade”, conclui.

Para a ilga, quebram-se silêncios

Fundada em 1995, a associação ILGA Portugal é uma instituição de solidariedade social, especialmente na intervenção lésbica, gay, bissexual e transgénero.

Acerca das candidaturas LGBT este ano, a associação comenta: “É uma visibilidade que quebra os silêncios forçados que tipicamente marcam as vidas das pessoas LGBT e que permite falar na primeira pessoa”, disse ao i o vice-presidente Paulo Côrte Real. Só assim, segundo o dirigente, os preconceitos são ultrapassados e se passa uma mensagem: “A de que também somos cidadãos de pleno direito.”

Sobre a falta de representatividade no seio político, mais concretamente na Assembleia da República (AR), recorre à estatística: “Se uma em cada dez pessoas serão LGBT, é fácil perceber quantas pessoas deveria haver no parlamento com essa representatividade.” E é, de facto, fácil fazer as contas: se existem 230 lugares disponíveis na AR, 23 seriam LGBT no cenário ideal para Paulo. Mas a inércia poderá constituir um entrave. “Há uma história negativa entre a política e esta comunidade como, por exemplo, com a co-adopção [2013/2014], uma recusa desta legislatura, algo que é condenado pelo Tribunal dos Direitos Humanos.”Uma recusa que, diz Paulo Côrte Real, coloca Portugal numa posição igual a países como a Roménia, a Ucrânia e a Rússia.

E para que o“negativo” saia desta história, a ILGA já enviou um questionário aos vários partidos, acompanhando as posições que estes vão assumir em relação à comunidade LGBT durante a campanha. “Há já vários programas eleitorais que contemplam medidas muito importantes para as pessoas LGBT. Estes compromissos são determinantes para progressos ao longo dos próximos quatro anos.”

ACAPO: "É preciso fazer mais pelos cegos”

Já Carlos Cordeiro, fundador da Associação dos Cegos e Amblíopes (ACAPO), conta ao i que espera muito da primeira candidata cega, Ana Sofia Antunes.

“Ela tem a obrigação agora de fazer mais pelos cegos e de mostrar o que sabe.” Carlos tem 81 anos e é cego desde os 30. “Não foi o fim da macacada, percebi que fazia as mesmas coisas, mas já não via as cores, ou os semáforos na rua”, confessa. O dirigente aponta a mobilidade dos transportes como o principal problema em Lisboa a ser resolvido pela candidata.

Mas a missão é difícil: “Existem muitos lóbis na política que não querem ser ultrapassados por pessoas com deficiência. E muito preconceito”, conclui.

As associações depositam esperança nas caras novas. Mas não havendo um histórico positivo no nosso parlamento, até que ponto poderão Júlia Pereira ou Ana Sofia Antunes escrever um novo capítulo na política?

4.7.14

Registados nove casos de mutilação genital feminina em Portugal desde março– Governo

in Observador

A Plataforma de Dados da Saúde registou nove casos de mutilação genital feminina (MGF) em Portugal desde março, adiantou hoje a secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade.

Em declarações à Lusa, Teresa Morais considerou de “uma importância muito grande” o registo de “casos concretos” na plataforma, que, depois de ter experimentado alguns problemas técnicos, está em funcionamento desde março. Estima-se que 140 milhões de mulheres tenham sido submetidas à MGF em todo o mundo e que três milhões de meninas estejam em risco anualmente.

A prática, que causa lesões físicas e psíquicas graves e permanentes, é mantida em cerca de 30 países africanos, entre os quais a lusófona Guiné-Bissau. A MGF migrou para a Europa, onde se estima que vivam 500 mil mulheres afetadas por uma mutilação genital e 180 mil meninas estejam em risco, anualmente.

A referenciação dos casos representa “um passo decisivo em matéria de conhecimento sobre a realidade da mutilação genital feminina em Portugal, de que, durante muitos anos, se falou apenas em termos teóricos, (…) de sensibilização, sem que o país soubesse, verdadeiramente alguma coisa de concreto sobre o que se passava”, afirmou Teresa Morais. “É o início de uma nova fase na abordagem da mutilação genital feminina em Portugal”, frisou, sublinhando que permite “passar das meras suspeitas” a “casos concretos”.

Juntando o registo ao estudo de prevalência em curso, Portugal poderá passar de “estimativas feitas em cima do joelho para um conhecimento mais detalhado”, que permita “intervir junto das comunidades de risco”, destacou. Realçando que apenas foi informada do número de casos e da tipologia da mutilação genital em causa, Teresa Morais reconheceu que será relevante conhecer outros detalhes, como a idade das vítimas e o local e a data da prática da MGF.

Essa informação, disse, deverá constar do relatório que a Direção Geral da Saúde divulgará no final do ano. Teresa Morais adiantou ainda que foi aprovada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco “uma circular, sob a forma de manual de procedimentos, com orientações técnicas sobre como os técnicos e as técnicas das CCPJ devem atuar para prevenir e sinalizar os casos de MGF”.

A secretária de Estado informou também que a pós-graduação sobre MGF na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa “vai ser repetida em outubro”. Com propina gratuita, a primeira edição foi frequentado por mais de 30 profissionais de saúde, que depois deram formação aos colegas.

Entretanto, acrescentou a governante, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) está a trabalhar num protocolo com Instituto Politécnico de Setúbal, para realizar uma pós-graduação em moldes similares no Barreiro, no último trimestre de 2014.

Ainda sobre a MGF, estão abertas até 4 de agosto as candidaturas ao prémio “Mudar agora o futuro”, podendo concorrer a financiamento as “organizações sem fins lucrativos que tenham projetos de intervenção na comunidade que possam contribuir para prevenir e erradicar esta prática”, recordou a secretária de Estado.