20.12.09

Crianças até aos 7 anos "decidem" 70 por cento do que se compra

Por Renato Duarte, in Jornal Público

No Natal, o marketing infantil ganha contornos mais nítidos, mas nem todos sabem lidar com o apelo dos mais novos ao consumo no dia-a-dia


Em grande parte das prateleiras de um conhecido hipermercado de brinquedos em Lisboa, o verde é a cor predominante. Há de tudo, desde patins a pistas de carros passando por bonecos iguais a tantos outros, aos olhos dos adultos, apenas com uma pequena grande diferença: a estampa do mais recente herói infantil. Ricardo, com 7 anos, descodifica o mistério rapidamente. O Ben 10 está no topo da sua lista deste ano. Do ecrã de televisão para debaixo da árvore de Natal vai um pulo que é dado com maior ou menor dificuldade consoante o tamanho da carteira dos pais e o poder de persuasão dos filhos.

A utilização de personagens de desenhos animados é apenas uma das muitas formas utilizadas para incutir o desejo de consumo nas crianças. Associação de celebridades a determinados produtos, brindes, clubes infantis, séries juvenis e desenhos animados são outras estratégias que as marcas, de uma forma cada vez mais agressiva, utilizam para aliciar os mais pequenos.

Ricardo terá sorte este ano. O seu herói entrará no sapatinho, ao lado da mais recente pista HotWheels que se juntará, por sua vez, aos modelos de consola que acumulou ao longo de sete natais e aniversários. Nuno Teixeira é o pai e neste momento está desempregado, Rute Teixeira, a mãe, é empregada de escritório. "Normalmente, tento sempre ceder ao que ele pede, pelo menos ao que mais gosta. Quando digo que não, poderá ser por não ter possibilidades ou por achar que não é adequado", diz Rute, que acrescenta: "Noto que os anúncios que mais passam na TV são os brinquedos que ele mais pede. Raramente venho com ele às compras porque senão ele pede tudo."

Não há dúvida: para os marketeers, os mais pequenos são um alvo fundamental. "Actualmente, as crianças até aos 7 anos são responsáveis por cerca de 70 por cento das opções de consumo das famílias. Não apenas em produtos que a elas se destinam directamente. Qualquer compra feita por um pai ou mãe tem em conta as necessidades e preferências das crianças. Elas são muito tidas em conta na hora das escolhas", diz ao PÚBLICO Luísa Agante, docente da cadeira de Experiências de Consumo no Instituto Português de Administração e Marketing e investigadora na área do marketing infantil. "Quando se vende um carro e se salientam as características que eventualmente beneficiam uma família com filhos, conseguimos perceber que o mercado tem consciência do peso que as crianças têm nas decisões dos pais", fundamenta a investigadora.

"Vamos aos carros", diz António, sentado num carrinho de compras, com a articulação que os seus três anos lhe permite. Ao volante das compras está Teresa Ventura. "Vamos, mas é só para ver. Ele sabe que não leva nada. Já se habituou a nem sequer pedir", diz a mãe, empresária, em conjunto com o marido, na área da consultoria de marketing. "Acho que os miúdos têm imensos brinquedos hoje em dia. Ele tem dois brinquedos grandes e pronto. Recebe brinquedos que nem chega a abrir e vão directos para crianças que nunca tiveram a alegria de ter um presente. É muito importante que ele perceba que as coisas não são fáceis e que não pode ter tudo o que quer".

A família não é democrática

Teresa, que também é mãe de Manuel, 10 meses, não vê a agressividade da publicidade dirigida a crianças como um problema, assumindo que os pais têm o controlo das opções de consumo familiares. "O que eu compro sou eu que decido, eles não têm de ter opinião, por enquanto, a esse respeito. Têm de se habituar a ver muita coisa que não podem ter."

Uma opinião que é partilhada pelo terapeuta familiar Daniel Sampaio: "A família não é uma estrutura democrática. As regras de consumo têm de ser determinadas pelos pais. Todos os estudos dizem que são os pais quem mais influencia as crianças. Se a educação for coerente com certos princípios, o peso do marketing diminui."

Ainda assim, o terapeuta ressalva que "os pais estão muito preocupados com os seus filhos e por isso ficam inseguros, acabando por ser permissivos e não conseguir impor autoridade". Sampaio acrescenta: "O grande trabalho da família, relativamente à publicidade, deve ser o de ajudar as crianças a descodificar as mensagens de que vão sendo o alvo e aqui também a escola deve ter um papel importante."

O papel da escola

É precisamente neste sentido que Luísa Agante desenvolve o seu trabalho neste momento, através do programa Mediasmart. Em vigor em Portugal desde 2008, este programa pretende introduzir na estrutura curricular do 1.º e 2.º ciclos módulos de sensibilização para o que é a publicidade e os mecanismos que utiliza, envolvendo pais, professores e investigadores na tarefa de preparar as crianças para a quantidade de estímulos publicitários de que são alvo a todo o momento.

Apesar de tudo, na opinião da investigadora, em Portugal o problema é menor do que nos EUA, por exemplo, em que a legislação é quase inexistente. "Portugal beneficia de uma grande auto-regulação. O que se verifica é que, quando há um atropelo ético, na maioria dos casos, ele acontece por falta de conhecimento sobre os efeitos que uma determinada campanha terá sobre o público a que se dirige. Daí a importância dos estudos nesta área. Os profissionais do marketing têm uma grande consciência do que podem ou não fazer."