31.12.09

UE encerra modelo institucional com 52 anos e inaugura outro tão ou mais complexo

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

O primeiro-ministro sueco vai ficar na história como o último chefe de Governo que presidiu plenamente à União, que terá como principal dificuldade a nova presidência "bicéfala" criada por Lisboa


O velho sistema das presidências semestrais rotativas da União Europeia (UE) assumidas desde 1958 pelos seus Estados-membros chega amanhã ao fim para ser substituído por um novo tipo de liderança mais centralizado, mas potencialmente mais complicado.

Fredrik Reinfeldt, primeiro-ministro da Suécia, vai ficar na história como o último chefe de Governo que presidiu plenamente à UE, cedendo na sexta-feira as suas responsabilidades ao belga Herman Van Rompuy - o primeiro presidente permanente do Conselho Europeu - e à Espanha.

Reinfeldt, de 44 anos, cessa funções com um balanço mais que honrado de uma presidência dedicada sobretudo à eliminação dos últimos obstáculos à entrada em vigor do Tratado de Lisboa a 1 de Dezembro, incluindo a escolha de Van Rompuy, e da britânica Catherine Ashton para chefe da diplomacia da UE. Estocolmo conseguiu ainda alguns acordos emblemáticos entre os Vinte e Sete, como o financiamento do combate às alterações climáticas nos países mais pobres do mundo ou o novo sistema de regulação e supervisão de bancos, seguros e mercados financeiros.

Com o tratado em vigor, 2010 será sobretudo um ano de transição e consolidação do novo sistema institucional que, apesar de ter sido concebido para simplificar o funcionamento da UE, "não é menos complexo do que o anterior", reconhece António Missiroli, director do European Policy Centre, um centro de reflexão em Bruxelas. Pôr o novo sistema a funcionar "não vai ser fácil", defende, considerando que "vai ser preciso algum tempo para que a nova arquitectura institucional esteja a funcionar plenamente, e ainda mais para conseguir um novo equilíbrio", prognostica, considerando que, se tudo correr bem, o novo sistema poderá estar estabilizado em 2012.

A principal dificuldade tem a ver com a nova presidência "bicéfala" criada por Lisboa. Por um lado, o novo presidente permanente, Van Rompuy, passará a liderar as reuniões do Conselho Europeu (as cimeiras de líderes da UE), assumindo o tradicional papel dos primeiros-ministros dos países na presidência rotativa. Só que, por outro lado, o tratado mantém este mesmo sistema de presidências rotativas para todas as outras reuniões dos Conselhos de Ministros sectoriais (Assuntos Gerais, Finanças, Agricultura ...), sendo a excepção as reuniões dos Conselhos de Política Externa, que serão presididas por Ashton.

Cabe à Espanha a difícil responsabilidade de inaugurar o novo regime de presidências rotativas em formato reduzido. Como era de esperar, os seus responsáveis têm dado abundantes sinais de dificuldade de adaptação. Por pressão de Madrid, as cimeiras entre a UE e alguns parceiros externos - sobretudo os Estados Unidos e os países do Mediterrâneo e da América Latina - terão lugar em Espanha, em vez de Bruxelas. O seu primeiro-ministro, José Luis Rodriguez Zapatero, faz igualmente questão de assumir uma espécie de co-presidência destes encontros, ao lado de Van Rompuy, apesar de o tratado não prever qualquer papel para os chefes dos Governos dos países da presidência. Consciente das susceptibilidades que estão em jogo, Van Rompuy aceitou que este primeiro semestre será uma espécie de transição, que chegará ao fim a 1 de Julho com a presidência belga da UE. Em qualquer dos casos, o novo sistema institucional requer uma boa dose de habilidade e espírito de compromisso para evitar choques sobre a repartição dos papéis.

Outra inovação que requer um grande esforço de adaptação prende-se com os poderes reforçados do Parlamento Europeu, que passará a ter um poder de co-decisão (com o Conselho de Ministros dos Vinte e Sete) em quase todas as políticas comunitárias.

Não menos complexa será a instalação do novo serviço diplomático da UE (mais conhecido por Serviço Europeu de Acção Externa, ou SEAE), composto pelos serviços de política externa da Comissão Europeia, do Conselho de Ministros, e de diplomatas nacionais. Como era de esperar, as tentativas de controle deste novo e poderoso serviço estão a provocar um braço-de-ferro entre instituições europeias e governos nacionais. Para complicar as coisas, os Vinte e Sete querem imperativamente tornar o novo serviço plenamente operacional até ao fim de Abril, antes da previsível chegada ao poder dos conservadores eurocépticos no Reino Unido, sabendo que, a partir daí, o risco de bloqueio das decisões comunitárias, pelo menos numa primeira fase, é real.

Em paralelo com a consolidação de Lisboa, a grande prioridade da UE em 2010 será a definição de uma estratégia de crescimento económico e de redução dos défices orçamentais abissais cavados pela crise económica.

O novo ano arrancará, no entanto, de forma relativamente lenta, devido ao processo de instalação da nova Comissão Europeia de Durão Barroso, a 1 de Fevereiro. Os seus membros vão ser submetidos em Janeiro a audições no Parlamento Europeu sobre as suas competências, antes do voto de investidura da totalidade da equipa no fim de Janeiro. Uma das missões mais importantes e urgentes da nova Comissão será lançar o debate sobre a revisão do orçamento comunitário, que vai ocupar a UE pelo menos até 2012 (ver texto nestas páginas).