Ivete Carneiro, in Jornal de Notícias
A OIT - Transportes Internacionais é um gigante alemão que escolheu a Guarda para ter uma sucursal. Emprega 91 funcionários de dez nacionalidades, maioritariamente de Leste. Entre eles, há apenas duas portuguesas. Ali dentro, não é Portugal.
“A partir do momento em que entro por aquela porta, saio de Portugal”. Madalena, “100% portuguesa”, já tem uns desvios de entoação. Ela e Sara são as únicas “100% portuguesas” da OIT Transportes Internacionais. Fica na Guarda, bem no topo do Portugal profundo. E seria apenas mais uma empresa de transitários se não se tivesse tornado, por força da política de contratação, uma verdadeira “Torre de Babel” de Leste. Em 91 funcionários, junta dez nacionalidades, a maioria da banda de lá da Europa.
Tommi é Rustam Aliev. Impronunciavelmente uzbeque. Sérgio é Siarhei Dzehtsiarov. Impronunciavelmente bielorusso. Natália e Natália são Natálias, vá lá que o russo também tem coisas pronunciáveis. Denis, ucraniano, interrompe a conversa. Dirige-se a Tommi em russo. Que atende o telefone em espanhol. E conta a vida dele em português. Claríssimo. “Sou advogado no passado”.
Hoje, controla o tráfego espanhol da OIT, um gigante alemão com 43 camiões baseados em Portugal – não encontrámos nenhum na Guarda. Porque vêm cá pouco. Servem a Europa central e não faz sentido regressarem vazios a Portugal, onde os clientes são raros e cada viagem a zero custa 800 euros, enquanto a OIT não encontrar parceiros nacionais que queiram aproveitar a boleia.
E por tudo isso é que as duas únicas “100% portuguesas” são empregadas de escritório. Sérgio – motorista internacional desde sempre, desde o tempo da União Soviética e das rotas de Leste – fala um português algo atabalhoado, aprendido desde 2001, ano em que veio “para o país de Portugal”, porque era onde havia trabalho e legalização. Hoje, é o gerente da OIT na Guarda, filhos casados e netos deixados lá.
Tenta explicar como pode uma empresa de Portugal contratar quase exclusivamente cidadãos de Leste. Fácil. São imigrantes, que podem andar mês e meio longe de casa e regressar apenas quando o transporte se proporciona: quando há carga para trazer ou levar deste canto da Europa. “É outra cultura de trabalho”, ajuda Madalena. Não há a preocupação dos horários, dos dias fora. “Os motoristas estrangeiros não têm família cá”, diz Sérgio. Alguns até a terão em Espanha e conseguem vê-la mais vezes do que se a tivessem cá.
“Não podemos fazer ‘diktat’ para clientes. São eles que escolhem” quando e onde precisam de transporte. Parece ser o segredo do sucesso. A OIT tem 79 motoristas e tem conseguido mantê-los apesar da crise. Com uma gestão apertada, a forma como o Leste encara o trabalho. Só dando mais à empresa poderá ela dar mais aos trabalhadores. É Madalena que explica. E dar mais, por estas alturas difíceis, é preferir uma redução de salário ao despedimento. Sérgio paga 1500 a 1700 euros aos primeiros motoristas. Já houve meses em que desceu a 1400 euros. Aos segundos motoristas, dá o limite legal, 900 euros. Com a quebra de trabalho, o lema é “trabalhar no zero”, nunca “no menos”.
Georgianos, ucranianos, russos, bielorussos, moldavos, uzbeques, um grego de origem russa, uma meia francesa, outra meia alemã e as portuguesas. É tudo contratado em Portugal, tudo com papéis portugueses, para trabalhar para as três sócias da OIT, alemãs com raízes no Cazaquistão.
Vantagem? Tommi adianta-se, rindo: “Os motoristas são piores do que as mulheres. Param nos parques e metem conversa com toda a gente”. Tomam conhecimento da empresa e aparecem, sabendo de antemão que, ali, não precisarão de articular – é verdade, há sempre dois sentidos nas constatações – o impronunciável português. E, no escritório, sabem que podem ser atendidos em qualquer língua.
“Está sempre aqui gente que fale russo, alemão e espanhol”. Mesmo à hora de almoço. O português pouco interessa naquela rua da Guarda.