Por Margarida Gomes, in Jornal Público
Crise prolongada sem fim à vista leva a que as pessoas percam referências e valores, dizem investigadores
O drama do desemprego tem contribuído na região do Vale do Ave para um aumento significativo dos divórcios, mas também da prostituição. Há famílias que vão resistindo à falta de emprego, fazendo esticar o dinheiro sempre na expectativa de que a crise acabará por passar, mas há outras que, aparentemente, parece já terem desistido. Desde há três anos que houve um recrudescimento da prostituição em algumas localidades do Vale do Ave e hoje esta situação assume uma visibilidade cada vez maior.
"A situação é mesmo muito complicada para quem não tem emprego. Sou presidente da junta há quase 20 anos e nunca assisti a uma situação destas. As famílias não têm dinheiro e quando chega o fim do mês não têm forma de cumprir os seus compromissos", informa Carlos Guimarães, presidente da Junta de Lordelo, no concelho de Guimarães.
Em alguns lares, a falta de emprego arrastou famílias para a prostituição. E em algumas situações são os próprios maridos que levam as mulheres. "É o desespero", limita-se a dizer o autarca, convicto de que está ainda longe o tempo em que voltará a haver emprego para toda a gente.
O sociólogo e ex-ministro do Trabalho e da Solidariedade de António Guterres, Paulo Pedroso, encontra explicação para este fenómeno, situando-o no campo dos comportamentos desviantes que atiram as pessoas não só para a prostituição, mas também para mendicidade ou para a criminalidade. "Estes casos acontecem quando as pessoas perdem as suas referências e entram numa dinâmica de sobrevivência. Em termos teóricos, esse é um estado possível num caminho de exclusão prolongada em que as pessoas depois de perderem os seus recursos perdem também as suas referências morais e sociais", interpreta.
Numa primeira fase, explica, as pessoas que ficam sem rendimentos revoltam-se, depois tentam ir à luta, mas acabam por se acomodar, perdendo orientação, perdendo valores de vista, perdendo referências até que passa à situação do "vale tudo". "Muitos insistem numa tentativa de regresso, só que depois há um novo mergulho e já não é a tentativa de regresso a uma vida normal, é a tentativa de recuperação de uma direcção da vida normal mas numa escala de valores alterada", explica o ex-ministro.
Recurso à economia paralela
Já Pedro Adão e Silva, sociólogo e professor universitário, afirma que "tradicionalmente em Portugal a forma encontrada para responder a momentos do aumento do desemprego e da recessão económica é através do recurso à economia paralela e subterrânea". E encara a situação no plano do "último estádio de um processo de exclusão social profunda", alertando para o facto de "a situação social continuar a degradar-se, o que, aliás, só serve para mostrar como esta era a pior altura para mexer na rede dos apoios mínimos sociais".
Chocado com o que está a acontecer, o investigador Manuel Villaverde Cabral sublinha que a prostituição é um fenómeno minoritário. Recusando-se a ceder ao "miserabilismo nacional", Villaverde Cabral afirma que tem muita dificuldade em aceitar que haja mães que cedam à prostituição e muito menos que sejam os próprios maridos a levá-las.
Mas esta situação está a acontecer na região do Vale do Ave. Ali, o desemprego regista uma taxa bem superior à média nacional: 10,9 por cento. Há muito que o Vale do Ave convive com a palavra crise - a deslocalização de fábricas para países com custos de mão-de-obra mais reduzidos arrastou esta região para a estagnação.
No coração da indústria têxtil, não foi preciso esperar pela crise financeira, há cerca de uma década que as empresas foram fechando, lançando famílias inteiras no desemprego.
Lordelo, uma freguesia de média dimensão, foi assistindo impotente ao encerramento de muitos postos de trabalho. Segundo dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Guimarães, o concelho regista actualmente 12.884 desempregados, dos quais 7026 são mulheres e 5858 homens.
A Câmara de Guimarães, presidida pelo socialista António Magalhães, tenta acudir distribuindo cabazes com ajuda alimentar a 300 famílias e comparticipando no pagamento de rendas de casa, fixando um máximo de 250 euros por agregado familiar. "A renda de casa é o problema mais candente", reconhece o presidente, sublinhando que 80 por cento das pessoas que recebem apoio da câmara estão desempregadas.