12.7.10

Uma casa alegre, onde aprendem a viver sem medos

Gina Pereira, in Jornal de Notícias

São quase 15.30 horas e, para uma casa onde vivem 12 crianças entre os dois anos e meio e os 9 anos, estranha-se o silêncio sepulcral. Porque estão de férias, o almoço foi tardio e a sesta prolongou-se pela tarde.

Só Ana (nome fictício), 6 anos, lindos olhos verdes, conseguiu escapar à sesta. A ansiedade do primeiro encontro com os possíveis futuros pais - Ana e o irmão, de 7 anos, estão em processo de adopção - retirou-lhe o sono. "Um pai novo", responde, quando lhe perguntamos o que mais deseja. "E já está a acontecer", diz, esboçando um sorriso.

Na "Casa da Criança de Tires" - um centro de acolhimento temporário criado há nove anos para acolher os filhos das reclusas que não têm família que os acolha enquanto as mães cumprem pena - convivem meninos que já viveram na prisão (actualmente dois, um com 6, outro com 3 anos) e crianças em risco que, por ordem do tribunal, foram retiradas às famílias e estão à guarda da Segurança Social. Alguns conseguem regressar à família (biológica ou alargada), outros estão ansiosamente à espera de alguém que os queira adoptar.

Os filhos das reclusas só sairão dali quando as mães terminarem a pena e quando derem garantias de que têm condições para os acolher. "Têm de ter casa, uma perspectiva de emprego, escolinha para os meninos e garantir que terão todo o acompanhamento que têm aqui", diz Carla Semedo, 34 anos, psicopedagoga e directora técnica da casa, explicando que apoiam nesse processo de saída.

A responsável não tem dúvidas de que, nas actuais condições, a partir dos três anos as crianças ganham mais em estar na instituição do que a viver no espaço fechado da prisão. Admite que a separação da mãe é dolorosa - "estes meninos vêm cheios de mimo e de colo, têm uma relação muito próxima com as mães, porque passam muito tempo com elas" -, mas não duvida que sair é a melhor opção para o seu desenvolvimento. Passam a viver no mundo real, deixam de andar apenas em carrinhas celulares, vão à escola e ganham amigos de outras origens.

O corte com a mãe não é, contudo, radical. Podem falar ao telefone todos os dias e duas vezes por semana - à 5ª feira e ao domingo - os meninos visitam-nas durante cerca de uma hora. Fazem jogos, brincam, vêem televisão e levam as suas roupas para a mãe lavar, "uma forma de se responsabilizarem pelos filhos". No Natal e no aniversário, é a vez de as mães os irem visitar à casa, localizada ao lado da prisão e pintada com cores alegres e motivos infantis. Nas traseiras, uma horta pedagógica onde plantam e colhem os legumes para as saladas.

Carla Semedo explica que, por norma, quando ali chegam, os filhos das reclusas "vêm muito bem estruturados a nível emocional", mas "sem estímulos cognitivos e com muitas lacunas". Além de que têm medos próprios de quem viveu num sistema de reclusão: temem os cães, os carros e até o barulho dos outros meninos às vezes os incomoda. Falam a língua da prisão e dizem "vou de precária" como quem pede um gelado. Na casa nova, ganham outras rotinas e passam a ser ensinados para enfrentar a vida real.