23.2.11

Pobreza não tem solução desligada da desigualdade

Rui Serapicos, in Correio da Manhã

Os investigadores não incidem os seus estudos sobre a desigualdade e nenhum rico ainda as bracejou por causa de políticas contra a pobreza. Em Portugal não é possível combater a pobreza sem mexer em quatro sistemas: educação e formação, mercado de trabalho, segurança social e padrão de desigualdade. Isto mesmo considerou Alfredo Bruto da Costa, sexta-feira à noite, na abertura das Jornadas Teotonianas.

O conferencista lembrou que se estima hoje em Portugal a ocorrência de dois milhões de pobres e propôs para esta realidade causas relacionadas com as decisões políticas e outras com as mentalidades dominantes.

Encaminhar o pobre para a obtenção de recursos

A mesa contou com as presenças do bispo de Viana do Castelo, D. Anacleto Oliveira, do presidente da Câmara de Monção, José Emílio Moreira e do professor da Universidade do Minho, José Viriato Capela. O auditório contava cerca de duas centenas de pessoas, entre as quais dois coros que abriram a sessão com momentos musicais.

Abordando o tema ‘Mapa da pobreza actual’, aquele antigo ministro dos Assuntos Sociais no governo de Maria de Lurdes Pintasilgo estabeleceu uma distinção entre a pobreza resultante da privação, estado de carência de quem não tem que comer ou que vestir daquela que é consequência da falta de recursos. “Eu posso não ter recursos por esbanjá-los na droga ou em álcool”, disse.

A maior parte das políticas atacam apenas a questão da privação e tratam menor grau a autonomia do pobre na obtenção e gestão de recursos”, considerou.
Bruto da Costa vincou não se conhecerem estatísticas daqueles qu e um dia dizem “meus senhores, obrigado pela vossa ajuda mas não preciso mais de vocês”. Segundo Bruto da Costa, a questão da pobreza em Portugal está mal estudada até pela história social.

Ele próprio detentor de uma licenciatura em engenharia civil para o doutoramento em Bath, Reino Unido, com uma tese sobre ‘O Paradoxo da Pobreza — Portugal 1980-89’ teve de fazer uma investigação sobre o assunto.
Daí, demonstrou que desde o século XIII, ainda nas primeiras bases da construção do Estado, já os reis se preocupavam com a pobreza. “Porque a nós pertence fazer mercê aos pobres e de os defender dos poderosos”, disse, citado um documento régio de 1211.

Razões para a persistência da pobreza

Bruto da Costa propôs razões para a persistência da pobreza em Portugal, apesar da sua identificação como problema pelos responsáveis políticos e da sociedade em geral:
A sociedade portuguesa desenvolveu uma cultura baseada no Estado Social, remetendo para o Estado as soluções, enquanto outros reclamam que o Estado emagreça.

A persistência da pobreza criou um fenómeno de habituação, um elemento com o qual a sociedade convive normalmente.

Sobre este ponto adiantou que um terço dos portugueses atribuem à pobreza um carácter fatalista, inevitável; um terço considera tratar-se de preguiça dos pobres, o que o levou a considerar um problema de saúde pública. Sistemática desconfiança quanto à autenticidade da pobreza. Há propostas propondo acabar com a fraude como medida mais importante que acabar com a pobreza. Outra causa ainda apontada é a cultura consumista.