1.4.11

FMI será o fim?

in Jornal da Madeira

Os portugueses sabem que a crise política – e temos que ser pragmaticamente honestos – constituiu apenas mais um motivo para que as agências de “rating”, cada vez mais ao serviço de interesses obscuros e corruptos, pressionassem ainda mais Portugal. Mas os portugueses sabem também que, mesmo antes da crise, e diga o PS e Sócrates o que disserem, já estávamos permanentemente a pagar juros mais elevados do que o tolerável, pondo em causa a nossa própria solvência. Recordo que numa entrevista à RTP, o ministro das finanças falou nos 7% como limite máximo tolerável mas a verdade é que mesmo antes da demissão de Sócrates o nosso país já estava a pagar juros da ordem dos 8,2 a 8,5%, valor incomportável e que nos conduz para uma situação dramática e vergonhosa de não termos dinheiro para pagar o que devemos ao estrangeiro, no imediato (há dois pagamentos a serem efectuados, um em Abril e outro em Junho, da ordem dos quase 17 mil milhões de euros!).

Lula da Silva, recentemente doutorado “honoris causa” pela Universidade de Coimbra, foi muito mais que o metalúrgico e ex-dirigente sindical do PT que chegou a Presidente do Brasil. Ele desmistificou a teoria, se é que a isso assim podemos designar, da perspectiva do poder reservado aos “engravatados” ou de que os presidentes dos estados têm que obedecer a determinados perfis pessoais. O problema reside na honestidade, na determinação e na dedicação a causas. Foi isso que Lula fez, quando decidiu combater a pobreza num pais que continua obviamente a ter pobres, mas que passou a ser uma das principais potenciais mundiais, quando anunciou o combate à corrupção, que continua a ser uma das máculas de muitos países, também com incidência no Brasil, onde persiste, e a apostar em áreas vitais para o desenvolvimento económico do país, mesmo que o pais tenha ainda muito espaço para evoluir e muito caminho para percorrer. Obviamente que a nova Presidente Dilma Roussef terá muito que fazer ainda para manter o que o Brasil de Lula conquistou, mas para consolidar as apostas no desenvolvimento económico, no combate à pobreza, no reforço da escolaridade e no combate à corrupção, que parecem ser as principais apostadas políticas no país do samba e do futebol.

Quando falei em Lula da Silva, fi-lo para recordar duas questões essenciais neste momento em que no caso de Portugal tenho a consciência de que muita coisa está em jogo: em primeiro lugar a constatação de que os países da América Latina, tradicionalmente apontados como dos mais pobres, prescindiram de uma vez por todas das “ajudas” do FMI; em segundo lugar, falei do ex-presidente brasileiro para realçar a declaração de Lula que considerou a necessidade de Portugal deve fazer tudo para evitar a entrada do FMI que disse claramente não servir a ninguém!

O problema, e respeito todos os que pensam o contrário de mim, é que assumidamente sempre me manifestei contra a intervenção do FMI no nosso país, porque acredito que tal cenário implicará medidas ainda mais restritivas do que aquelas que têm motivado tanta discussão. Se isso acontecer – e confesso que cada vez mais acredito que sim – os portugueses vão sofrer tempos de privação e de dificuldades extremas que é melhor nem falarmos (mas este texto fica como registo para memória futura). Estou convencido que, tal como o país em geral, a Madeira será fortemente prejudicada com o pós-FMI e que corre o risco - sem querer especular, mas atendendo a que em cenários destes os países perdem o controlo interno de todas as questões relacionadas com a política financeira e orçamental – até mesmo de se confrontar com medidas gravosas e novas decisões que podem nem deixar de fora a própria Lei de Meios (por falta de recursos financeiros do Estado), as transferências do Estado para as regiões e autarquias, nem o facto de, por exemplo, o CINM poder ser olhado como um instrumento ao serviço da fuga aos impostos facto que, infelizmente, está associado indubitavelmente àquele Centro. Não vale a pena escamotearmos esta realidade, pelo que apenas espero que todas estas decisões não sejam tomadas a tempo de causarem, politicamente falando, estragos ainda mais significativos do que aqueles que expectavelmente derivam de uma situação económica e social grave pela qual todos passamos, uns mais que outros, é certo, mas que acaba por penalizar todas as famílias. Nem falo nas consequências do recurso ao FMI nos despedimentos do funcionalismo público, no aumento do desemprego em geral, nas reduções das reformas, na diminuição ainda mais grave de salários, nos problemas que serão colocados em matéria de falta de emprego, os quais podem originar uma debandada de jovens portugueses para o estrangeiro, particularmente para países não afectados por esta crise, de aumento de impostos e de exigências ao sector bancário que podem causar restrições ainda mais gravosas no acesso ao crédito por parte de empresas e famílias. É por isso que tenho insistido na necessidade de uma mudança de tudo o que for possível mudar, enquanto for tempo, de um repensar de algumas questões mais essenciais, na adaptação da nossa vivência à nossa própria realidade dos novos tempos que nada, mas rigorosamente mesmo nada, terá a ver com aquele que era o nosso quotidiano, pelo menos até um passado recente, e com tudo aquilo que estávamos habituados, numa altura em que de nada nos serve atirar o lixo para debaixo do tapete.

O que é facto – e é da realidade que temos que falar – é que já não acredito que sejamos capazes de resolver os nossos problemas por nós próprios, que teremos que mudar profundamente o estilo de vida dos portugueses, que o Estado vai ser obrigado a repensar o seu envolvimento na sociedade, sobretudo em termos de encargos financeiros, etc. As agências de rating, todas elas americanas e dependentes de capitais de investidores americanos, não passam de instrumentos ao serviço da corrupção financeira, das pressões de especuladores financeiros, assumiram uma importância decisiva no contexto da economia mundial. No nosso caso essas pressões têm sido constantes, diárias, abrangendo como referi, as regiões autónomas, os bancos, empresas públicas, com Portugal a pagar juros incomportáveis. Creio que o recurso ao FMI é cada vez mais inevitável e que o resgate – é assim que alguns chamam a esse mecanismo de ajuda feito através da União Europeia – terá consequências até políticas no nosso país. As pessoas vão responsabilizar políticos e partidos pelo caos a que chegamos, os problemas sociais vão agravar-se, os dramas sociais multiplicar-se-ão, o desespero vai apoderar-se de muita gente, pelo que a habitual tranquilidade dos portugueses e a sua característica do ”come-e-cala”, vai rebentar, com efeitos que ninguém pode antecipar. E o país não está preparado para isto. Politica e socialmente tivemos já recentes e evidentes sinais de que o povo começa a ficar saturado, sinais que, erradamente, me parecerem terem sido desvalorizados ou mesmo ignorados. No meu próximo texto falarei das medidas tomadas no caso da Grécia e da Irlanda, dos lucros do FMI e do impacto dessa intervenção naqueles dois países. Para que as pessoas percebam do que falamos e que uma coisa é o eventual contributo do FMI na regularização das contas (e do défice) públicas, mas que outra coisa é saber como e à custa de que sacrifícios esses objectivos são alcançados.