Por Clara Silva, in iOnline
Sair de casa dos pais, a crise, o trânsito, a faculdade, todas as desculpas são boas para partilhar um apartamento. Agosto e Setembro foram os meses de caça à casa. Conheça as histórias de colegas de trabalho que decidiram morar juntos, estrangeiros que partilham casa em Lisboa e de amigos que se chatearam por causa disso
Zé Mesquita, de 25 anos, acorda meia hora antes de entrar na agência publicitária Lowe, onde trabalha como account. Afonso Ferreira, o amigo de infância, colega de trabalho e companheiro de casa, também pode ficar na cama até mais tarde: “Aconteça o que acontecer em sete minutos ponho-me no trabalho.” Os dois publicitários partilham um T2 com Vasco Cardoso, de 27 anos, outro colega que conheceram na agência. “Eu e o Vasco mudámo-nos para aqui em Outubro do ano passado”, conta Afonso, de 25 anos. “Andámos dois meses à procura de casa, na internet, a olhar para cima nas ruas... Achámos esta num site e ficámos logo com ela. As outras que estavam dentro do nosso orçamento eram horríveis.”
Afonso morava com os pais na Parede e por causa do “trânsito infernal das Amoreiras” perdia muito tempo dentro do carro. “Agora o meu dia ganhou pelo menos mais uma hora e meia.” Zé, que se mudou para a casa de Campolide em Janeiro, também diz que o seu dia ganhou mais duas horas. “Que passas a dormir”, brinca um dos colegas.
O publicitário vivia no Guincho com os pais e ia todos os dias para Lisboa. “O dinheiro que gastava em gasolina era quase uma renda.” Em Janeiro mudou--se para o quarto mais pequeno da casa, um closet com uma janela que dá para a casa-de-banho. “Como ele tem vista para a sanita paga só 150 euros”, ri-se Afonso. Os outros dois quartos ficam-lhes por 200 euros por mês.
O resto das despesas da casa dividem entre todos. Só não dividem as tarefas. “A Nela faz tudo”, respondem. Antes de contratarem a empregada que trabalha à sexta-feira, os rapazes ainda tentaram ser fadas do lar. “Mas depois isso começou a criar tensões. Tu pensas sempre que lavaste a loiça ontem, o outro que lavou a loiça anteontem...” “Sim”, continua Zé, “dantes a casa era igual mas em sujo. Nos lados do corredor havia pedaços de cotão gigantes e no meio estava limpinho. Era como quando Moisés separou o Mar Vermelho.”
Nela limpa o mar de cotão e a loiça que vai acumulando bolor ao longo da semana, mas não cozinha. Pizzas congeladas e McDonald’s fazem parte do menu da casa. Além dos tupperwares de comida que Vasco traz de Aveiro aos domingos. “Por falar nisso, tens de dizer à tua mãe para fazer aquela tarte de cebola”, pede Zé.
Aqui só se fala em inglês
lll Apesar do nome aumentativo, na Rua do Carrião mal cabe um carro. É tão estreita e inclinada que a subir se sentem os músculos das pernas a latejar. Bianca, Marisa e Metka não parecem importar-se com isso. Não têm carro e vão de metro para todo o lado, ou seja, para a faculdade, para a praia e para o Bairro Alto, algumas das poucas palavras que sabem dizer em português. No segundo andar onde vivem, só falam em inglês entre elas.
Marisa e Metka, duas estónias de 22 anos, chegaram a Lisboa há duas semanas para cinco meses de Erasmus. Descobriram o quarto que partilham – com duas camas coladas e mais uma numa sala à parte para quando recebem visitas – através de um amigo que ali ficou hospedado no ano passado. “Ele deu-nos o contacto do dono do apartamento, o Joel, disse-nos que ele era uma pessoa fixe para morar e que o apartamento também.” Joel é o português que aluga a casa a estudantes Erasmus há vários anos. É uma maneira de fazer algum dinheiro e uma ajuda para pagar a renda da casa, já que também ali mora com a namorada da República Checa.
As duas raparigas pagam 230 euros pelo quarto que partilham. “Na Eslovénia a renda é mais barata do que aqui.” Como são amigas há muito tempo não se importam de dormir no mesmo quarto. “Como moramos no centro e perto do Bairro Alto há amigos que nos pedem para vir aqui dormir na cama das visitas.”
Bianca, uma holandesa de 20 anos, diz que “há sempre pessoas a dormirem no sofá”. Pelas conversas das três, dá para perceber que estão a levar a sério o espírito Erasmus: “Ontem vi-te na festa, estavas tão bêbada...”
A holandesa arranjou o quarto de 300 euros quando ainda estava na Holanda e aterrou em Lisboa há um mês. “Queria chegar com as malas e já ter um quarto para onde ir. Há muita gente que vem com a tralha toda e fica uma semana num hostel à procura de sítio.” Descobriu a casa de Joel no site erasmuslisboa.com e pelas fotografias o quarto pareceu-lhe bem.
A casa já estava decorada e não foi preciso comprarem nada, apenas instalarem-se . Na sala há um quadro enorme com um eléctrico, ao estilo Ikea, e almofadas de várias cores da mesma loja sueca.
“Podia escolher pagar 270 euros e dividir as despesas de luz, água e internet, ou pagar 300 euros fixos por mês”, explica Bianca. “Optei pela segunda. A renda é OK. Parecida com a que pagava numa residência de estudantes na Holanda. Comparada com outros quartos que vi em Lisboa até é boa.
Até que as chatices os separem
lll A tarde não é a melhor para visitar a casa de Joana Almeida, de 24 anos. Sofia, a antiga colega de casa, chateou-se com os amigos, decidiu sair de casa e ainda a apanhamos no elevador a transportar a mobília que tinha no quarto. De repente, o estrondo de um móvel que entretanto caiu no elevador quebra o silêncio gelado que se instalou no segundo direito do prédio perto do estabelecimento prisional de Lisboa. “Chateámo--nos e ela quis ir-se embora. Já aqui morávamos há dois anos. Foi uma zanga entre amigos, não teve nada a ver com a vida doméstica”, explica Joana, sem querer tocar muito no assunto.
Enquanto fala, Yago, 19 anos, e Yoan, 21 anos, dois irmãos que também ali vivem, comem um bife em silêncio. Estão com pressa para sair e só abrem a boca para receber o garfo. “É complicado vivermos juntos. Somos mimados e estamos habituados às mães que nos fazem tudo. Aqui não há mães e às vezes é difícil organizar as tarefas”, diz Joana. Não é a primeira vez que a estudante de medicina tradicional chinesa assiste a uma zanga na casa onde vive. “Antes de morar aqui vivia com um casal que se chateou. Foi aí que tive de procurar outra coisa porque não conseguia pagar a renda e encontrei esta.”
No T5 cabem cinco amigos de infância das Caldas da Rainhas, três deles irmãos (Yago, Yoan e Nayala). E muitos mais caberiam, já que a casa é enorme. “Foi um achado depois de um mês de procura intensiva. Tinha acabado de ser remodelada, as outras que vimos eram horríveis.” O único problema da casa é a zona. “De dia é super-tranquila, mas à noite é uma zona de prostituição e é mais perigosa.”
Com tanta gente em casa, as tarefas são divididas pelos cinco. “Temos listas mas às vezes é difícil. Cada um lava a sua loiça e todas as semanas é responsável por limpar uma divisão por semana. Mas isso nem sempre acontece...”
Como nenhum trabalha, são os pais que pagam as compras e a renda da casa: 220 euros para os quartos maiores e 120 para o mais pequeno, o de Yoan.
A residência alfacinha
A casa onde mora Soraia Ferreira, de 20 anos, parece uma escola. Quando se abre a porta da rua, num primeiro andar da Avenida Elias Garcia, estende--se um enorme corredor cheio de portas que podiam ser salas de aula. Ao fundo, ao lado da cozinha, há vários cacifos onde se guarda comida. “O meu é o três porque é o número do meu quarto.”
Soraia mudou-se para a residência de estudantes em Junho deste ano porque “queria sair da asa dos pais” e “estar mais perto da faculdade e do trabalho”. Optou por uma casa que fica a três estações de metro de cada um dos sítios, mas só lá pára para dormir e às vezes jantar. “Durante o dia trabalho como assistente de produção no Canal Q e à noite estudo Cinema na Lusófona.”
À hora de almoço, a residencial está vazia. Só vemos uma rapariga a entrar na casa-de-banho das raparigas. Tal como a cozinha e a sala, as duas WC são partilhadas. Na parede, um papel anuncia a password da rede wireless e uma das regras fundamentais da residencial que é a casa de muitos estudantes estrangeiros: “Não se pode fumar nos quartos, nem nos espaços comuns.” A residencial tem dois pisos com quartos que, segundo Soraia, devem dar para entre 20 a 30 pessoas. A marquise – o único sítio onde se pode fumar – dá para um quintal em mau estado onde repousa uma placa antiga (“Pensão Arco-Íris”) que denuncia o passado da residencial.


