31.10.11

O Estado Social "abandona" as grávidas a recibos verdes

Texto de Ana Maria Henriques, in P3 (Público on-line)

Quando teve a Camila, de nada serviram a Ana Sofia os vários anos de descontos do tempo em que estava a contrato. Teve de trabalhar logo nas primeiras semanas, mesmo sem poder receber

Ana Sofia Pereira não teve de "escolher entre a profissão e a maternidade" quando decidiu ter um bebé. "A Segurança Social não foi tida nem achada na minha maternidade, mas o que mais me custou é que os seis anos de descontos que tive não me serviram de nada quando necessitei. E só servirão para a reforma", diz.
É que esta geógrafa de 32 anos passou de uma situação contratual para recibos verdes e, quando engravidou da Camila, não tinha ainda cumprido os seis meses de contribuição mínima ("o chamado período de garantia"). Isto porque o ano de isenção de pagamento da contribuição para a Segurança Social (SS) é facultativo, algo que poderia ter ajudado a diminuir o fardo de Ana Sofia.
Esse ano de isenção de pagamento atribui ao Estado um ano e meio de isenção de protecção social, nomeadamente na maternidade", continua. Numa situação de "alguma fragilidade", Ana Sofia ficou, assim, a saber que não teria direito nem sequer a uma prestação social mínima, apenas à suspensão de pagamento da carga contributiva mensal.

Amamentar um bebé e espreitar o e-mail

Ficou uma verdadeira "expert" nos regulamentos e estupefacta com o que as pequenas alíneas podem fazer à vida de uma pessoa. Descobriu que os primeiros 42 dias de licença de maternidade têm de ser gozados pela mãe, mesmo que partilhada, pelo que o tal "período de garantia" tardaria em chegar ao fim. Se o pai da criança pudesse ter gozado esse período inicial, Ana Sofia poderia ter regressado ao trabalho e recebido a tal contribuição. "A igualdade de género não chegou à Segurança Social", reflecte a geógrafa.
A organização da mãe da Camila não se focalizou, assim, "em diminuir os encargos para poder viver, mas sim em continuar a trabalhar dentro do possível no pós-parto", situação à qual a entidade patronal não se opôs. "Na altura criou-se em mim um certo sentimento de revolta por todas as outras mães se poderem dedicar em exclusivo à maternidade e eu ter de arcar com a ideia de que era necessária noutro lado e que não estava ali a tempo inteiro", confessa.
À ansiedade natural de ser mãe pela primeira vez e "não ter ideia de como é que tudo se processa" juntou-se, no seu caso, a ansiedade "de estar a dar de mamar e ter que ver o e-mail ou pensar se, no dia seguinte, ia conseguir chegar a horas a uma reunião".
O facto de um trabalhador por conta de outrem "poder ter tantos meses de licença" indigna Ana Sofia, para quem as regalias "ou são para todos ou fomentam uma discrepância entre trabalhadores que não tem razão de existir". Espera que a actualização dos escalões de SS modifique este tipo de situações e que as "prestações sociais se coadunem com os rendimentos reais de cada" um. O trabalho liberal não deve, segundo Ana Sofia, ser encarado "como um mal e sim como uma opção com deveres e regalias próximos dos dos trabalhadores por conta de outrem".
Hoje Camila tem quase seis meses. A recém-mamã avalia: "O que me custou mais foi o facto de ser abandonada pelo Estado Social e ser remetida para uma possível dependência de familiares quando trabalho desde 2003. Pareceu-me e ainda me parece muito injusto."