25.7.19

Diálogo à esquerda vai exigir mais ‘humildade’

Texto David Dinis e Filipe Santos Costa Foto Tiago Miranda, in Expresso

Fim de caminho. Vieira da Silva já disse a António Costa que não quer ficar mais tempo. E não por causa da filha ter subido a ministra. Nesta entrevista, fala de Sócrates, de Costa, de Centeno, da ‘geringonça’ e do que virá. E deixa um conselho à esquerda: a exigência da humildade vai “pôr-se com mais evidência” na próxima legislatura.

Já esteve em vários Governos, todos diferentes, foi mais difícil governar nestas circunstâncias devido à pressão sobre a despesa?
É verdade, os modelos de solução governativa influenciam tudo isso, mas também há influência da situação económica e social. Mas não me afasto: os partidos [PCP e BE] colocam permanentemente uma dimensão de maior cobertura dos sistemas sociais. Eles diriam que também têm propostas de aumento da receita, só que na minha opinião algumas não garantem a tal tripla sustentabilidade da Segurança Social: além da social, que o custo não seja penalizador para a competitividade da economia e que não ponha em causa o equilíbrio orçamental.

O que se perspetiva é um crescimento menos forte do que nestes últimos anos. Seria desejável o PS estar menos dependente destes parceiros?
Não estou pessimista em relação ao ciclo de crescimento que temos pela frente. Há incertezas, mas também boas razões para acreditar que podemos viver num período muito prolongado com dinamismo no emprego e contribuições. Quanto à dimensão política, sejam quais forem os resultados das eleições, não vai ser quebrada esta dinâmica de diálogo, com incidência governativa, entre o PS, BE e PCP. É inevitável a continuação de um debate, que vai sempre depender dos resultados.

Sentiu alguma vez que PCP e BE tenham feito reivindicações “irresponsáveis” que nos pudessem levar de volta “ao caminho da penúria”, como disse Carlos César?
Uma coisa são algumas posições de princípio que alguns desses partidos têm — por exemplo, a reforma aos 60 anos, com 40 de contribuições. Isso é no plano dos princípios, mas essa proposta nunca foi feita. Significaria um aumento da taxa contributiva na ordem dos 6 pontos ou então um corte no valor das pensões, ou outra forma de financiamento que é sempre relativamente incerta. Os temas em cima da mesa estiveram dentro do quadro que permitiu uma consolidação orçamental.

É um choque. Eu não revejo naquelas acusações [a Sócrates] a pessoa com quem trabalhei vários anos
Nesta legislatura houve muitos diálogos impossíveis: pensão aos 60 anos, 35 horas no privado, fim do fator de sustentabilidade, leis laborais. Será possível retomar esses temas?
São temas permanentemente abertos, mas se há lição que temos que tirar desta experiência é que este trabalho de concertação é um exercício de humildade. Este modelo só é eficaz quando todos entendemos o que somos, o que valemos, quem representamos e contribuímos com isso para o bem-estar de todos. Isso pôs-se neste exercício e vai pôr-se com mais evidência no próximo.

Mas vê terreno comum em propostas como um novo patamar para o fim do fator de sustentabilidade, leis laborais, na próxima legislatura?
Os pontos de partida continuam a ser diferentes. Se são impeditivos de um entendimento, não creio.

É possível que a esquerda veja em Mário Centeno um obstáculo para novo acordo?
Não creio. Não é costume um dos ministros mais populares ser o das Finanças. Isso quer dizer que toda a gente compreendeu o enorme impacto positivo, para a economia e sociedade, das medidas de sustentação do equilíbrio das contas públicas.

BE e PCP também?
Além da retórica, acho que sim.
Em 2015 participou no grupo de economistas que preparou o programa económico do PS, onde estava Mário Centeno. Imaginou que quatro anos depois ele teria este capital político?
Sim. Eu já conhecia Mário Centeno. Fiz o contacto com ele, a pedido de António Costa, para integrar e liderar o grupo. E ele fê-lo de forma muito inteligente, com grande sensibilidade a ouvir os outros. Nessa altura, com algumas propostas mais arrojadas...

Algumas caíram nas negociações com a esquerda.
As circunstâncias mudam. Mas não era difícil perceber que ele poderia ter um papel muito importante. Portugal recuperou credibilidade muito por via de ter acompanhado medidas na área social com solidez das contas públicas.

A dupla Vieira da Silva/Mário Centeno vai manter-se na próxima legislatura?
Por Mário Centeno não posso responder…

E por si?
Já disse ao primeiro-ministro que não tenciono fazer parte das listas do PS. Vou terminar a minha longa passagem por cargos de responsabilidade política a este nível. Fui membro do Governo e deputado, fi-lo em exclusividade absoluta desde 1999. É altura que outros façam.

O facto de a sua filha ser agora ministra influenciou a decisão?
De maneira nenhuma.

Fez-lhe confusão a crítica que se fez ouvir, quando Mariana Vieira da Silva foi nomeada?
Dizer que foi agradável seria hipocrisia. Não tive nenhuma influência na escolha que António Costa fez, obviamente que sempre soube que a situação levaria a maior escrutínio, até às críticas, porque não é uma situação vulgar. Mas não é de todo por essa razão, até porque se haveria um preço a pagar por isso, já foi pago.

O que é que, nestes anos, gostou mais de fazer?
Encontrar soluções para os problemas, inovar nas respostas. Fazê-lo com sentido de justiça, recolhendo a maior informação possível. Fiquei ligado à criação de novas prestações sociais, de instrumentos de emprego e formação... não fiz o balanço, foram momentos muito intensos, também com a maior crise financeira que o país teve….

Esse foi o momento mais difícil? O final do segundo mandato com Sócrates [ 2011]?
É difícil não ser. Um país que estava a trilhar um caminho de recuperação, de modernização, e que foi atingido, por razões externas e internas, de forma tão dura…

Na última campanha com Sócrates, defendeu-o de forma veemente. Olhando para trás, o caso Sócrates é para si uma desilusão?
É um choque. Eu não revejo naquelas acusações a pessoa com quem trabalhei vários anos, e com proximidade política.
Nunca teve indícios de que aquilo se pudesse estar a passar? Parece difícil de acreditar...
Sei que isso hoje é considerado por muitos uma coisa extraordinária... mas comigo foi assim, como com muitas outras pessoas que têm funções importantes na sociedade portuguesa e tiveram a mesma experiência. Sempre trabalhei com um primeiro-ministro, com as suas características pessoais, que manifestava com muita intensidade a vontade de defender Portugal. Foi assim que sempre o vi.

E com quem gostou mais de trabalhar nestes 20 anos?
A resposta mais sincera é que eu gostei muito de trabalhar com as minhas equipas. Tive secretários de Estado com enorme capacidade, o Fernando Medina, o Pedro Marques. muitos outros. Quanto a primeiros-ministros, quem não fica entusiasmado por trabalhar com António Guterres? Mas é muito diferente trabalhar com um primeiro-ministro numa situação pacífica e de crescimento, ou num momento de tensões elevadas.

Falou em Pedro Marques e Medina. Vê o futuro do PS a passar por algum deles?
O PS gerou num escalão etário em torno dos 40 anos um conjunto de pessoas com muita capacidade. Mas temos no PS um secretário-geral que é, para o cargo, um jovem e tem características excecionais de liderança. Assisto com curiosidade e até com sorrisos a estas vagas de putativos candidatos. É legítimo, mas é cedo.

Contra Marcelo? “No PS, não vejo”
A pergunta foi direta: vê-se a votar em Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais? A resposta saiu aos solavancos: “O voto é secreto”… “a esta distância…”. Por fim, o elogio: “Marcelo Rebelo de Sousa tem tido um papel muito positivo na sociedade portuguesa”, e por essa razão Vieira da Silva repete o que António Costa já disse: “A seu tempo se verá, todas as possibilidades estão em aberto.” E haverá alguém no espaço do PS capaz e com vontade de defrontar o atual Presidente da República? “Não tenho visto sinais nesse sentido. Não vejo ninguém com peso político no PS e na sociedade portuguesa que se esteja a colocar nessa trajetória.” Marcelo pode dormir descansado...