19.7.19

Preparados para trabalhar? Um estudo com diplomados do ensino superior e empregadores

Ana Paula Marques, in Dirigir e Formar

Preparados para trabalhar? Este foi o mote para o estudo realizado no âmbito do Consórcio Maior Empregabilidade l da autoria de Diana Aguiar Vieira e Ana Paula Marques (2014),2 focado nas competências transversais a mobilizar no contexto das transformações do mercado de trabalho na ótica dos diplomados e empregadores.
Investigações recentes sobre a transição dos graduados do ensino superior para o mercado de trabalho destacam vários desafios das agendas educativas e emprego, designadamente: i) a relevância do capital humano no crescimento económico; ii) os perigos de sobre/desqualificação e menor correspondência dos diplomas aos postos de trabalho/profissões existentes e emergentes; iii) a crescente precarização das relações de trabalho; iv) a centralidade «qualificações-chave» e competências transversais; e v) a globalização dos mercados de trabalho e a pressão para a comparabilidade de graus académicos e estatutos profissionais face à mobilidade transnacional.

É neste quadro mais vasto que os jovens têm a expectativa de que um diploma do ensino superior corresponda a um sistema de remuneração adequado e de prestígio meritocrático e funcione como uma «porta» de entrada na obtenção do primeiro emprego e «proteção» face ao desemprego; por sua vez, as instituições do ensino superior (IES) tendem a assumir cada vez mais o «ónus» de ajustar a oferta à procura de trabalho e à preparação de perfis profissionais perante cenários de antecipação de futuros de trabalho. Ora, tanto os jovens como as IES são confrontados com a existência de sinais endémicos de menor correspondência entre educação e emprego, fruto da progressiva abertura, ambiguidade e flexibilidade dos sistemas educativo e económico.

A promoção da empregabilidade dos jovens diplomados tem vindo a exigir das IES mudanças significativas nas suas missões. Além da excelência de atuação na educação e investigação, as IES têm de diversificar as formas e os meios de tornarem evidentes os seus contributos para a formação da sociedade do conhecimento numa escala internacional e globalizada. Assiste-se a uma pressão cada vez maior na adequação da oferta formativa às exigências da economia digital, bem como ao desenvolvimento de infraestruturas e serviços orientados para a transição dos seus públicos diplomados para a atual racionalidade do mercado de trabalho. Tanto as universidades, politécnicos e centros de 18(13, como entidades empresariais, organismos do terceiro sector e instituições públicas, são convocados para participarem mais ativamente em redes de consórcio e equipas multidisciplinares, contribuindo para aumentar as vantagens competitivas de cada região e país num mercado global.

IES PARCEIRAS DO ESTUDO
Preparados para trabalhar? apresenta-se uma obra pioneira e inovadora em Portugal, ao conjugar a vertente de recolha sistemática de informação, com o envolvimento ativo das IES parceiras na mobilização de recursos cruciais para a sua realização (cf. Gráfico 1). Tal permitiu conceber um conjunto de objetivos ambiciosos, focados nas perceções e avaliações tanto dos jovens diplomados, como das entidades empregadoras. Igualmente, dotou-se as instituições de ensino superior parceiras de informação relevante para a sua atuação estratégica que permitisse potenciar a empregabilidade dos seus estudantes/diplomados e atuar, designadamente, ao nível dos conteúdos e estruturas curriculares, dos serviços de mediação e apoio à transição para o mercado de trabalho, da projeção de ofertas formativas futuras, entre outros aspetos.

A conceção da pesquisa ancorou-se em três eixos centrais: 1) sistematização dos projetos de promoção de competências transversais das IES parceiras do consórcio «Maior Empregabilidade»; 2) aplicação, a nível nacional, de dois questionários on-line (N=6444 diplomados e N=781 empregadores) focados na avaliação da formação académica e preparação de competências transversais na ótica dos diplomados e dos empregadores; 3) levantamento de narrativas sobre empregabilidade no âmbito dos 21 focus group realizados junto dos diplomados e empregadores das IES que integram este consórcio.

Por empregabilidade entende-se um conjunto de competências, conhecimentos e atributos pessoais que permita tornar os atores sociais bem-sucedidos no mercado de trabalho. Empregabilidade não é sinónimo de «ter emprego» nem constitui um indicador de «taxa de emprego», ou seja, exprime a ideia de capacitação dos jovens para o mercado de trabalho através de um conjunto de competências transversais. Estas são indissociáveis da ação e do contexto que as enquadra e que influencia o seu potencial de ativação e o seu poder de transferibilidade.
São, por isso, entendidas como o conjunto de competências pessoais e interpessoais — geralmente intituladas de soft skills — mas também de competências técnicas que podem ser utilizadas e que são importantes em múltiplas profissões, independentemente da área específica de conhecimento (Vieira e Marques, 2014:50).

«BOAS PRÁTICAS» DAS IES NA PROMOÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRANSVERSAIS
Foram analisados 78 projetos de promoção de competências transversais sinalizadas pelas IES definidos como «boas práticas», com destaque para a: 1) multidimensionalidade do projeto educativo nas dimensões formal, não formal e informal; ii) transversalidade e grau de replicabilidade das iniciativas nos diversos contextos das IES; iii) visibilidade de atores-chave, responsáveis institucionais, professores, estudantes e diplomados, antigos estudantes e stakeholders, no sentido de reforçar as sinergias do trabalho colaborativo no âmbito da comunidade académica.
Das iniciativas de educação não formal e informal refira-se a organização de workshops, feiras de emprego e formações de curta duração (de dois a três dias, ou até uma semana). Estas focaram-se em ações como preparação de um CV ou entrevista de recrutamento, incluindo ações de promoção da criatividade e concursos de ideias, entre outras. Paralelamente, são relevantes outras iniciativas de média duração, como estágios curriculares e profissionais e voluntariado, na preparação para o mercado de trabalho. Quanto ao registo de iniciativas integradas no âmbito da educação formal, ou seja, enquadrado no plano curricular, destaque para as unidades curriculares específicas sobre empreendedorismo focalizadas na elaboração de «plano de negócios» e «estratégias de marketing» ou outras vocacionadas para a «gestão de stress» e «dinâmicas de grupo».
Do balanço crítico destas iniciativas, sinalize-se o esforço das IES na capacitação dos diplomados na sua transição profissional enquanto trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores por conta própria (criação do próprio emprego/negócio), sendo comum a preocupação com a formação para uma cidadania ativa e responsável dos diplomados. Finaliza-se esta análise com recomendações para o desenvolvimento de futuras iniciativas ou projetos, como por exemplo: como antecipar «futuros profissionais» da atual geração? Como constituir bases de redes e parcerias de confiança e partilha contínua entre os atores-chave, no sentido de estabelecer dinâmicas de trabalho colaborativo num mundo globalizado e competitivo a uma escala internacional, nacional e regional/local?

RELEVÂNCIA DAS COMPETÊNCIAS TRANSVERSAIS
Neste estudo, foram identificadas 20 competências transversais, além da competência técnico-científica específica da área de formação, e organizadas em três grandes grupos, nomeadamente competências pessoais (e.g., adaptação e flexibilidade, criatividade e inovação), interpessoais (e.g., relacionamento interpessoal, trabalho em equipa) e técnicas (e.g., tecnologias da informação e da comunicação, domínio de línguas estrangeiras).
Antes de mais, importa referir que o(a) diplomado(a) avaliou positivamente o seu percurso académico e a importância dos estágios curriculares. Fica patente para a maioria do(a)s diplomado(a)s que um percurso académico com estágio curricular aumenta o seu grau de confiança em 10 competências transversais relevantes (cf. Gráfico 2).
Outra conclusão relevante a merecer a nossa atenção é a clara vantagem do investimento numa formação ao nível do mestrado, não só do ponto de vista do desenvolvimento de competências técnico-científicas mas da própria facilitação no acesso ao mercado de trabalho.
Já quanto às competências mais utilizadas na atividade profissional, são, sobretudo, Análise e resolução de problemas, Aprendizagem ao longo da vida, Trabalho em equipa, Adaptação e flexibilidade e Gestão do tempo; e aquelas em que o[a]s diplomado(a)s sente(m) mais confiança são: Aprendizagem ao longo da vida, Ética e responsabilidade social, Trabalho em equipa, Tecnologias de informação e comunicação e Escuta ativa.
Por sua vez, os empregadores avaliam positivamente a formação dos diplomado(a)s e o seu grau de preparação em todas as competências transversais e profissionais, sendo as cinco mais apontadas as seguintes: Tecnologias da informação e comunicação, Trabalho em equipa, Adaptação e flexibilidade, Aprendizagem ao longo da vida e Ética e responsabilidade social.
Por último, a comparação entre diplomado(a)s e empregadores quanto às competências transversais face ao futuro próximo reforça a convergência entre ambos na ordenação das quatro competências eleitas como as mais importantes: Análise e resolução de problemas, Criatividade e inovação, Adaptação e flexibilidade, e Planeamento e organização. Quanto à competência escolhida em 5.° lugar, os empregadores elegeram a Motivação para a excelência e os diplomados o Domínio de Línguas Estrangeiras.

ALGUMAS NARRATIVAS SOBRE EMPREGABILIDADE FUTURA
Na vertente qualitativa do estudo, a mudança mais significativa perante a instabilidade e precariedade dos mercados de trabalho e a globalização da economia passou a ser já não apenas a posse de um diploma, mas sobretudo a posse de um diploma empregável que funcione como um «ecrã» com informação prospetiva relevante que permita decidir sobre futuros recrutamentos por parte dos empregadores.
Nas narrativas sobre empregabilidade futura assinale-se a ênfase na dimensão comportamental, com destaque para «qualidades», «predisposições» e «traços de personalidade» e a inexistência de «emprego para toda a vida». Estas tendem a exprimir exigência de «atualização constante de conhecimentos e para toda a vida», «flexibilidade», «adaptação», «responsabilidade», «análise, pensamento estratégico e criatividade» e «humildade, espírito crítico e ética». Já os empregadores apontam traços como «orientação empresarial ou comercial», «intraempreendedorismo» e «empreendedorismo qualificado». As competências transversais tendem a ser alvo de uma subjetivação cada vez maior por parte do(a)s diplomado(a)s e empregadores, ainda que muitos deles não sejam capazes de definir bem quais os seus contornos:

- «Carácter, saber atender um telefone, saber transmitir a mensagem, comunicar bem, saber enviar um e-mail, compreender a legislação que é imposta à profissão, saber ler e interpretar aquilo que se lê.» (FG Diplomados.)

- «Não é fácil dizer quais são as caraterísticas, não é! (...) As competências que privilegiamos são a curiosidade, a inquietação, o domínio de idiomas, gostar do mundo empresarial, do trabalho em equipa. Há poucos (diplomados) com estas características todas, mas encontram-se alguns dentro daqueles que já tiveram estágio curricular ou profissional (...).» (FG Empregadores.)

Reforça-se imaterialidade e o carácter não prescritivo dos contextos de trabalho, com destaque para a importância de um mix de competências a mobilizar.

- «Envolve a equipa toda. Não temos propriamente funções definidas dentro da equipa mas trabalhamos muito em conjunto (...)» (FG Diplomados.)

Igualmente, fica patente a diferença geracional e a imprevisibilidade dos perfis procurados nos processos de recrutamento por parte dos empregadores:

- Há aqui uma clara diferença de gerações, uma das coisas que eu mais procuro, seja para que área for, é que tenham garra, que tenham desejo. (...) no meu caso, quando estou a selecionar tenho que sentir que estão quase raivosos, que têm desejo de me mostrar, de me provar que são mesmo aquilo que apresentam no portefólio (...)» (FG Empregadores.)

EM SÍNTESE...
Conhecer como se processa a transição da universidade para o mundo do trabalho permite-nos compreender as sociedades atuais, suas opções no domínio político, económico, educativo e cultural. Do estudo realizado pode-se concluir que a preparação do(a)s diplomado(a)s para o trabalho é positiva, tanto na perspetiva dos próprios como dos empregadores.
Porém, há um espaço amplo para a melhoria da preparação dos diplomados que poderá passar, nomeadamente: a) pela intensificação, por parte das IES, da utilização de práticas pedagógicas potenciadoras do desenvolvimento das competências transversais e profissionais identificadas neste estudo; b) pelo envolvimento do estudante em atividades extracurriculares; c) pela maior articulação entre o meio académico e o meio profissional, potenciadora de oportunidades que «levem o meio académico» para ambientes «profissionais» (por exemplo, através dos estágios curriculares em empresas) e que fomentem a movimentação também no sentido inverso — isto é, do meio «profissional» para o «académico» (Vieira e Marques, 2014: 37).