8.9.23

Exportar o futuro

Sebastião Bugalho, opinião, in Expresso


Para a geração nascida a seguir ao cavaquismo, ser português não tem sido um passeio no parque. A adolescência com Sócrates a primeiro-ministro, a maioridade com a troika no país, a entrada num mercado de trabalho com duas décadas de estagnação. Um jovem nascido em 1995 que tenha feito licenciatura e mestrado terá procurado o seu primeiro emprego em 2018; segundo um estudo do Banco de Portugal de 2019, entre o seu nascimento e o seu primeiro salário, o crescimento da economia em paridades de poder de compra mal existiu.

As repercussões desse drama atingem-nos hoje, tanto nos números da emigração qualificada para que alertou o primeiro-ministro na sua carta à Comissão Europeia (noticiada há dias por este jornal), como nas expectativas dessa geração em relação ao seu próprio futuro. Hoje, os luxos dos “mil-euristas” passam por coisas como oferecer uma prenda à mãe no Natal, pagar a ração do animal de estimação, pôr gasolina sem medo de ler “Não Autorizado” na caixa ou encontrar uma creche para o filho que permita manter uma carreira.

Não é só uma questão de PIB; é uma questão de esperança. A meses do cinquentenário da Democracia, a geração que ronda os 30 anos é provavelmente a primeira cujo sonho não é viver melhor do que os pais, mas simplesmente não viver muito pior. Sem rodeios: somos o país em que consultores de qualquer uma das big four de auditoria vivem em quartos arrendados.

O atual Governo não é certamente autor único da situação. O atraso português não é um atraso solitário face às adesões europeias que nos acompanharam antes da queda do Muro. O défice de produtividade é acentuado, mas não exclusivamente nosso. E não é preciso ler jornais ingleses para saber que não tivemos a primeira crise habitacional do pós-pandemia.

A geração que ronda os 30 anos é provavelmente a primeira cujo sonho não é viver melhor do que os pais, mas simplesmente não viver muito pior

Não foi António Costa que envelheceu, endividou ou desertificou Portugal, por mais criticável que o seu imobilismo seja. O facto de reconhecer — por escrito — o crescente número de cidadãos que já não concebe ficar no país que governa há oito anos é, francamente, um sinal de lucidez. Mas não só. É também a prova de que a governação por decreto e distribuição tem os seus limites.

No imaginário incumbente, a subida do salário mínimo e o aumento das qualificações correspondem a “reformas estruturais” na economia portuguesa. Sendo favorável a ambas, a verdade é que, por si só, não chegam. No limite, sem mais do que isso, caminharíamos para um país de doutoramento obrigatório e salário médio em tangente ao mínimo. Na prática, é esse risco que corremos. Universalizar o ensino superior sem uma economia suficientemente competitiva para valorizar devidamente essa qualificação. Subir o salário mínimo sem um mercado de trabalho capaz de aumentar o salário médio em paralelo. O resultado é estarmos cada vez mais qualificados, mas cada vez menos ricos. Com mais perspetiva, mas menos horizonte.

É isso que explica a “fuga de talentos” para outros países de que se queixa o Governo ou os 37% de recém-licenciados que perdemos anualmente desde 2016.

Convinha perguntarmo-nos, na medida em que as fronteiras estão abertas para os dois lados, por que são os nossos compatriotas a sair e não os nossos vizinhos a entrar. E a resposta, olhando a realidade, é clara. A atriz Beatriz Costa deu-a há anos na sua candura. “Já fui rica e já fui pobre. Gostei mais de ser rica”, sorriu.

O país que pode ser feito é um país onde um primeiro-ministro consiga dizer a si mesmo, em consciência, que os seus netos crescerão em Portugal. Sem mais riqueza, tal não passará de uma miragem. Até lá, os partidos políticos continuarão a proclamar convictamente que “os jovens são o futuro”. E não é mentira.

Só não serão o nosso.