A descida das temperaturas em Marrocos é agora mais uma preocupação para quem passou a quarta noite ao relento depois do sismo. As equipas de intervenção já só esperam recuperar corpos dos escombros.
20 quilómetros de Talat N’Yaaqoub, o trânsito avança num só sentido, demorado. O jipe de caixa aberta de seis amigos de Tahanout está paralisado na fila há 20 minutos, carregado de água, comida, sapatos. Abderrahim Bouaadi, 23 anos, está demasiado alerta para ficar tão parado. “O que esperamos é que a situação vá ficando cada vez mais grave quanto mais subirmos”, diz, em voz alta, mas como se se estivesse a preparar mentalmente para o que os aguarda nas aldeias mais remotas das montanhas do Atlas, onde a ajuda começa finalmente a chegar. Não precisaram de avançar muito mais. A aldeia a seguir está arrasada. “As pessoas estão a sofrer. Ajudar o outro é um valor da nossa religião — da humanidade, provavelmente. É por isso que vamos.”
Demora-se cinco horas a percorrer os 100 quilómetros entre Marraquexe e Talat N’Yaaqoub, uma comuna rural montanhosa na província de Al-Haouz, muito próxima do epicentro do terramoto que provocou 2852 mortes, no último balanço oficial.
A20 quilómetros de Talat N’Yaaqoub, o trânsito avança num só sentido, demorado. O jipe de caixa aberta de seis amigos de Tahanout está paralisado na fila há 20 minutos, carregado de água, comida, sapatos. Abderrahim Bouaadi, 23 anos, está demasiado alerta para ficar tão parado. “O que esperamos é que a situação vá ficando cada vez mais grave quanto mais subirmos”, diz, em voz alta, mas como se se estivesse a preparar mentalmente para o que os aguarda nas aldeias mais remotas das montanhas do Atlas, onde a ajuda começa finalmente a chegar. Não precisaram de avançar muito mais. A aldeia a seguir está arrasada. “As pessoas estão a sofrer. Ajudar o outro é um valor da nossa religião — da humanidade, provavelmente. É por isso que vamos.”
Demora-se cinco horas a percorrer os 100 quilómetros entre Marraquexe e Talat N’Yaaqoub, uma comuna rural montanhosa na província de Al-Haouz, muito próxima do epicentro do terramoto que provocou 2852 mortes, no último balanço oficial.
Ontem, as equipas de intervenção já só esperavam recuperar corpos dos escombros. Frente a eles, os familiares aguardam sentados em cadeiras de plástico brancas, olhando distraidamente para o céu quando ouvem mais um helicóptero ou drone de buscas. Já não esperam. “Parei de contar, foram muitos hoje”, desabafa um bombeiro que avança para o acampamento, para descansar. Não foi possível apurar quantas pessoas estão ainda desaparecidas.
Em algumas cidades rurais mais pequenas, como Asni, o exército montou tendas azuis e um hospital para a população que agora dorme à beira da estrada, junto às casas que desabaram nas escarpas.
Mais à frente, em Ouirgane, uma unidade de saúde móvel está prestes a abrir. Segundo o responsável do Ministério da Saúde marroquino, que ultimava os preparativos das salas de consulta, a unidade é um dos “vários hospitais civis e militares” que fazem triagem das vítimas, prestam primeiros socorros e ajuda social e psicológica nas aldeias das montanhas do Atlas. “O mais importante é salvar as pessoas, tratá-las bem, dar-lhes medicamentos e apoio psicológico. Tudo o resto são problemas para esquecer”, disse, ao lado dos médicos e enfermeiros que esperavam para saber para onde seriam destacados.
Minutos depois, chega a primeira paciente: uma mulher grávida entra apoiada no marido, que leva o filho pela outra mão. Em frente, um casal de médicos alemães, a viver em Espanha, aguardam para saber se precisam e aceitam ajuda.
Na estrada que acompanha o vale do rio Nfis, passam de um lado para o outro camiões do exército com militares, ambulâncias de sirenes e piscas ligados e carrinhas Mercedes com mantimentos no tejadilho, que as motas vão agilmente serpenteando. Os carros levam malas cheias de khobzs, pães achatados empilhados como discos.
A descida das temperaturas é agora mais uma preocupação para as pessoas que passaram a quarta noite ao relento. “Disseram que a terra da montanha aquece e nos manterá quentes e é por isso que estamos aqui”, comenta Maryam Malal, 25 anos, uma professora primária de Agadir que voltou à aldeia onde cresceu depois do sismo para ajudar a prima, que tem na tenda improvisada de madeira e panos uma bebé de 15 dias, Maria. “Precisamos de ajuda para reconstruir as casas. Porque podemos trazer comida, mas muitos perderam as casas e são pobres, muito pobres, não as conseguem reconstruir.”
Os marroquinos que ficaram com a casa danificada ou destruída esperam que o rei Mohamed VI cumpra a promessa de criar um programa de emergência para a reconstrução de habitações, muitas delas construções de terra, um método tradicional de que as populações nativas se orgulham.
Em Talat N’Yaaqoub, um homem de casaco preto anda às voltas, mãos cruzadas atrás das costas e cabeça baixa. “É o meu pai que está ali em baixo”, grita, quando as equipas de resgate sinalizam que encontraram mais duas pessoas. O resto acontece tudo muito rápido: dezenas de homens formam um comboio que passa o mais rápido possível por todos os que assistem, expectantes. No meio levam uma maca com um corpo tapado por um lençol e uma multidão segue-os até à ambulância onde se certificam que a maca é cuidadosamente colocada e levada para longe. Depois, só ficam os choros.
No mesmo descampado onde famílias e vizinhos se abraçaram, dois helicópteros militares aterram à vez para transportarem para os hospitais os feridos mais graves, pó a voar por todo o lado quando levantam. Já de noite, um militar refugia-se da confusão e, sentado no que era a entrada da casa de alguém, tira as botas, o boné, exala e dá um golo no chá. Por trás dele, as ambulâncias continuam a chegar e a partir. Ele calça as botas, puxa o fecho, e vai também.
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