12.9.23

BCE prepara reunião decisiva, com alguns falcões a roçar a recessão: conheça os dilemas para subir ou travar os juros

Jorge Nascimento Rodrigues Jornalista, in Expresso


O conselho do Banco Central Europeu está numa encruzilhada: subir juros uma vez mais ou fazer uma pausa a 14 de setembro. Os ‘falcões’ têm larga maioria, mas há divergências entre eles. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, recupera direito de voto até final do ano. Já Joachim Nagel, presidente do Bundesbank alemão, não vota esta quinta-feira


O Banco Central Europeu (BCE) volta a reunir o seu conselho para decidir sobre política monetária a 14 de setembro. Na próxima quinta-feira tem em cima da mesa, pela primeira vez, duas opções: subir pela décima vez os juros ou fazer uma pausa, pela primeira vez desde que iniciou o ciclo de aperto monetário em julho do ano passado.

Os analistas falam de uma encruzilhada, com o conselho do BCE pressionado, por um lado, pela continuação da inflação acima de 5%, e, por outro, pelos sinais cada vez mais fortes do risco de estagnação na zona euro. Nos mercados, os futuros apontam para uma probabilidade de 60% no sentido de uma maioria a favor da paragem no aumento dos juros na próxima quinta-feira.


Apesar das atas da última reunião em julho revelarem que foi aconselhado a que a estratégia comunicacional não atribuísse “demasiada importância” à reunião de 14 de setembro, o que é certo é que, mos mercados, é tida como decisiva este ano. Aliás, um dos ‘falcões’ do conselho do BCE, Klaas Knot, governador do Banco Central dos Países Baixos (Nederlandsche Bank), dizia na semana passada que “em certo sentido é uma reunião crucial” e que a decisão “vai ser muito renhida”.

Nas primeiras decisões tomadas por bancos centrais em setembro, o Banco da Reserva da Austrália e o Banco do Canadá optaram por manter a pausa na subida dos juros.

ENCRUZILHADA DE OPÇÕES

As três últimas reuniões do ano do BCE enfrentam uma encruzilhada: continuar a subir os juros ou, em alguma delas, optar por uma pausa, temporária ou mais prolongada. O conselho do BCE sofre duas pressões de sinal contrário. Por um lado, a inflação na zona euro continua elevada, tendo estabilizado em 5,3% em julho e agosto, integrando nove economias com os níveis acima dessa média. Mas, por outro, acumulam-se os sinais de que uma aterragem suave na zona euro é cada vez menos provável.

Nas previsões avançadas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo BCE em julho, o crescimento este ano na zona euro abrandaria para 0,9% e a Alemanha, a principal economia da área da moeda única, registaria uma recessão ligeira de 0,3%.

Esta segunda-feira, a Comissão Europeia avançou com um crescimento de 0,8%, nas suas previsões intercalares de verão, cortando em três décimas a previsão avançada em maio. Bruxelas aponta para uma recessão de 0,4% na Alemanha e um crescimento muito fraco de 0,5% nos Países Baixos.

A expectativa centra-se, agora, nas novas previsões macroeconómicas que Philip Lane, o economista-chefe do BCE, vai apresentar na próxima quinta-feira.

A pressão de uma inflação mais alta que exige ainda mais aperto monetário domina seis economias do euro com taxas acima de 6% em agosto, entre elas, a Alemanha e a Áustria, com chefes dos bancos centrais que são tidos como parte do núcleo duro de ‘falcões’ mais intransigentes.

Por outro lado, oito economias do euro registam uma situação anómala na sua curva de juros da dívida pública, com as yields a 2 anos superiores às verificadas a 10 anos no mercado secundário, o que é tido como um sinal antecipado de recessão. Sete dessas economias com a ‘curva invertida’ (como é designada tecnicamente) têm bancos centrais chefiados por ‘falcões’ intransigentes, nomeadamente Alemanha, Áustria, Bélgica e Países Baixos. O que revela que a opção de voto a tomar por muitos ‘falcões’ não é fácil.

‘FALCÕES’ COM LARGA MAIORIA

No entanto, os ‘falcões’ estão em larga maioria no conselho do BCE. Só contando governadores e presidentes dos bancos centrais nacionais, a correlação de forças é de 14 ‘falcões’ para seis ‘pombas’ (nas quais se inclui Mário Centeno, governador do Banco de Portugal), segundo o levantamento regular feito pelo portal InTouch Capital Markets. Na reunião de 14 de setembro, contando apenas quem vota no grupo dos bancos centrais nacionais, a relação é de 11 ‘falcões’ para 4 ‘pombas’ (os governadores dos bancos centrais de Espanha, Chipre, Itália e Portugal).

No mercado, as probabilidades apontam para uma pausa em setembro (60%), seguida de um regresso a subidas nas duas reuniões seguintes, que colhem 55% de probabilidade para a reunião de 26 de outubro e 58% para a de 14 de dezembro.


Na reunião de 14 de setembro, contando apenas quem vota no grupo dos bancos centrais nacionais, a relação é de 11 ‘falcões’ para 4 ‘pombas’ (os governadores dos bancos centrais de Espanha, Chipre, Itália e Portugal).

Nas declarações proferidas durante o verão pelos que votam em setembro, o holandês Knot avançou que “uma nova subida é uma possibilidade, mas não uma certeza”. Robert Holzmann, do Banco central da Áustria (Oesterreichische Nationalbank), um dos ‘falcões’ mais duros, adiantou que “ainda não tomei uma decisão, porque ainda não tenho todos os dados”. Mas logo adiantou que “não excluo que me decida por uma subida”, ou mesmo “por mais uma ou duas”.

O letão Martins Kazaks e o eslovaco Peter Kazimir inclinam-se para uma subida modesta (de 25 pontos-base) em setembro e depois fazer uma pausa. Entre os ‘falcões’ mais moderados, o governador do Banco de França, François Villeroy de Galhau, expressou a posição mais conciliadora: “Acredito que estamos perto ou muito perto do pico das taxas de juro. Manter as taxas por tempo suficiente conta mais do que as subir significativamente de novo”.

Nas posições mais vocais entre as ‘pombas’, destacaram-se Yannis Stournaras, do banco central helénico, e Mário Centeno, do Banco de Portugal. O grego repetiu que “não devemos continuar a subir as taxas”, admitindo “um período longo de pausa”. Contudo, Stournaras não vota a 14 de setembro. Entre os que votam, sobressaíram as declarações recentes de Centeno, onde em uma análise publicada pelo próprio Banco de Portugal, afirmou que “na dimensão monetária, o risco de fazer de mais começa a ser material”. Em português corrente: aumentar mais os juros começa a ser claramente um risco.

Com direito de voto permanente estão os seis membros da comissão executiva. Dois são tidos como ‘falcões’ (a alemã Isabel Schnabel e o holandês Frank Helderson) e outros dois como ‘pombas’ (o irlandês Philip Lane e o italiano Fabio Panetta). Na charneira, a autointitulada ‘coruja’ Christine Lagarde, a presidente do BCE, e o vice-presidente, o espanhol Luis de Guindos. A decisão final vai depender da capacidade de Lane, o economista-chefe, para sustentar tecnicamente as medidas que obtenham um apoio maioritário ou mesmo um consenso, e da gestão do risco e dos consensos políticos por Lagarde.






NÃO FALTAM ARGUMENTOS A FAVOR DE UMA SUBIDA DOS JUROS

Na balança de argumentos, as razões para manter o ciclo de aumento dos juros dominam largamente, explica o economista francês Eric Dor, diretor de estudos económicos do IESEG School of Management de Paris. Há ainda muitos factores inflacionistas em curso.

O nível ainda elevado da inflação e, em particular da inflação subjacente (excluindo as componentes mais voláteis da alimentação, energia, álcool e tabaco), acima de 5% é um argumento forte. A subida de preços na alimentação ainda está perto de 10%. A que acresce que nove economias do euro registam níveis de inflação acima da média da zona euro, entre elas a Alemanha, França e Itália.

Nas previsões avançadas esta segunda-feira pela Comissão Europeia, a inflação média anual este ano será de 5,6% e no final do próximo ano ainda estará em 2,9%, acima da meta de estabilidade de preços (2%) do BCE.

A incerteza sobre os preços da energia regressou, salienta Dor. A cotação do barril de Brent (de referência na Europa) subiu 21% entre 1 de junho e 11 de setembro. As decisões do novo cartel OPEP+ liderado pela Arábia Saudita e pela Rússia em cortar na produção estão, de novo, a pressionar os preços do petróleo em alta. “O que, depois de um certo atraso, provocará uma subida nos preços do óleo de aquecimento e dos combustíveis na bomba”, refere o economista francês.

Continua a acelerar-se a queda da produtividade na zona euro. No primeiro trimestre, medida em termos reais por hora trabalhada, caiu 0,9% em termos homólogos (em relação ao mesmo trimestre do ano passado), segundo o Eurostat. “Isto é inflacionista, pois uma descida do crescimento da produtividade implica que, para a mesma taxa de crescimento dos salários nominais, a subida do custos unitário do trabalho é superior”, explica Eric Dor.

A desvalorização do euro face ao dólar a que estamos a assistir no segundo semestre também não ajuda. O euro depreciou-se em 1,7% desde o final de junho. “Isto também é inflacionista, pois aumenta o preço em euros das importações cuja cotação é determinada em dólares”, adianta o economista.

Finalmente, a subida dos salários na zona euro no primeiro semestre deste ano está a ter um efeito de aceleração do aumento dos custos unitários de trabalho: o aumento trimestral saltou de 5% entre outubro a dezembro do ano passado para 6,83% entre abril e junho deste ano. No caso de Portugal, o aumento é superior à média da zona euro.

No outro prato da balança, podem elencar-se: o horizonte de franco abrandamento da economia da zona euro (reforçado pela previsão avançada esta segunda-feira por Bruxelas), o aperto monetário acumulado de 425 pontos-base com efeitos já visíveis no recuo do crédito à economia (empresas e famílias), a turbulência bolsista nos últimos três meses (com o índice para a zona euro a cair 5%), particularmente acentuada na Alemanha e nos Países Baixos, e os níveis altos de prémios de risco para a dívida pública de nove economias do euro com spreads acima de 100 pontos-base (1 ponto percentual em relação ao custo de financiar a dívida alemã).
COMO SE VOTA NO CONSELHO DO BCE

O sistema de votações no conselho do BCE é complexo. Há uma regra de rotatividade para o voto mensal para os governadores e presidente dos bancos centrais nacionais. As cinco maiores economias - Alemanha, França, Itália, Espanha e Países Baixos - têm quatro direitos de voto por mês e as restantes 15 - onde se inclui Portugal - podem usar 11 votos por mês. Os membros da comissão executiva votam sempre.

No entanto, as reuniões de política monetária - onde se decidem as taxas de juro e as medidas de aquisição ou venda da carteira de títulos - não são mensais, realizam-se oito vezes por ano, pelo que há uma matriz de votações.

Por exemplo, na reunião de 14 de setembro vota Mário Centeno, do Banco de Portugal, que não votou nas duas reuniões anteriores de junho e julho, mas não vota Joachim Nagel, do banco central alemão. Centeno vota também nas duas últimas reuniões do ano em outubro e dezembro.