Não tardará até dizerem que andámos a temperar acima das nossas possibilidades e que é imperativo cortarmos nas gorduras vegetais do Estado
Vivemos temperos conturbados. Nos supermercados, há garrafas de 750ml de azeite a serem vendidas a 13 euros. A produção deste óleo caiu nos países mediterrânicos e os preços dispararam nas últimas semanas. A falta de chuva, as temperaturas elevadas e o granizo estão a dizimar as produções de azeitona. Pura e simplesmente, está a deixar de haver produto para vender. Esta é claramente a notícia mais angustiante do momento. Ainda assim, passámos a semana a discutir, não a explosão do preço do óleo extraído da azeitona, mas a reunião do Conselho de Estado em que o primeiro-ministro estava com os azeites.
É o nosso modo de vida que está em causa. O azeite era, para os portugueses, o produto de luxo que não tinha um preço exorbitante. Agora, tudo mudará. Os galheteiros, por segurança, serão fixados às mesas dos restaurantes. O vinagrete tornar-se-á, sobretudo, vinagre. O polvo à lagareiro será proibido. O natalício “Bacalhau com Todos” passará a chamar-se “Bacalhau com Todos Menos Com o Azeite”.
Iniciar-se-á uma caça às bruxas. O Ministério Público abrirá inquéritos para investigar usos abusivos deste óleo. O leitor lembra-se daquela vez em que, ao fritar um bife do pojadouro, deitou demasiado azeite na frigideira, sendo obrigado a retirar o excesso? Irão certamente atrás de si. Pessoas que têm por hábito temperar peixe fresco grelhado com um dispensável fio de azeite? Livrem-se das provas, uma vez que arriscam pena de prisão efetiva.
Não sei se o Governo tem noção, mas o país está por um fio de azeite. Aumenta vertiginosamente o preço da gasolina? Anda-se mais devagar. Aumenta vertiginosamente o preço da eletricidade e do gás? Veste-se mais uma malhinha. Aumenta vertiginosamente o preço do azeite? O país entrará em profunda convulsão social, em estado de sítio, quiçá numa guerra civil que culminará com a subida ao poder de um líder autocrático que tenha Oliveira no nome.
O azeite está caro, o prémio do Big Brother aumentou, o preço no metro quadrado nos Olivais está em máximos. Com as alterações climáticas, previam-se as guerras da água, mas o azeite veio ao de cima. Neste momento, haverá milhares de famílias portuguesas a tentar reconectar com um tio-avô que costumava oferecer um garrafão de 5L. Em Espanha, há fundos de capital de risco a lucrar 20% ao ano com a escassez do produto. O óleo de azeitona tornou-se uma mercadoria tão valiosa que não seria absurdo criar a bolsa de valores de Valpaços e a Wall Street de Ferreira do Alentejo.
A responsabilidade política é, mais do que nunca, essencial: Marcelo Rebelo de Sousa terá de ter pudor ao visitar feiras de produtos regionais. Os portugueses não lhe perdoarão se for apanhado a molhar o pão no azeite. A verdade é que este problema não tem soluções fáceis. Ao contrário da Assembleia da República, o azeite não se dissolve.
Entretanto, já se fala em recessão. Não tardará até dizerem que andámos a temperar acima das nossas possibilidades e que é imperativo cortarmos nas gorduras vegetais do Estado. A crise grassará aqui, em Espanha, em Itália e na Grécia. Os países do centro e Norte da Europa culparão a dieta mediterrânica e tentarão forçar-nos a utilizar manteiga no refogado. Estamos completamente esturgidos. Valha-nos extra-virgem Maria.


