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22.8.23

Famílias ciganas de Beja vivem em barracas, mas animais dispõem de novas instalações

Carlos Dias, in Público


Autarca de Beja critica visitas de membros do Governo às famílias ciganas, alegando que as deslocações criam expectativas que ao fim de algum tempo se desvanecem.


Bairro das Pedreiras, em Beja. O que se observa no dia-a-dia da comunidade cigana é em tudo idêntico ao que se observa nos campos de refugiados na Grécia, Itália e França: um amontoado de 80 barracas e de 50 casas insalubres e exíguas, lixo acumulado, ervas e matos secos (o habitat ideal onde se multiplicam cobras e ratos), tudo isto acrescido de um calor tórrido, sufocante (38º no último domingo), a falta de água — quando o principal uso previsto na lei é o consumo humano —, que se traduz num prolongado caos social. Cerca de um milhar de pessoas, entre as quais mais de 200 crianças, estão forçadas a viver num “gueto” em condições infra-humanas desde 2005. São refugiados no país onde nasceram perante o alheamento dos autarcas do Baixo Alentejo e de sucessivos governos.

A realidade acabada de descrever contrasta com as condições proporcionadas a cerca de 200 cães e 160 gatos após a requalificação do Canil-Gatil de Beja inaugurado em Dezembro passado. Com a melhoria das condições de acolhimento os animais, as instalações disponibilizam “40 novas boxes para cães, uma nova zona de recreio, duas áreas de armazenamento e lavandaria, um espaço de quarentena e um parque para treinos de perícia e obediência, orientados para a diminuição do stress e a melhoria do comportamento dos animais.”

O canil-gatil que acolhe os cães e gatos dos concelhos de Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Barrancos, Beja, Castro Verde, Moura, Mourão, Ourique, Reguengos de Monsaraz, Serpa e Vidigueira faculta “quatro tratadores de animais, uma auxiliar de veterinária, um treinador e 12 médicos veterinários municipais”. Este projecto exigiu um investimento de 350 mil euros. Marcelo Guerreiro, presidente do conselho de administração da Resialentejo, organismo que acolhe o Canil-Gatil de Beja no aterro intermunicipal, realçou, durante a inauguração do novo equipamento, que este “responde às necessidades de acolhimento de cães e gatos abandonados ou a necessitar de cuidados especiais no quadro da legislação em vigor.”

Famílias ciganas de Beja vivem em barracas, mas animais dispõem de novas instalações
Marcelo Guerreiro, que também é presidente da Câmara de Ourique, referiu ainda que a iniciativa dos autarcas satisfaz as necessidades de acolhimento, “mas será sempre insuficiente se não existir uma maior consciência cívica”. A decisão de requalificar o Canil-Gatil de Beja, que esteve instalado quase duas décadas paredes meias com o Bairro das Pedreiras, vem colmatar as consequências da negligência dos que abandonam os animais porque vão de férias ou porque se fartam deles. Uma preocupação que tarda em estender-se aos humanos ali ao lado.


Um gueto

Conhecedores dos graves problemas sociais que persistem no Bairro das Pedreiras, e se estende a quase todo o distrito de Beja, os autarcas que integram a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (CIMBAL) e o Governo central tardam em consensualizar um modo de atenuar um flagelo social com projecção internacional, e que já conduziu à condenação do Estado português, em Junho de 2011, por violação da Carta Social Europeia.

Em 2010, a alta-comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural, Rosário Farmhouse, comentou ao PÚBLICO a solução encontrada para alojar as famílias ciganas: “Não foi feliz e acabou por criar um gueto” concluiu.


O projecto que a Câmara de Beja aprovou no início do novo milénio concebia habitações designadas “evolutivas”, em tudo semelhantes ao modelo seguido nos parques nómadas espanhóis. Cada casa tem uma sala comum, uma cozinha e um quarto, mas a estrutura deveria estar preparada para receber novos módulos, à medida que o agregado familiar for crescendo.


Posteriormente, em Outubro de 2005, a autarquia fez questão de assumir que o parque não seria evolutivo “nem permitidas seriam construções anexas de qualquer espécie.”

As 50 habitações do bairro onde estarão a viver, neste momento, cerca de 500 pessoas têm todas a mesma configuração e o mesmo número de divisões: um quarto, uma casa de banho e uma sala. É neste espaço com cerca de 50 metros quadrados de área que se amontoam agregados familiares com oito, nove e até 12 elementos. No único quarto que as casas dispõem, são inúmeros os exemplos observados pelo PÚBLICO de “camas” amontoadas — um eufemismo para os cobertores que, à noite, são estendidos no chão.


Mónica da Silva Reis, residente no Bairro das Pedreiras, explicou ao PÚBLICO por que cresceu o número de barracas: “As casas estão cheias e os filhos têm de vir cá para fora.”

Deste equipamento (parque nómada) faz parte um espaço com cerca de um hectare destinado a acolher, temporariamente, as famílias nómadas que andam em itinerância pelo Alentejo. Com o decorrer dos anos, este modelo de integração foi completamente desvirtuado e transformado num permanente foco de conflitos de difícil gestão para Câmara de Beja, que acabou por perder o controlo da situação com a instalação progressiva de barracas.

Algumas das famílias são descendentes das que vivem nas casas construídas pelo município de Beja e que registam altas taxas de natalidade. Os fogos construídos depressa se revelaram exíguos com o crescimento do agregado familiar.


O parque nómada, projectado para ter ligações eléctricas, instalações sanitárias, água canalizada, sistemas de iluminação, recolha de lixos, e espaço para as suas tendas, animais e viaturas, e uma vedação para separar as famílias nómadas das que tinham optado pela sedentarização, ficou pelo caminho e o crescimento exponencial de residentes no Bairro das Pedreiras faz com que o ambiente se torne explosivo.

“Comparação injusta”

“É completamente injusto que se façam comparações entre o que se investe num canil-gatil e os bairros sociais.” A afirmação foi proferida por Paulo Arsénio, presidente da Câmara de Beja quando questionado pelo PÚBLICO sobre a falta de resposta dos autarcas que integram a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (CIMBAL) para minorar as condições degradantes em que está alojada a comunidade cigana no Bairro das Pedreiras.

O autarca justifica a requalificação no canil-gatil argumentando que a nova legislação aprovada há dois anos “não permite eutanasiar os animais”, constrangimento que obriga à criação de espaços cada vez maiores “por não haver lugar para tantos cães e gatos”. Uma situação que considera “complicada”, sobretudo para os gatos, por se “reproduzirem de uma maneira intensa.”


Mas no Bairro das Pedreiras o problema permanece sem solução. Conhecedores desta realidade, os autarcas e sucessivos Governos tardam em consensualizar um modo de atenuar um flagelo social com projecção internacional, e que já conduziu à condenação do Estado português, em Junho de 2011, por violação da Carta Social Europeia.

O autarca garante que a câmara “tenta promover a integração da comunidade através do ensino e da aprendizagem, através da escolarização para os menores”, acrescentando ainda que há uma “proximidade” entre a autarquia os residentes no bairro, mas há problemas que persistem: “Entendemos que a comunidade, através da integração laboral e outras, tem de assumir uma palavra própria para a sua integração.”

Contudo, “não está na perspectiva do município construir um bairro para substituir as barracas que existem no bairro”, sublinha Paulo Arsénio, endereçando a resposta a este problema ao Governo central, alegando que a autarquia não tem meios para alojar as famílias ciganas, que se concentram em Beja vindos dos mais variados pontos do Alentejo e até de fora da região, na expectativa de poder receber uma casa.

O autarca mostra-se desagradado com a recente visita da secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues, ao Bairro das Pedreiras, visita essa que não teve a presença de representantes autárquicos. Os secretários de Estado ou ministros que se desloquem ao bairro “têm de ser muito cautelosos com as visitas que fazem”, adverte o autarca de Beja, frisando que as deslocações “podem ser entendidas para conhecer a realidade, mas acabam por criar expectativas e, ao fim de algum tempo, essas expectativas esvaziam-se”, conclui o autarca de Beja.

[artigo disponível na íntegra só para assinantes]


5.7.23

Responsável pastoral dos ciganos: ​“Habitação tem sido levianamente considerada"

Henrique Cunha, in RR


Diretor executivo da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos garante que a “falta de habitação está na base da pobreza” da comunidade cigana em Portugal e critica inação, “quer a nível nacional, quer ao nível autárquico”.

O responsável pastoral dos ciganos diz que a questão da habitação é o grande problema a resolver no que toca à comunidade discriminada.

Em declarações à Renascença, Francisco Monteiro destaca que cerca de “60 mil pessoas de etnia cigana” vivem em Portugal, a que se junta “o crescimento dos populismos no nosso país”.

“A fidelidade à cultura cigana é uma barreira à inclusão por parte dos populismos que têm tanto sucesso politicamente”, adianta o responsável.


Francisco Monteiro afirma que essas barreiras “contrariam a vocação de um cristão de promoção do acolhimento, de abertura e de interculturalidade”.

Por outro lado, o diretor executivo da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos alerta para a realidade de cerca de 40 famílias “compulsivamente nómadas”, sobretudo no Alentejo.

O responsável fala “daquelas famílias que são expulsas sistematicamente de terra em terra, embora pertençam a essa terra pelo vínculo da Segurança Social da Saúde ou da escola”. “Porque normalmente não têm dinheiro para ter uma casa ou para ter um terreno não lhes é permitida a permanência”, explica. “Eles não são de cá, nós não os queremos cá, é o que se ouve na maioria das situações”, acrescenta.

Francisco Monteiro garante que este tipo de comportamento “é condenado ao nível da União Europeia e ao nível das Nações Unidas, e cá em Portugal isto vai andando assim”. “É o pior cancro da sociedade portuguesa que se diz preocupada com o social, e com a pobreza”, lamenta.
"É preciso chegar à realidade"

O responsável saúda o estudo científico sobre a situação socioeconómica dos ciganos em Portugal que resultará do protocolo que o Conselho Económico e Social, a Fundação para a Ciência e Tecnologia e o Alto Comissariado para as Migrações assinam esta tarde.

Contudo, Francisco Monteiro alerta para a necessidade deste tipo de iniciativa ter consequências. "É muito importante que se estude a etnia cigana, mas é preciso chegar à realidade e resolver os problemas concretos", defende.

31.3.23

Amnistia Internacional assinala violações dos direitos dos migrantes e à habitação em Portugal

Pedro Xavier, in Rádio Geice

As “milhares de pessoas” que vivem em habitações sem condições e a exploração de trabalhadores migrantes do setor agrícola são problemas destacados em relação a Portugal no relatório da Amnistia Internacional (AI) 2022/23 divulgado hoje.

A organização de defesa dos direitos humanos refere ser igualmente preocupante a “brutalidade policial” no país, problema que tem vindo a assinalar há vários anos, assim como o facto de continuarem a ser “inadequadas as salvaguardas contra a violência baseada no género”.

O Relatório 2022/23 da Amnistia Internacional: O Estado dos Direitos Humanos no Mundo assinala ainda que Portugal falha também no combate à crise climática e à degradação ambiental.

O governo (português) tomou medidas insuficientes para melhorar as condições habitacionais e garantir habitação acessível suficiente, apesar dos dados divulgados no final de 2021 mostrarem que mais de 38.000 pessoas precisavam de casa”, indica o relatório, referindo também “relatos de despejos forçados” que deixaram algumas pessoas sem-teto, uma situação que, segundo a AI, “afetou desproporcionalmente ciganos e afrodescendentes”.

Em relação aos direitos dos refugiados e migrantes, o trabalho recorda as reportagens jornalísticas que “expuseram condições de trabalho abusivas e habitações inadequadas” de empregados no setor agrícola na região de Odemira, principalmente de países do sul da Ásia.

“Em junho, o Grupo de Peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos (do Conselho da Europa), que visitou o país em 2021, notou que o tipo de exploração mais comum continuava a ser a laboral, afetando especialmente os setores agrícola e de restauração”.

A organização com sede em Londres indica, por outro lado, que em julho de 2022 e após a revisão periódica de Portugal, o Comité da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher considerou insuficientes quer a legislação, quer os serviços para lidar com a violência de género contra as mulheres, expressando preocupação “com as taxas de abandono escolar entre as raparigas ciganas devido a casamentos infantis e/ou forçados e gravidez precoce”, questões que, observou, “eram muitas vezes ignoradas pelas autoridades”.

Sobre as alterações climáticas, a AI assinala que “mais de 1000 pessoas morreram de causas relacionadas com ondas de calor extremas” em Portugal no ano passado, bem como o facto de 60,4% do país ter registado seca severa e 39,6% seca extrema.

Segundo a ONG, o relator especial da ONU para os Direitos Humanos e o Meio Ambiente declarou em setembro, após uma visita a Portugal, que “as autoridades precisavam de acelerar o ritmo de ação para enfrentar, em particular, a poluição do ar e a gestão de resíduos e prevenir incêndios florestais”.

O relatório da AI sobre o ano passado realça “a existência de dois pesos e duas medidas em todo o mundo em matéria de direitos humanos e a incapacidade da comunidade internacional se unir de forma consistente na proteção dos direitos humanos e dos valores universais”.

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada há 75 anos, a partir das cinzas da Segunda Guerra Mundial. A sua essência é o reconhecimento universal de que todas as pessoas têm direitos e liberdades fundamentais. Mesmo que a dinâmica do poder global esteja um verdadeiro caos, os direitos humanos não podem ser perdidos na desordem. Por outro lado, são os direitos humanos que devem guiar o mundo à medida que se multiplicam os contextos cada vez mais instáveis e perigosos. Não podemos esperar que o mundo volte a arder“, diz Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, citada num comunicado de divulgação do relatório.