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10.9.21

Artista Miguel Januário (±maismenos±) levou o mundo polarizado para a galeria Underdogs

in JN

O artista Miguel Januário (±maismenos±) inaugura hoje, na galeria Underdogs, em Lisboa, uma exposição em que o visitante é convidado a escolher um lado, acabando por fazer com que haja duas formas diferentes de ver a mostra.

"Yes or No Future" ("Sim ou Não há Futuro", tradução livre em português), que se insere no projeto ±maismenos±, que Miguel Januário desenvolve há vários anos e reflete sobre o modelo de organização política, social e económica que gere a vida nas sociedades atuais, tem duas leituras, ou três para quem quiser ficar confuso, e a escolha é feita logo à entrada.

"O título [da mostra] já traz em si um duplo significado, que é a ideia de um futuro binário, um futuro 'sim ou não', polarizado. Ou a ideia de dizer 'sim', com um sentido que é autoritário, que é 'sim, ou não há futuro'", explicou à agência Lusa, durante uma visita à exposição.

Quem entra na galeria é convidado a escolher entre os dois lados, que estão materializados em óculos, uns com lentes azuis e outros com lentes vermelhas, que permitirão que se faça leituras diferentes das mesmas obras.

Esta escolha faz com que haja "duas formas de ver a exposição". "Ou três, se não escolheres", disse, acrescentando que "quem está no meio das duas perspetivas fica confuso".

Segundo o artista, "quem escolher o sim acaba por ser mais submisso àquilo que é a realidade, ao sistema, a aceitar mais o sistema" e, "quem diz não, vê um pouco o lado de lá da realidade que é proposta hoje em dia, na sociedade".

Nos novos trabalhos que apresenta, o artista e designer gráfico toca "vários temas, do Mercado, da Comunicação, da Publicidade, da Economia e da Política".

"No fundo, isto acaba por ser uma crítica à sociedade polarizada que vivemos, a esta sociedade dos populismos, das divisões, que, do meu ponto de vista, se tem vindo a reforçar, desde o início deste século, até do final do século passado. Mais ou menos desde a queda do Muro de Berlim [em 1989] que isso se tem acentuado", referiu o artista.

Para Miguel Januário, "com a pandemia isso vai ser muito mais presente, muito mais visível".

Em "Yes or No Future", há vários tipo de peças, "com abordagens muito diferentes em termos de linguagens e de materiais", e na maioria estão frases e expressões sobrepostas que dão as tais leituras diferentes de uma mesma obra.

Há um conjunto de obras que refletem mais sobre Comunicação: "Sobre a forma como comunicamos, daí estarem com este aspeto de mupi de rua iluminado, e terem dois lados - um lado mais floreado da Publicidade e da Comunicação, em que todos podemos ser espetaculares se usarmos aquelas marcas; e outro da luta, da intervenção, do compromisso com a transformação social", descreveu.

Em cada uma das peças há "duas realidades que se sobrepõem: uma mais fantasiosa da beleza e da estética e outra mais de luta, de intervenção, também ela muitas vezes transformada em floreado".

Numa outra peça, em cimento, Miguel Januário escreveu a definição de "Entropia Social", que ficou por baixo de uma série de cartazes, que, tal como nas ruas, vão cobrindo muros com várias camadas de papel.

Nessas camadas, cortou as palavras Lei e Ordem, "os mecanismos que impedem a entropia social, através do uso da violência, do exército, das autoridades" e, para conseguir ler-se a definição daquela expressão, é necessário recorrer a um telemóvel.

Uma das paredes da galeria ficou parcialmente ocupada com uma série de palavras -- Liberdade, Esperança, Respeito, Justiça ou Tolerância -, através das quais é feita uma "alusão ao mercado de valores, mas dos valores humanos". "Tudo o que é valor humano transformou-se em valor económico", referiu o artista sobre a peça onde, atrás de cada palavra, estão números que vão mudando, subindo e descendo, tal como quadros nas bolsas de valores de Lisboa ou Nova Iorque.

A mostra inclui também, entre outras, uma peça de vídeo, onde dois vídeos são sobrepostos - um com imagens de publicidade, entretenimento, espetáculo, futebol, desporto e outro de guerra, manifestações, protestos - "com lógica, dando dois lados da realidade", que são distinguidos, mais uma vez, com recursos aos óculos escolhidos à entrada.

No meio da galeria foram colocadas duas peças que deverão fazer as delícias das crianças, um balancé e um pequeno carrossel, e que são "um resumo da exposição": "Os vermelhos e os azuis andam a girar, e enquanto um está em baixo o outro está em cima".

"Yes or No Future", de entrada livre, estará patente até 16 de outubro.

Em simultâneo, pode visitar-se, no espaço cápsula da galeria Underdogs, "Cazzo!", exposição do artista e designer italiano Fiumani, radicado há dez anos em Portugal.

Na Underdogs, Fiumani apresenta uma série de trabalhos novos, "entre eles bastante diferentes em termos de técnicas, mas com um fio condutor que é a temática".

O título da exposição é um palavrão, quando traduzido para português, mas é uma expressão que os italianos utilizam como os portugueses usam 'caraças', explicou o artista à Lusa.

A mostra surgiu numa fase "difícil da vida, tanto pessoal como do mundo". E, nesses tempos, Fiumani andou a perguntar-se "quando é a altura certa para dizer 'caraças, isto não pode andar mais para a frente assim'".

"Quando é que chega o ponto de dizer 'isto não dá mais'? A exposição tem um lado muito sentimental e social e os dois encontram-se nesta exclamação", disse.

Como é habitual no seu trabalho, as obras que Fiumani tem expostas na Underdogs foram criadas com recurso a desperdício.

"Tudo o que está aqui é desperdício: ferro, plástico, borrachas, madeira. Tudo menos os ecrãs", referiu, acrescentando que, nesta exposição, além do desperdício tentou juntar a tecnologia.

"E aqui levanta-se outra questão, que é muito fulcral nos tempos que vivemos: como é que a tecnologia está a transformar-nos enquanto humanos?", explicou.

Fiumani deixa uma reflexão, como está escrito numa das peças: Estará a tecnologia a transformar os humanos numa "cultura de clones robóticos", que "não conseguem passar um dia sem uma app aberta ou ir a lado nenhum sem recorrer ao google maps"?

6.11.15

Miguel Januário no país do ±MAIS ou MENOS±

Vítor Belanciano, in Público on-line

As intervenções artísticas de Miguel Januário estimulam o pensamento crítico. Este sábado, em Lisboa, inaugura O Princípio do Fim, dele não se esperando uma exposição convencional.

Jogou golfe com pão em frente à Assembleia da República, colocou um colete de jornalista na estátua de Fernando Pessoa no Chiado em Lisboa e simulou o espetar de uma faca nas costas da estátua de D. Afonso Henriques, em Guimarães, recorrendo a uma grua. Miguel Januário, 34 anos, mais conhecido pela sigla ±MAISMENOS±, já esteve em situações tangenciais, movendo-se nos vazios entre legalidade e ilegalidade, mas nunca tinha suscitado tanta atenção das autoridades como na semana passada.

Foi na zona das Docas, em Lisboa, junto ao projecto de arte pública Portugal a Banhos, da artista Joana Vasconcelos, que se materializa numa obra moldada em fibra de vidro, com o contorno do território português, em tudo similar às piscinas pré-fabricadas que se encontram à disposição no mercado. É no passeio das Docas que a peça se encontra, na posição vertical, suportada por uma estrutura metálica. Foi ali que combinámos encontrar-nos com Miguel Januário e um assistente, que iria documentar a colocação de um pequeno estandarte, com frases do Papa Francisco inscritas num pano, junto da peça da artista, para daí resultar uma foto.

O objectivo era tirar uma foto para integrar a exposição O Princípio do Fim, que inaugura sábado (prolongando-se até 23 de Dezembro), na galeria Underdogs (Rua Fernando Palha, 56, zona Oriental de Lisboa). Mas mal Miguel Januário pegou no estandarte, com as frases “La realidade es más importante que la ideia” e “no a la nueva idolatria del dinero”, retiradas do Evangelii Gaudium do Papa Francisco, de imediato dois indivíduos, que se identificaram como sendo seguranças do porto de Lisboa, pondo-se à frente do artista, enquanto seguravam o estandarte, impedindo-o de prosseguir.

Argumentavam que não era possível tirar fotos ali sem um pedido formal prévio junto da Administração do Porto de Lisboa. O artista respondia que apenas queria tirar uma foto, sem intuitos comerciais, para integrar uma exposição, ao mesmo tempo que apontava para os turistas circundantes que apontavam câmaras sem serem molestados. Nisto surgiram mais dois administrativos do porto de Lisboa, gerando-se uma discussão sobre espaço público e privado, com um deles a garantir que a peça de Joana Vasconcelos era propriedade da Administração do Porto de Lisboa e como tal só era possível tirar fotos à peça com uma autorização expressa.