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27.6.18

Nesta escola, as salas de aulas não têm paredes. E os alunos não se queixam /premium

Ana Kotowicz, in o Observador

O ano letivo chegou ao fim, mas a flexibilidade curricular não. Em Alcanena e Alvalade fomos visitar dois dos agrupamentos que fizeram parte do projeto-piloto. Ali, a experiência é para continuar.

O telefone de Ana Cláudia Cohen não para. Há presidentes de junta a ligar-lhe, professores e coordenadores de ciclo, e uma mão-cheia de funcionários das 23 escolas do agrupamento de Alcanena. Entre um telefonema e outro, ainda recebe a visita da GNR, enquanto nos faz uma visita guiada pela escola-sede do agrupamento em passo apressado.

Está tudo bem, a lei e a ordem estão a ser respeitadas, nenhum dos seus 1600 alunos está metido em sarilhos, mas a GNR tem dúvidas sobre as estradas que vão estar cortadas por causa do cortejo dos alunos que começa daqui a nada. “Isto hoje vai ser sempre assim”, diz-nos a diretora do agrupamento que tem de atender mais um telefonema, antes de nos poder explicar como é que a flexibilidade curricular funciona na sua esfera de influência. E, mais importante, o que é esta Feira do Tempo, a iniciativa que tomou conta de Alcanena no dia em que a visitámos.

Vamos lá, então. A flexibilidade curricular é um projeto-piloto que chegou a 235 escolas durante o ano letivo que agora termina. Em traços gerais, confere uma boa dose de autonomia curricular — entre 0% e 25% — às escolas que aderiram. Os diretores de agrupamento podem usá-la de diversas formas: criar novas disciplinas ou fundir cadeiras já existentes, mexer nos tempos letivos, aumentando-os ou diminuindo-os, e introduzir novidades curriculares e novas metodologias de ensino. Tudo de acordo com as características dos alunos, dos professores e da região onde se encontra a escola.

Foi isso que Ana Cláudia Cohen, diretora há 4 anos, mas com 25 anos de serviço nesta escola, fez. Criou novas equipas pedagógicas, introduziu paragens no ano letivo que não existiam, e há momentos em que os alunos do 5.º ano não estão agrupados por turmas, mas antes por projetos. A semente desta ideia foi plantada há três anos, quando percebeu que era preciso mudar a forma de trabalhar com os alunos.

Ana Cláudia Cohen, diretora do agrupamento de escolas de Alcanena
“Em 2015, comecei a sentir, através de conversas com as minhas professoras do Pré-Escolar e do 1.º ciclo que os alunos estavam diferentes. Há quatro anos, a indisciplina que nos preocupava era entre os alunos do 3.º ciclo e do Secundário. De repente, ficou controlada nesses níveis etários e começámos a ver crianças do Pré-Escolar e do Básico cada vez mais agressivas e com comportamentos desajustados”, conta-nos Ana Cláudia Cohen.
Um novo dado juntou-se a este: as crianças aprendiam os mecanismos de leitura cada vez mais tarde e a diretora do agrupamento de escolas de Alcanena não hesitou. “Achei que devíamos fazer uma reflexão coletiva: questionarmos-nos como é que estamos a ensinar e como é que os alunos estão a aprender. E a nossa primeira tentativa foi com a Sala do Futuro, um espaço onde podemos respeitar o ritmo de cada um.”

A Escola Secundária de Alcanena é uma das várias escolas portuguesas onde foram inaugurados os Ambientes Educativos Inovadores, também conhecidos como Salas de Aulas do Futuro. Pretendem ser laboratórios de aprendizagem, espaços de inovação para a comunidade educativa e um sítio seguro para testar novos métodos de ensino.

Em Alcanena, professores e alunos tiveram formação e os estudantes são hoje os monitores-residentes, responsáveis pelo que se passa entre aquelas quatro paredes. Rafael, aluno do secundário, recebe-nos na sala e rapidamente nos mostra como uma mesa se transforma num gigantesco monitor. Ali, vemos uma aplicação que estes alunos criaram para ajudar os colegas do Básico nas suas aprendizagens. Num canto da sala, outro finalista do Secundário monta um robot, no canto oposto há mais dois alunos a estudar e um professor concentrado nas suas tarefas. E há ainda a zona de chill out, também pensada para alunos com necessidades educativas especiais.

Depois da Sala do Futuro, houve um outro momento decisivo para este agrupamento, quando em 2016 o atual ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, lançou o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar. A ideia base deste projeto é que são as comunidades educativas quem melhor conhece os seus alunos e, por isso, quem melhor pode elaborar planos de ação estratégica para melhorar aprendizagens.
“Com o Plano de Ação Estratégica, aprendemos a trabalhar em equipas pedagógicas. Estávamos habituados a pensar assim: se havia exames no 4.º ano, era aí que estavam todos os apoios. Erro estratégico. Aprendemos com o plano que nos devemos centrar nos primeiros anos do ciclo. E aprendemos que ter dois professores de Português — ou Inglês ou Matemática — para duas turmas, podendo os alunos estar agrupados consoante o seu desempenho, era positivo. Nestas três disciplinas não há turma, é consoante as necessidades deles. E começámos assim.”

"É outra forma de aprender. Fizemos muitas visitas de estudo, perdemos aulas com isso, mas ainda bem. Não deixamos de aprender e é muito mais fixe aprender assim."

A Feira do Tempo de Alcanena
Quando o Secretário de Estado da Educação, João Costa, começou a falar de flexibilidade, também Ana Cláudia Cohen começou a falar sobre ela nos conselhos pedagógicos. Quando saiu o despacho do ministério, reuniu toda a gente e perguntou: “Sim ou não?” A resposta foi positiva. A interrogação seguinte era: “Em que anos?” Todos. Só faltava saber em que turmas. E a resposta foi, também, em todas. A diretora não votou, mas o seu sim não foi sequer necessário para o agrupamento decidir ir em frente. E a flexibilidade curricular passou a ser parte do dia-a-dia de todos os alunos em anos de início de ciclo — 1.º, 5.º, 7.º e 10.º — os únicos que podiam integrar o projeto-piloto.

Para que tudo fizesse sentido, Ana Cláudia Cohen reuniu em setembro uma equipa de 10 pessoas, representativa das diferentes escolas e ciclos do agrupamento. Desse encontro, saiu o tema aglutinador de toda a flexibilidade: “Caminhando ao Longo da nossa História”. Na parede da escola, uma espécie de diptíco — que atrai logo o olho pela explosão cromática que ali se vê — mostra como o projeto está dividido pelos diferentes ciclos.

Ao primeiro ano, por exemplo, coube explorar a alimentação dos nossos antepassados. As turmas de 5.º ano ficaram responsáveis pela presença árabe na região, dividida em várias categorias: lendas, lutas, música, tecelagem e animação do mercado árabe. O 10.º ano tinha a responsabilidade de tratar de abordagens científicas e projetos de investigação.

O culminar do projeto foi a Feira do Tempo, dia em que os alunos desfilaram pelas ruas de Alcanena e montaram um mercado para todos os que os quisessem visitar. O final do dia culminou com um porco assado à antiga.
Claro que este projeto implicou encontrar novas formas de trabalhar, a começar pelas paragens letivas que foram instituídas.

“As grandes diferenças no dia-a-dia foram as equipas pedagógicas e as paragens — os alunos trabalhavam no projeto em todas as aulas, mas alternavam com paragens. E durante o período letivo, cada turma decidia quando parava, umas vezes eram dois dias, outras vezes quatro. Uns aproveitam para ir para as universidades validar os projetos de investigação do 10.º ano, outros iam ao Centro de Ciência Viva, outros foram à serra ter aulas com um pastor, outros foram visitar as grutas da região. Tudo isto faz parte, como faz parte trabalhar em equipa, investigar, pesquisar, fazer brainstorming. Também criámos disciplinas novas, e os projetos que eram extracurriculares estão agora integrados no currículo.”

Acima de tudo, explica Ana Cláudia Cohen, era importante que o que fosse integrado no currículo fosse mesmo curricular. “Temos 25% de margem para introduzir este currículo local, mas ele tem de estar entroncado nas Aprendizagens Essenciais. Tem de fazer sentido, tem de enriquecer o currículo. O que vamos mostrar na Feira do Tempo é uma abordagem histórica, artística, cultural, tecnológica, geológica e geográfica do território em determinados cortes ao longo da história. Estas disciplinas todas vão dar o conjunto que vão ver na Feira do Tempo.”

Agora não somos avaliados só por nós, mas também pelo que fazemos em grupo. É bom não serem só os testes a contar. Num teste podemos estar nervosos e assim sabemos que ainda temos a possibilidade de contar com o que fazemos na sala de aula para ter uma boa nota.”

Antes de assistirmos ao cortejo dos alunos, carregamos no botão de rewind e andamos uma semana para trás. Em Lisboa, o dia está bem mais quente do que em Alcanena e quase se acredita que o verão está para ficar. Era tudo uma ilusão, mas esta história não é sobre meteorologia.

O sorriso com que Dulce Chagas nos recebe no agrupamento de escolas Padre António Vieira, em Lisboa, compete em simpatia com o de Ana Cláudia Cohen. Em menos de nada, estamos a conhecer a escola que foi reabilitada em 2011 e que viu, nessa altura, o seu tamanho aumentar. Nos corredores da escola, reina o silêncio. Dentro das salas de aulas, para a maioria dos estudantes é dia de teste, os últimos de um ano letivo que está a chegar ao final.

Diretora há 18 anos, Dulce Chagas já anda na Secundária Padre António Vieira desde 1992. Nesses 26 anos, viu um pouco de tudo, como a fusão da sua escola com outra secundária (a Cidade Universitária) e a criação do chamado mega agrupamento. A flexibilidade é só mais uma novidade, entre tantas que os governos de diferentes cores políticas vão trazendo para a Educação.

Dulce Chagas, diretora do agrupamento de escolas Padre António Vieira
E tal como em Alcanena, também nesta escola de Alvalade, o Plano de Ação Estratégia serviu de embrião para o que veio a seguir.

“Quando as escolas tiveram a oportunidade de fazer um plano estratégico de promoção de sucesso escolar, criámos um grupo de reflexão e avançámos com cinco grandes medidas de ação. A principal era a mudança na sala de aulas, mas havia outras — como o trabalho colaborativo dos professores — que não tínhamos maneira de viabilizar. Queríamos mudar algumas práticas na sala de aula, mas não era fácil. Quando as pessoas não querem, refugiam-se na lei. E a lei não nos dava grande abertura.”

Acima de tudo, Dulce Chagas sentia que era preciso pôr os estudantes a participar mais, já que os sentia muito alheados de todo o processo educativo. Quando surgiu a flexibilidade curricular tornou-se claro que seria assim que iriam conseguir fazer as alterações desejadas.

“Concluímos que aderir à flexibilidade e puder fazer um ano antes dos outros, ia-nos deixar um passo à frente e com consciência do que devia e não devia ser feito. Com a flexibilidade, acabámos por não fazer nada de novo em relação ao que já tínhamos pensado, viabilizamos foi algumas dessas medidas”, explica a diretora de agrupamento.
Quando chegou a altura de decidir que alunos entravam na flexibilidade, a decisão foi igual à de Alcanena. Ou vão todos ou não vai nenhum. “Não fazia sentido escolhermos duas ou três turmas. É preciso haver igualdade de oportunidades, e por isso avançámos com todas as turmas de primeiro ano de cada ciclo. Se fossem escolhidas as turmas a dedo, não íamos ter uma visão real”, explica, acrescentando que no total do agrupamento são mais de 600 alunos envolvidos no projeto.

Em Alvalade, poucas são as turmas que não estão a braços com testes. O fim do ano letivo está à porta
Mas, afinal, o que foi feito? “Criámos um espaço de trabalho interdisciplinar — os chamados DAC, Domínios de Autonomia Curricular. As Aprendizagens Essenciais deram-nos alguma folga: os professores estavam agarrados às metas curriculares e quase não tinham tempo para respirar, mas acho que por cautela este documento ainda não foi aproveitado a 100%. Os conteúdos não desapareceram, o nível de profundidade com que são abordados é que muda um pouco. Agora tem-se uma postura mais holística, aproveitando mais as sinergias entre as diferentes disciplinas para trabalhar um conjunto. E com isso ganhamos tempo para outras metodologias e outros tipos de trabalho.”

As Aprendizagens Essenciais são documentos de orientação curricular e que vieram substituir as metas curriculares aprovadas durante o mandato de Nuno Crato como ministro de Educação (2011-2015). As alterações têm recebido tanto de aplausos como de vaias.

A partir do momento em que uma escola adere à flexibilidade, tudo pode acontecer. “Podemos não ter disciplinas, há escolas que estão a trabalhar com áreas disciplinares, que têm as Ciências Sociais e Humanas em vez de terem a Geografia, a História, etc. Por isso não há uma flexibilidade, não há uma forma única de fazê-la, essa é a parte boa e responsabiliza muito as escolas. Dizia no outro dia aos meus colegas, em tom provocatório: vocês já viram a autonomia que nós temos em termos pedagógicos? Até podemos deixar de ter turmas. Em Óbidos, não têm turmas. Têm um conjunto de alunos do mesmo ano e os professores dividem-nos consoante o tipo de trabalho que estão a fazer, organizam grupos e funcionam assim.”

Tudo isto é possível, acredita Dulce Chagas, no Ensino Básico. Chegando ao secundário, os entraves são outros. “Enquanto o secundário servir o interesse do Ensino Superior, não vamos conseguir descolar muito. Aqui temos a flexibilidade nos quatro anos que podíamos ter, mas no 10.º ano tivemos algumas cautelas. As horas das disciplinas estão mais ou menos intocadas para se cumprir o programa porque estes alunos vão fazer os mesmos exames nacionais que os outros. Para além disso, conseguimos uma folga de tempo e criámos dois blocos semanais de 90 minutos partilhados por professores de várias disciplinas para trabalhar de forma diferente.”
"Não estou a gostar nada dos DAC. Acho que nos está a roubar tempo de estudo, tempo que também precisamos para fazer as nossas coisas. Acho que não fazem falta porque não fazemos nada de muito interessante. O que acontece depende muito dos professores."

Joana, aluna do 10.º ano da secundária Padre António Vieira
A pensar nos exames nacionais, Dulce Chagas quis salvaguardar que no 10.º ano haveria um espaço onde as coisas decorriam normalmente e um outro, complementar, onde se trabalharia noutro tipo de projetos. “Correu melhor ou pior conforme a dinâmica que os diretores de turma conseguiram imprimir. Os alunos do 10.º ano estão muito formatados para um tipo de escola e não é com bons olhos que vêem a mudança.”

Também nos critérios de avaliação houve alterações que agora terão de ser elas próprias avaliadas. “Retiramos o peso que os testes tinham na avaliação final. Porquê? Tínhamos de valorizar o processo, a participação dos alunos nas aulas e eles tinham de perceber que tudo o que fazem na sala de aula é valorizado, que não conta só o dia do teste”, argumenta.

“No Ensino Básico, o peso dos testes nunca passa dos 50% — demoramos um mês a chegar a este valor e eu ainda acho que é muito — para que o restante trabalho seja avaliado. Agora isto estoura quando temos professores que têm oito turmas e têm grande dificuldade em fazer este trabalho personalizado”, acrescenta Dulce Chagas.

Por isso mesmo, nenhum professor do agrupamento está envolvido ao mesmo tempo na flexibilização de mais do que um ano de ensino.

4.9.17

No novo ano lectivo as escolas vão ser mais diferentes umas das outras

Samuel Silva, in Público on-line

Projecto de flexibilidade curricular estreia-se com um mosaico de escolhas por parte das direcções escolares. O PÚBLICO falou com responsáveis de 31 das 235 escolas e agrupamentos envolvidas no projecto. Apostam na aplicação das mudanças às turmas de início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos).

O novo ano lectivo começa oficialmente na próxima sexta-feira e há, desde já, uma certeza: as escolas vão ser mais diferentes umas das outras. Os projectos de flexibilidade curricular, introduzidos pelo Ministério da Educação como uma experiência pedagógica, entram em funcionamento. E vão ser usados de forma muito diversa pelos professores. Ainda que a generalidade das direcções escolares que entram na experiência tenha optado por aplicar a mudança a todos os alunos de início de ciclo, há casos em que serão constituídas “turmas de teste” para esta estratégia e há até quem vá ter disciplinas semestrais, à semelhança do que acontece no ensino superior.
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A flexibilidade curricular permite, entre outras medidas, que as escolas façam a sua própria gestão de até 25% da carga horária lectiva. Ao longo da última semana, o PÚBLICO falou com responsáveis de 31 das 235 escolas e agrupamentos envolvidos no projecto. Na generalidade dos casos (74% das escolas contactadas), os directores apostaram em aplicar as mudanças a todas as turmas de início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos), que são aqueles em que legalmente é possível usar os mecanismos de flexibilização. Nos restantes casos (8 escolas) é feito algum tipo de selecção, limitando o número de turmas e alunos envolvidos.

Acesso ao superior implica cuidados extra no ensino secundário
Mas mesmo nos estabelecimentos de ensino que optaram por aplicar este projecto a todos os estudantes, a forma como o mesmo será efectivado é muito variável. O retrato que é possível traçar é, por isso, bastante diversificado.

Várias escolas assumem a dimensão de experiência da novidade introduzida este ano. É o caso do Agrupamento de Pedome, em Vila Nova de Famalicão, que optou por aplicar a medida a duas das suas cinco turmas do 5.º ano. A flexibilidade curricular vai ser testada numa turma com “condições para poder ter bons resultados e sucesso educativo de qualidade”. A outra turma “poderá não vir a apresentar um desempenho escolar e um sucesso de tanta qualidade”, assume o director Fernando Manuel Lopes. A intenção da escola é que, com “dados de partida diferenciados”, possa documentar o impacto do projecto nas aprendizagens.

A experiência da Escola Secundária Alberto Sampaio, em Braga, passa por reforçar o número de horas destinadas ao director de turma em apenas uma turma do 7.º ano. A intenção é semelhante: “Vamos querer ver a diferença que essa alteração possa provocar”, explica o director, João Andrade.

Várias escolas assumem a dimensão de experiência da novidade introduzida este ano. É o caso do agrupamento de Pedome, em Vila Nova de Famalicão, que optou por aplicar a medida a duas das suas cinco turmas do 5.º ano

Convencer os professores
A escolha do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria, teve outra motivação: os resultados dos alunos. A direcção optou por deixar de fora da flexibilidade curricular todos os alunos do 5.º e 7.º anos e também a generalidade dos do 1.º ciclo. Com uma única excepção: a escola EB1 do Arrabalde.

Esta é uma escola pequena — tem 60 alunos e apenas três turmas, já que funciona uma turma mista de 2.º e 4.º anos — que nos últimos anos tem tido maus resultados escolares. A direcção do agrupamento viu na flexibilidade curricular uma possibilidade para inverter essa tendência: “O objectivo desde modelo é ser promotor do sucesso escolar e é nesse sentido que vamos avançar com ele”, explica a directora, Madalena Costa.

Há, porém, outros motivos práticos e não pedagógicos a condicionar as opções das escolas contactadas. Por exemplo, o Agrupamento de Escolas da Senhora da Hora, em Matosinhos, aplicará o projecto em apenas duas de seis turmas do 7.º ano, dada a falta de disponibilidade demonstrada pela maioria dos professores para trabalharem no novo modelo.

O caso mais extremo será, porém, o do Agrupamento de Escolas Grão Vasco, em Viseu. A directora, Inês Campos, é uma entusiasta da flexibilidade curricular — “é um projecto muito válido e estou certa que trará resultados muito positivos” —, mas não encontrou a mesma abertura nos professores do estabelecimento de ensino. Por isso, apesar de estar na lista inicial do Ministério da Educação, não vai integrar esta experiência pedagógica no novo ano lectivo.

No Agrupamento de Escolas Grão Vasco, em Viseu, a directora, Inês Campos, é uma entusiasta da flexibilidade curricular, mas não encontrou a mesma abertura nos professores

A flexibilidade curricular vai ser testada em cerca de 20% dos estabelecimentos de ensino. Há escolas que estão ainda a fechar o processo de constituição de turmas e de definição dos moldes de funcionamento dos projectos, pelo que o número total de turmas envolvidas neste primeiro ano lectivo de experiência pedagógica ainda não está fechado. Ao que o PÚBLICO apurou esse número deverá rondar as 2000 turmas.

A aposta dos privados
Das 235 escolas envolvidas, 170 são públicas, às quais se juntam quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Outras 61 do ensino privado vão também fazer parte da experiência, o que levou a Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) a criar um grupo de trabalho para que os seus associados possam “partilhar ideias uns com os outros”, explica o director-geral da associação dos colégios, Rodrigo Queiroz e Melo.

Um desses casos é o do Grupo Ensinus que tem sete instituições diferentes envolvidas no projecto de flexibilidade curricular, entre os quais o Real Colégio de Portugal, o Colégio de Alfragide e o Externato Álvares Cabral. Aí serão criadas novas disciplinas como o Laboratório de Empreendedorismo e Educação Financeira ou Técnicas Laboratoriais de Física e Química e, na Matemática, passará a ser aplicado o método usado em Singapura — que tem por base a compreensão dos conceitos antes de se ensinar procedimentos, utilizando uma abordagem visual e prática.
O Grupo Ensinus tem sete instituições diferentes envolvidas no projecto de flexibilidade curricular. Serão criadas novas disciplinas como o Laboratório de Empreendedorismo

A “grande alteração” que a experiência pedagógica implicará, porém, tem a ver com o professor, considera Teresa Damásio, administradora do Ensinus. “Vai ter obrigatoriamente de alterar a sua metodologia de ensino e permitir maior interdisciplinaridade”, defende.

Para preparar os docentes para essa alteração, o grupo contratou o especialista em mudanças educativas, Javier Aragay, para uma assessoria de três anos, em que dará tutorias mensais aos professores das várias áreas.
Outra das mudanças que vão ser aplicadas nos colégios do Grupo Ensinus é a passagem de algumas disciplinas para um regime semestral. Por exemplo, no 7.º ano os alunos passarão a ter quatro tempos semanais de Geografia na primeira metade do ano lectivo. Esses blocos nos horários são substituídos, no segundo semestre, por aulas de História.

A opção do Ensinus cruza-se com uma discussão que começa a ganhar força no sector: a possibilidade de o ano lectivo passar a ser organizado em dois semestres em lugar dos actuais três períodos. O Agrupamento de Escolas de Freixo, em Ponte de Lima, apresentou o seu próprio calendário escolar para 2017/18, dividido em dois semestres. O primeiro semestre começa a 13 de Setembro — como a generalidade das escolas, ainda que formalmente o ano lectivo comece na próxima sexta-feira, dia 8 — e prolonga-se até 2 de Fevereiro. O segundo estende-se entre 14 de Fevereiro e 19 de Junho. Os alunos mantêm dez dias de férias na altura do Natal e uma semana no Carnaval e Páscoa.
Esta possibilidade não foi aberta pelo projecto de flexibilidade curricular, mas pelo facto de a escola integrar os Projectos-Piloto de Inovação Pedagógica, destinado a um grupo mais restrito de estabelecimentos de ensino, e que reforça a sua autonomia caso adoptem projectos educativos diferenciadores.

Na escola Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, haverá algumas disciplinas semestrais

O presidente Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima, tem sido um dos defensores desta solução. De resto, pretendia fazer o mesmo na escola que dirige, a Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, mas a possibilidade foi negada pelo Governo. Ainda assim, dentro das possibilidades que a flexibilidade curricular prevê, na sua escola haverá também algumas disciplinas semestrais.

A mudança para um calendário lectivo semestral teria “vantagens evidentes”, defende Filinto Lima. Por um lado, tornaria os dois períodos lectivo equivalentes, acabando com um velho problema de um 3.º período muitas vezes excessivamente curto. Por outro, promoverá o sucesso e terá efeitos positivos na disciplina, acredita: “Hoje em dia, há muitos alunos que chegam ao 3.º período com o destino traçado. Como o tempo é curto sabem que já dificilmente passam ou dificilmente chumbam.”
 
Como se constrói em contra-relógio uma “experiência pedagógica”?

Síntese do que muda com a nova experiência:
— As escolas podem usar até 25% da carga lectiva para aplicar novos métodos de ensino.

— Podem juntar blocos de tempos para dedicar a projectos específicos (por isso, a percentagem da carga lectiva deve ser calculada anualmente).

— Podem criar novas disciplinas (oferta lectiva complementar, um tempo por semana).
— É também aberta a possibilidade de:

a) Combinação parcial ou total de disciplinas;

b) Alternância, ao longo do ano, de períodos de funcionamento disciplinar com períodos de funcionamento multidisciplinar, em trabalho colaborativo;

c) Desenvolvimento de trabalho prático ou experimental com recurso a desdobramento de turmas;

d) Redistribuição da carga horária das disciplinas, promovendo tempos de trabalho de projecto interdisciplinar, com partilha de horário entre diferentes disciplinas;

e) Organização do funcionamento das disciplinas de um modo trimestral ou semestral;

— No 2.º e 3.º ciclo, devem privilegiar abordagens interdisciplinares.
— No secundário (cursos científico-humanísticos) podem permutar uma das disciplinas bienais e ou uma das anuais da formação específica por disciplinas de um curso diferente do frequentado pelo aluno.
— São introduzidas duas novas áreas: Cidadania e Desenvolvimento; Tecnologias de Informação e Comunicação.

10.8.17

Mais de 20% das escolas vão poder escolher como ensinar os alunos

Clara Viana, in Público on-line

Projecto-piloto arranca em Setembro e abrange 171 escolas públicas 61 privadas e quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro.

O segredo foi finalmente desvendado. No próximo ano lectivo serão 230 as escolas que irão testar as mudanças propostas pelo Ministério da Educação (ME) no âmbito do projecto-piloto da flexibilidade curricular, segundo revelou a tutela ao PÚBLICO. Deste total, 171 são escolas públicas o que corresponde a 21,1% da rede de oferta existente, que é constituída por 713 agrupamentos e 95 escolas não agrupadas.
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No projecto estarão ainda envolvidas 61 escolas privadas e quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Segundo o ME, a lista com os nomes dos estabelecimentos de ensino envolvidos deverá “ser publicada nos próximos dias” no site da Direcção-Geral de Educação.

O novo modelo só será aplicado no primeiro ano de cada ciclo de escolaridade (1.º, 5.º, 7.º e 10.º). Às escolas foi deixada a decisão de fixar quantas turmas destes anos irão participar na experiência, o que por esta altura já deverá ser conhecido uma vez que as listas com a constituição de turmas foram afixadas no dia 28 de Julho, indicou o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima.

O agrupamento de que é director (Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia) é um dos que integra o projecto-piloto. Tem cinco escolas e há 8 turmas que foram seleccionadas para o efeito: cinco do 1.º ano, uma do 5.º e duas do 7.º. No caso destes últimos dois anos, as turmas foram seleccionadas “com base no que foi a percepção do trabalho desenvolvido no ano anterior ou seja, tendo em conta as características dos alunos e os hábitos de trabalho dos alunos que lhes foram incutidos pelos seus professores”, esclareceu Filinto Lima, adiantando que reuniu antes com os pais das crianças.

O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Jorge Ascenção, mostrou-se “apreensivo” pelo facto de nem o ministério nem as escolas estarem a informar os encarregados de educação sobre quem será abrangido por estas mudanças. “Os pais têm o direito de saber o que vai acontecer no próximo ano lectivo e isso não está a acontecer."

As escolas que vão inaugurar a experiência de flexibilidade curricular têm apenas uma obrigação: a integração na matriz curricular de duas novas áreas. São elas Cidadania e Desenvolvimento e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). É o que se encontra estipulado no despacho que regulamenta o novo modelo, que foi publicado no início de Julho.

Mas, se assim o entenderem, vão ter também 25% do tempo de aulas para tentar levar por diante novas formas de ensinar. O que passará pela constituição de novas disciplinas, mas também por várias outras soluções já apresentadas pelo Ministério da Educação. Uma possibilidade: a fusão de disciplinas em áreas disciplinares, em que dois ou mais professores “trabalham em equipa” na preparação das aulas, que podem ser dadas à vez por cada um ou em conjunto. Por exemplo: em vez de trabalhar de forma separada as disciplinas de Físico-Química e Ciências Naturais, a escola pode juntá-las com a carga horária equivalente à soma das duas.

Pode optar-se também pela alternância entre tempos de estudos tradicionais e semanas em que toda a escola trabalha em conjunto, numa perspectiva multidisciplinar, um só tema. Por exemplo, “a Europa” ou “a crise dos refugiados”. Esta é uma experiência que está a ser seguida na Finlândia.

As escolas podem ainda optar por transformar disciplinas anuais em semestrais e os alunos do 10.º ano terão a possibilidade de trocar uma disciplina do seu curso por outra de um curso diferente.

O ME tem garantido que a nova experiência não implicará uma revisão curricular e que os actuais programas se manterão em vigor, mas os alunos abrangidos pela flexibilidade curricular terão novos documentos de referência, que se intitulam aprendizagens essenciais, e que irão, na prática, substituir as metas curriculares elaboradas durante o mandato de Nuno Crato.