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4.8.17

"A formação profissional precisa de ser repensada do zero"

Paula Sofia da Luz, in Diário de Notícias

A minha ideia para o país

Alexandra Azambuja é publicitária

Há muitos anos que Alexandra Azambuja repete a mesma ideia: "Portugal não é um país, é um aglomerado de quintalinhos: a coutada dos médicos, dos juízes, dos professores. A nação dos funcionários públicos, as ilhas dos privados. O mundo distante e amortecido dos deputados e dos políticos, mais os seus gabinetes, as suas senhas de presença, o seu país de opinião publicada, o Portugal avistado de dentro dos vidros escurecidos, do ronronar dos motores de grande cilindrada, das portas que se fecham com um baque silencioso." Habituada a escrever (e a pensar) desde muito nova, desde o tempo em que a família detinha um jornal em Leiria, a publicitária observa o mundo a partir da região centro, e não se cansa de partilhar esse estado de alma, de quem só lamenta não ter mais tempo para exercer mais vezes e com mais gente a cidadania tão precisa. "Cá fora, ao estio, à invernia do país real, está outra nação que se junta nas catástrofes e no futebol", sublinha. Feito o diagnóstico, qual é, afinal, a sua ideia para mudar o país? "Encetar esforços sérios que nos tornem outra vez, em vez de uns e os outros, apenas portugueses." Porque juntos podemos muito, juntos podemos mesmo tudo. O pequeno país que já deu mundos ao mundo continua cá, só que dividido em tantos quintalinhos que já não nos reconhecemos uns aos outros. Daí a importância de derrubar muros, aproximar gente, "dar a conhecer o nosso quintal, eis a única forma de ficar perto da vista e perto do coração. Porque só quem está perto se vincula, se importa".

Alexandra já foi muita coisa na vida, já desempenhou vários papéis em meio século que leva dela, e por isso acredita que nessa separação fatal entre os centros de poder e/ou decisão e o cidadão comum cabe muito desconhecimento. "Só quem conhece o drama dos empresários que têm de decidir entre pagar salários e IVA, quem conhece o drama dos pobres que nem os dentes podem tratar para arranjar emprego, só quem sabe como é a pobreza envergonhada, só quem estuda a prevenção de catástrofes sabe como é barata a prevenção - comparada com a remediação de estragos -, só quem tenta ensinar alunos que passaram sem nada saber - sabe como é." "E se um autarca tivesse de gerir uma empresa que agoniza por autorizações camarárias?", questiona. "E se um empresário tivesse de fazer andar uma autarquia e a sua inenarrável burocracia com funcionários que não escolheu?", atira. "E se um ministro fosse por uma semana uma mãe de filhos pequenos sem creches em Lisboa?", interroga-se. "E se um professor se sentasse na pele de pais iletrados por um dia?", pergunta. Poderia continuar por aí fora a mãe de duas filhas (uma à entrada da universidade, outra à entrada do 5.º ano de escolaridade), licenciada em Engenharia Zootécnica, pós-graduada em Marketing e Comunicação, que porém é do mundo da comunicação por excesso e por defeito. "E se os defensores furiosos dos mercados tivessem de viver a vida de um desempregado, de olhos baixos num balcão de qualquer loja pedindo o carimbo que certifica que é um falhado?" As perguntas saem-lhe a toda a hora. Nos últimos anos deixou de ver televisão, zangada com os critérios jornalísticos - ou a falta deles. Com a falta de realidade que lhe parece imperar.

Há dois anos, empenhou-se a sério no movimento cívico de apoio aos refugiados. Portugal deve recebê-los ou não? "É como perguntar se Aristides Sousa Mendes deveria ter ajudado milhares de refugiados a escapar do horror nazi em 1940. Deveria? Acho que o Tempo deu a resposta." Lá atrás ficou também o tempo da troika, em que - mais uma vez - se envolveu ativamente na luta para a mandar embora. Agora que já passou, acredita que estamos hoje muito melhor em cada uma das nossas vidas. "A esperança voltou a muitas casas onde o desemprego pareceu um túnel sem fim durante os tempos infelizes em que tentaram convencer-nos de que vivíamos acima das nossas possibilidades. E sim, alguns de nós viveram acima das possibilidades de um país pobre: a banca, o compadrio, e o país das obras inúteis." Alinhada à esquerda (embora sem qualquer filiação partidária), assiste todos os dias a um movimento contínuo "do país a mexer". Na economia? "Sim! mas essa está sedenta de empresários qualificados (seis em cada dez nem o secundário concluíram), de mão-de-obra qualificada. Precisamos dos melhores na formação e os melhores precisam de ser bem pagos. A formação profissional precisa de ser repensada do zero." "E a cidadania? Não querem saber como se constrói aquela coisa impalpável que faz de nós uma nação de que nos orgulhamos, ou não? Dos excelente recursos que temos para a construção de gente que possa ler o seu Tempo e o mundo destaco dois programas: da Antena 1, aquela que pagamos todos para ter aquilo que nenhuma rádio privada poderá ter - programas de autor de verdadeiro serviço público: A Vida dos Sons; a História do séc. XX, de 1900 a 1989, com recurso ao acervo sonoro do arquivo da rádio pública; devia ser obrigatório em escolas e em horário nobre", considera.

11.7.17

A maior falha

Domingos Lopes, in Público on-line

Triste destino o de Passos Coelho e o de Cristas. Jogam mal e o defeito não é da bola.

Fazer política como se tratasse de vender uma marca de um qualquer produto é subverter o que ela tem de nobre no sentido de permitir aos cidadãos a melhor escolha para dirigir a comunidade em que se inscreve essa opção. É fazer dessa arte e ciência um tratado de peripécias para tomar o poder em que o que se promete é apenas um meio para o alcançar e dele se servir e não para o servir.

Nas últimas duas décadas, as ideias sobre a governação reduzem-se a uma: governar para os mercados e com os partidos que aceitam estas premissas de governo — o tal arco da governação que se traduz em ora governas tu, ora governo eu, ora governamos os dois ou os três e se distribui entre os do arco os postos, as pastas e os pastos que alimentam um conjunto de milhares de dirigentes e quadros intermédios e até de base.

Na verdade, PSD, PS e CDS, ao largo de 40 anos no governo, deixaram a Portugal mais de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza, o que significa má alimentação, educação, saúde, habitação e mau emprego. Esta, sim, é a grande falha de quem tinha a incumbência de fazer de Portugal um país onde se possa viver com o mínimo de dignidade. Quantos milhares morreram por carências de toda a ordem?

Na União Europeia, esta tem sido a bitola pela qual os partidos do arco da governação têm afinado, e explica, em grande parte, o desânimo e a desconfiança dos cidadãos em relação à política e aos políticos.

O móbil é levar os cidadãos a perderem confiança no seu poder de fazer as suas opções. Na Grécia, após a vitória do Syriza, toda a UE capitaneada pela chancelerina Merkel se uniu para punir a escolha do povo grego.

Quando, em Portugal, os partidos de esquerda (PCP e BE) conseguiram alcançar um acordo com o PS de António Costa foi o que se viu. Cavaco, Passos, Portas, Schäuble, o senhor ministro holandês que está à frente do Eurogrupo, tudo fizeram para que a solução fosse um problema insanável. A verdade é que a solução vai funcionando e os resultados estão à vista, sem que isso queira dizer que não haja sérios problemas carentes de solução urgente.

Neste combate ora surdo, ora aberto, como agora, Passos e Cristas não olham a meios para tentarem voltar ao governo e ao poder. Tudo o que lhes chega à mão lhes serve: o sucesso da política que travou o empobrecimento afinal não era do governo de Costa, mas do governo de Passos. Isto é, um conjunto de políticos e uma política anunciada para empobrecer os portugueses e fazê-los sair da sua área de conforto é o mesmo que uma política para travar o empobrecimento e restituir rendimentos… Haja vergonha e acabem-se as manhas.

Passos anunciou vezes sem conta a ruína do país por não ser seguida a sua cartilha de empobrecimento… Mas é preciso lembrar que este Passos é o mesmo que chumbou o PEC 4 porque estava contra os cortes, os aumentos de impostos e os ataques ao Estado Social e considerava que os portugueses precisavam de outra política com diminuição de impostos, de aumentos salariais e do reforço do Estado Social… mas mal ganhou as eleições com o Sr. Portas, que prometia aumentos de pensões aos idosos, uniram-se num vasto plano de cortes em todo o edifício do Estado Social e em cortes brutais nos vencimentos da função pública, drenando os parcos rendimentos dos portugueses para os bolsos dos banqueiros. As empresas rentáveis eram entregues a grupos económicos chineses, franceses, norte-americanos, espanhóis. O melhor do nosso património urbano era abocanhado pelos multibilionários em ações de grande propaganda em que animava a festa o Dr. Portas, o dos vistos gold. O “austero” Passos alegava que não sabia que a Tecnoforma que geria tinha de pagar à Segurança Social contribuições, como qualquer cidadão sabe…

Pois bem, o incêndio de Pedrógão Grande ressuscitou o defunto que desesperava pelo diabo. A voracidade era tal que anunciou suicídios que se viu obrigado a desmentir.

O que se tem vindo a dizer e a escrever sobre o incêndio é quase demencial. Grande parte da comunicação social perdeu o respeito pelo dever de informar e tornou-se num eixo de intervenção política de ataque descabelado e sem nexo ao Governo.

As várias certezas vão mudando à medida que o tempo e as instituições adequadas vão revelando o que funcionou e o que não esteve bem, o que se anunciou e não se confirmou (até um avião tinha caído e que chatice não ter caído). Antes das conclusões que deverão ser encontradas, Passos e Cª querem que elas cheguem antes do trabalho de pesquisa e de análise.

E como se tudo isto não bastasse aconteceu o furto de Tancos, algo profundamente estranho quanto ao que é conhecido, pois de novo aparecem versões e mais versões e sobretudo um violento ataque ao Governo. Até parece que nunca houve furtos de material de guerra por esse mundo fora. É triste. Mesmo no tempo da ditadura de Salazar e Caetano havia quem fosse capaz de chegar aos quarteis, por motivos honrosos e não para furtar.

Mas já se sabe o que aconteceu em toda a sua extensão? Mas há alguém que acredite qua caia num jornal sem relevo em Espanha o rol das armas furtadas? Como se passou o furto? O chefe de Estado-Maior do Exército disse que se sentia humilhado pelas falhas dos militares e que afinal havia misseis nos paióis onde ocorreram os furtos e não os levaram por serem pesados… Que é muito grave um furto desta dimensão não há dúvidas, mas que é preciso pesquisar, investigar e tirar as devidas conclusões.

Um político como Passos que cortou em todo o lado, cativou o país, perdido na sua solidão dentro do PSD, sai a terreiro para ganhar oxigénio e afirmar que o furto se deveu a cativações, logo seguido pelo CDS, não vá o resultado eleitoral de Lisboa ser mau. Fá-lo por sobrevivência. Trata-se de mera politiquice barata em que tudo é permitido para se chegar a uma certa conclusão, mesmo antes de se fazer o que se tem de fazer no capítulo da investigação.

É esta maneira de estar na política que desprestigia a nobre arte e ciência de governar. Porque para este modo de atuar o que conta é chegar ao poder e impor de novo a política oficial austeritária, mesmo que para tal se renegue o que se fez e se anuncie exatamente o contrário do que faria, caso chegasse de novo ao poder.

Uma das formas de desprestigiar a ação política é fazer como aqueles jogadores que não sabem jogar e passam o jogo a dar caneladas, a rasteirar e a chutar para onde estão virados. Triste destino o de Passos Coelho e o de Cristas. Jogam mal e o defeito não é da bola.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico