Por Sérgio Aníbal, in Jornal Público
O INE apresenta esta semana os primeiros dados relativos à confiança dos consumidores depois do anúncio das medidas de contenção orçamental
De que forma é que vão reagir em Portugal os consumidores e as empresas à crise orçamental que se vive na Europa e às medidas de austeridade entretanto lançadas pelo Governo? A resposta a esta questão, decisiva para se saber qual o rumo da economia portuguesa durante os próximos meses, pode começar a ser respondida quando o Instituto Nacional de Estatística publicar, na próxima sexta-feira, os resultados dos Inquéritos de Conjuntura às Empresas e aos Consumidores de Maio.
Nesse momento, vai-se saber como é que evoluiu a confiança dos consumidores portugueses e também quais as expectativas de negócio dos empresários da indústria, serviços, comércio a retalho e construção num cenário em que, no campo económico, as más notícias dominaram a actualidade.
De facto, apesar de os países do Sul da Europa - especialmente a Grécia - já estarem, desde o início do ano, sob uma forte pressão dos mercados, foi durante este mês que se tornou mais clara a gravidade da situação, com os países da zona euro a terem não só de aprovar um plano de salvamento imediato à Grécia como a preparar desde já um mecanismo de urgência que ajude outros países que caiam na mesma situação de risco.
Além disso, foi em Maio que um pouco por toda a Europa se começaram a anunciar novas medidas de contenção orçamental. Em Portugal, o Governo, em acordo com o PSD, anunciou, entre outras medidas de austeridade, a subida da taxa do IVA, a introdução de uma taxa adicional de IRS e um reforço do IRC para as empresas com mais de dois milhões de euros de lucros.
O indicadores de confiança que serão agora publicados pelo INE são os primeiros que levam já em conta todos estes novos factos, pelo que não é difícil prever um impacto significativo nas expectativas dos portugueses, relativamente não só à situação económica do país mas também em relação à sua própria situação financeira.
De notar que em Portugal o indicador de clima económico - que é calculado com base nas respostas das empresas - registou em Março e Abril uma subida, depois de nos três meses anteriores ter estado a recuar. No que diz respeito à confiança dos consumidores, os últimos meses já têm revelado uma trajectória descendente, embora realizada de uma forma moderada.
Para a evolução da economia, estes indicadores de confiança podem ser decisivos. A expectativa de tempos mais difíceis por parte das empresas e das famílias pode ter como consequência uma maior prudência na hora de decidir quais os investimentos a realizar e quais as compras a fazer. E assim, é possível que uma redução dos níveis de confiança venha acompanhada por uma quebra da procura interna que abranda a economia.
Na última década, em Portugal, este tipo de fenómeno já ocorreu por duas vezes. Tanto em 2002 como em 2005, quando os Governos de Durão Barroso e de José Sócrates colocaram em prática planos de austeridade (que incluíram também a subida do IVA), o resultado imediato foi uma quebra muito forte dos níveis de confiança dos empresários e das famílias. Logo a seguir, afectada pela diminuição do investimento e do consumo, a economia entrou em recessão.
Agora, para Portugal e para vários outros países da zona euro, esta é, novamente, a principal ameaça para a evolução da economia no curto prazo.
24.5.10
Portugal é o país da UE que mais recorreu a contratos de Parcerias Público-Privadas
Por Luísa Pinto, in Jornal Público
O país está no pelotão da frente das PPP, tanto no peso que têm no PIB como no investimento. As adjudicações já ultrapassaram os 28 mil milhões de euros
No campeonato da contratação de investimento público e de prestação de serviços com recurso a Parcerias Público-Privadas (PPP), Portugal é líder desde há muito. No final de 2009, as estimativas globais de investimento nos projectos contratados ascendiam, em termos acumulados, a 28 mil milhões de euros. E num horizonte até 2017, caso avançassem todos os investimentos que foram sendo anunciados, rapidamente se ultrapassaria a fronteira dos 50 mil milhões. Seria o equivalente a contratar todo um projecto de alta velocidade por ano. Actualmente, a carteira de contratos que está a ser acompanhada pelo observatório criado para o efeito atinge quase a centena, tendo nos últimos 15 anos registado taxas de crescimento sempre superiores aos dois dígitos.
Como afirma Mariana Abrantes - uma especialista neste tipo de contratos - em entrevista ao PÚBLICO (ver páginas 20 e 21), Portugal recorreu a este tipo de contrato mais do que todos os outros países da UE em termos de percentagem do PIB. Vários estudos, incluindo um recentemente publicado pela consultora Delloitte, confirmam esta informação.
O conceito de concessão, em que o Estado passa para um privado a responsabilidade de prestar determinado serviço público, não é nova, tem quase um século - as Águas do Porto, há quase cem anos, foram contratadas assim. Mas o conceito evoluiu e alavancou-se em complexos contratos que passam, também, pela questão de financiamento.
A PPP é definida como um contrato administrativo plurianual pelo qual o parceiro público transfere para um parceiro privado a obrigação de construir obra pública ou prestar um serviço público de determinada qualidade aos utilizadores dos serviços públicos, junto com o direito de cobrar ou de ser remunerado pela prestação desses serviços. A remuneração deve ser assegurada pelos utilizadores ou pelos contribuintes, sendo o parceiro privado responsável pela construção, gestão, exploração e financiamento da obra.
O primeiro contrato deste tipo foi negociado para a construção da Ponte Vasco da Gama, já em 1992. E, 18 anos depois, tem sido instrumento privilegiado para avançar com a prestação de vários tipos de serviços - generalizou-se na área dos transportes, mas chegou também à saúde, à energia e mesmo à segurança interna.
As PPP tornaram-se regra: o que não cabe no investimento público directo passa para a alçada da dívida dos privados, que ficam com a responsabilidade do financiamento e amortizam o investimento em prazos de maturidade prolongados - em Portugal, normalmente, 30 anos. Tal facto tornou as decisões de investimento público muito dependentes do mercado financeiro e da banca, que avaliza ou não estes contratos.
Contratos complexos
À margem da conjuntura financeira que o mundo atravessa, os contratos PPP levantam ainda outras questões trazidas pela sua complexidade, muito diferente do investimento directo. Tão diferente como fazer a opção entre escolher o automóvel que se quer comprar - com a hipótese de optar por uma determinada cor, cilindrada, extras, etc. - ou contratar um serviço de motorista. Aqui, tudo tem de ficar escrito no contrato: em que viatura, que motorista, que horário, que frequência, etc. O que sair fora do estipulado tem de ser renegociado. Em Portugal, o Estado não só tem sentido dificuldades em apresentar o mesmo nível de qualificações que os privados nestas negociações, como também tem mudado muitas vezes de ideias: ou porque quer alterar um traçado (para obedecer a estudos de impacte ambiental), ou porque quer ampliar uma faixa ou, até, porque quer introduzir portagens onde elas não estavam previstas. Ou porque, afinal, já não quer avançar com o contrato. Todas essas incertezas têm como consequência um agravamento dos custos. E uma coisa é certa: a factura vai aparecer. Quase sempre para os contribuintes.
O país está no pelotão da frente das PPP, tanto no peso que têm no PIB como no investimento. As adjudicações já ultrapassaram os 28 mil milhões de euros
No campeonato da contratação de investimento público e de prestação de serviços com recurso a Parcerias Público-Privadas (PPP), Portugal é líder desde há muito. No final de 2009, as estimativas globais de investimento nos projectos contratados ascendiam, em termos acumulados, a 28 mil milhões de euros. E num horizonte até 2017, caso avançassem todos os investimentos que foram sendo anunciados, rapidamente se ultrapassaria a fronteira dos 50 mil milhões. Seria o equivalente a contratar todo um projecto de alta velocidade por ano. Actualmente, a carteira de contratos que está a ser acompanhada pelo observatório criado para o efeito atinge quase a centena, tendo nos últimos 15 anos registado taxas de crescimento sempre superiores aos dois dígitos.
Como afirma Mariana Abrantes - uma especialista neste tipo de contratos - em entrevista ao PÚBLICO (ver páginas 20 e 21), Portugal recorreu a este tipo de contrato mais do que todos os outros países da UE em termos de percentagem do PIB. Vários estudos, incluindo um recentemente publicado pela consultora Delloitte, confirmam esta informação.
O conceito de concessão, em que o Estado passa para um privado a responsabilidade de prestar determinado serviço público, não é nova, tem quase um século - as Águas do Porto, há quase cem anos, foram contratadas assim. Mas o conceito evoluiu e alavancou-se em complexos contratos que passam, também, pela questão de financiamento.
A PPP é definida como um contrato administrativo plurianual pelo qual o parceiro público transfere para um parceiro privado a obrigação de construir obra pública ou prestar um serviço público de determinada qualidade aos utilizadores dos serviços públicos, junto com o direito de cobrar ou de ser remunerado pela prestação desses serviços. A remuneração deve ser assegurada pelos utilizadores ou pelos contribuintes, sendo o parceiro privado responsável pela construção, gestão, exploração e financiamento da obra.
O primeiro contrato deste tipo foi negociado para a construção da Ponte Vasco da Gama, já em 1992. E, 18 anos depois, tem sido instrumento privilegiado para avançar com a prestação de vários tipos de serviços - generalizou-se na área dos transportes, mas chegou também à saúde, à energia e mesmo à segurança interna.
As PPP tornaram-se regra: o que não cabe no investimento público directo passa para a alçada da dívida dos privados, que ficam com a responsabilidade do financiamento e amortizam o investimento em prazos de maturidade prolongados - em Portugal, normalmente, 30 anos. Tal facto tornou as decisões de investimento público muito dependentes do mercado financeiro e da banca, que avaliza ou não estes contratos.
Contratos complexos
À margem da conjuntura financeira que o mundo atravessa, os contratos PPP levantam ainda outras questões trazidas pela sua complexidade, muito diferente do investimento directo. Tão diferente como fazer a opção entre escolher o automóvel que se quer comprar - com a hipótese de optar por uma determinada cor, cilindrada, extras, etc. - ou contratar um serviço de motorista. Aqui, tudo tem de ficar escrito no contrato: em que viatura, que motorista, que horário, que frequência, etc. O que sair fora do estipulado tem de ser renegociado. Em Portugal, o Estado não só tem sentido dificuldades em apresentar o mesmo nível de qualificações que os privados nestas negociações, como também tem mudado muitas vezes de ideias: ou porque quer alterar um traçado (para obedecer a estudos de impacte ambiental), ou porque quer ampliar uma faixa ou, até, porque quer introduzir portagens onde elas não estavam previstas. Ou porque, afinal, já não quer avançar com o contrato. Todas essas incertezas têm como consequência um agravamento dos custos. E uma coisa é certa: a factura vai aparecer. Quase sempre para os contribuintes.
"O meu filho é que me doía"
Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Atrasou-se. Atrasou-se muito. A culpa foi da doença que o apanhou e que o ia levando. A mãe mal saía de ao pé dele. O pai fotografava os amigos que ele ia fazendo na Unidade de Hematologia e Oncologia Pediátrica do Hospital de São João (Porto) e que iam morrendo - quase, quase todos. O regresso à vida dita normal nada teve de normal. O regresso à vida dita normal trouxe violência.
Tantas vezes, vindo das aulas, o rapaz entrou em casa a chorar. Um dia, os pais fartaram-se, accionaram o Programa Escola Segura. E os agentes apareceram, dentro das suas fardas, e ofereceram um raspanete a quem o agredia. Quando os agentes se enfiaram no carro-patrulha, a directora de turma ralhou: "Não era preciso chamar a polícia!"
A mãe indignou-se com aquela postura, que lhe parecia mais protectora de quem agredia do que de quem era agredido: "Cada vez que ele chegava a casa a chorar, chamava a Escola Segura. O meu filho é que me doía. O meu filho ainda hoje me dói. Ele tem 16 anos, mas não quero que lhe façam mal - nem quero que faça mal a ninguém."
Tinha dez anos quando lhe diagnosticaram cancro. Fez quimioterapia - o cancro entrou em recessão. Sofreu uma recaída - tornou a fazer quimioterapia. Sujeitou-se a um transplante de medula óssea. Fez o 4.º ano de escolaridade em casa. Regressou à escola aos 13 anos.
A escola era outra: quem com ele partilhara sala ia lá à frente. E ele foi agredido por um matulão e encheu-se de medo. Pediu aos médicos que o deixassem ficar em casa. Ficou até ao fim do ano. Tornou a tentar a escola aos 14. Tornou a querer ficar: "Todos os dias, um miúdo metia-se comigo. Vinham mais. Davam-me pancada. Uma vez, trouxe um cadeado daqueles de pôr nas calças."
É um rapaz de poucas falas e de poucos amigos. Talvez se tenha cansado de ver morrer. Por ele, estava sempre fechado em casa, sentado à frente do computador, a jogar ou a ouvir música. Habituou-se a ouvir a mãe falar nele - falar por ele. Habituou-se a ouvir o pai falar nele - falar por ele.
Sentado à mesa da sala e ouve o pai dizer: "Eram mais novos. Conheciam-se todos. Vieram todos da 4.ª classe. Juntavam-se três ou quatro e viravam-se para ele." E a mãe completar: "Lembro-me de o ver deitar sangue. Chegaram a vir atrás dele até casa. Ainda os ouvi dizer que a mãe dele era esta, era aquela, que o pai dele era este, era aquele; que se fosse à escola lhe iam cortar a coisa e que ia no INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica]."
Os pais vão levá-lo, vão buscá-lo. Se pudessem, até cruzariam o portão da escola e iriam até à porta da sala. Certa ocasião, o pai enfureceu-se: "Vi um indivíduo dar-lhe um chapo e os seguranças não fizeram nada." Até queria saltar para cima de quem com o seu filho se metera.
Fintara a morte, mas parecia incapaz de lidar com a vida. Ficava os intervalos dentro da sala - como se estivesse de castigo. Pedia atestado ao médico. E a mãe, atrás dele, a fazer sinal: não.
Atendendo ao "clima" e às "dificuldades de integração" na turma, em Novembro de 2008 a psiquiatra pediu à escola que tomasse medidas. Como não notou melhorias alertou, já em 2009, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) do Porto Oriental: um doente oncológico, com um ligeiro défice cognitivo, estava a desenvolver sintomatologia ansiosa por ser vítima de bullying - abuso mental e físico, intencional, repetido.
A CPCJ aplicou uma medida de acompanhamento junto dos pais e envolveu a escola, que se comprometeu a vigiar e a integrar o rapaz. Houve alguma resistência. A escola argumentou que já o fazia com todos. E a CPCJ lembrou-lhe que aquele era um miúdo especial - sem estratégias de defesa, até pela superprotecção parental. E ouviu a escola advogar que o rapaz não era um anjo.
Não quis mudar de escola - não mudou. A CPCJ entendeu que forçá-lo a mudar de escola seria penalizá-lo - e impedi-lo de aprender a lidar com aquilo. Mudou de turma - e a turma foi sensibilizada para o sofrimento do rapaz; os pais não se cansam de elogiar a nova directora de turma.
Este ano, os pais não andaram a correr para a escola semana-sim-semana-sim por o filho ter caído nas mãos de um "valentão". Só esta semana houve sobressalto. Uma rapariga deu-lhe um estalo. Os óculos caíram - uma lente soltou-se. No dia seguinte, logo pela manhã, a directora de turma avisou a miúda: se fosse preciso pagar algo pelo arranjo, ela é que pagaria.
Os pais puseram-se logo em sentido, mas este episódio parece ser de natureza bem diferente. Alguém escreveu uma carta de amor a uma rapariga e assinou com o nome dele. Corado de vergonha, o rapaz negou a autoria do escrito, pedindo que reparassem não ser sua aquela letra. O debate aqueceu e uma amiga da destinatária da carta deu-lhe um estalo.
"O Conselho Executivo já disse que não pode ter um segurança em cima de cada aluno", reconhece a mãe. E o rapaz já não quer estar ali. O rapaz já nem quer frequentar o ensino regular. Já só quer fazer um curso de educação e formação de informática que lhe dê equivalência ao 9.º ano. E viver em paz.
Atrasou-se. Atrasou-se muito. A culpa foi da doença que o apanhou e que o ia levando. A mãe mal saía de ao pé dele. O pai fotografava os amigos que ele ia fazendo na Unidade de Hematologia e Oncologia Pediátrica do Hospital de São João (Porto) e que iam morrendo - quase, quase todos. O regresso à vida dita normal nada teve de normal. O regresso à vida dita normal trouxe violência.
Tantas vezes, vindo das aulas, o rapaz entrou em casa a chorar. Um dia, os pais fartaram-se, accionaram o Programa Escola Segura. E os agentes apareceram, dentro das suas fardas, e ofereceram um raspanete a quem o agredia. Quando os agentes se enfiaram no carro-patrulha, a directora de turma ralhou: "Não era preciso chamar a polícia!"
A mãe indignou-se com aquela postura, que lhe parecia mais protectora de quem agredia do que de quem era agredido: "Cada vez que ele chegava a casa a chorar, chamava a Escola Segura. O meu filho é que me doía. O meu filho ainda hoje me dói. Ele tem 16 anos, mas não quero que lhe façam mal - nem quero que faça mal a ninguém."
Tinha dez anos quando lhe diagnosticaram cancro. Fez quimioterapia - o cancro entrou em recessão. Sofreu uma recaída - tornou a fazer quimioterapia. Sujeitou-se a um transplante de medula óssea. Fez o 4.º ano de escolaridade em casa. Regressou à escola aos 13 anos.
A escola era outra: quem com ele partilhara sala ia lá à frente. E ele foi agredido por um matulão e encheu-se de medo. Pediu aos médicos que o deixassem ficar em casa. Ficou até ao fim do ano. Tornou a tentar a escola aos 14. Tornou a querer ficar: "Todos os dias, um miúdo metia-se comigo. Vinham mais. Davam-me pancada. Uma vez, trouxe um cadeado daqueles de pôr nas calças."
É um rapaz de poucas falas e de poucos amigos. Talvez se tenha cansado de ver morrer. Por ele, estava sempre fechado em casa, sentado à frente do computador, a jogar ou a ouvir música. Habituou-se a ouvir a mãe falar nele - falar por ele. Habituou-se a ouvir o pai falar nele - falar por ele.
Sentado à mesa da sala e ouve o pai dizer: "Eram mais novos. Conheciam-se todos. Vieram todos da 4.ª classe. Juntavam-se três ou quatro e viravam-se para ele." E a mãe completar: "Lembro-me de o ver deitar sangue. Chegaram a vir atrás dele até casa. Ainda os ouvi dizer que a mãe dele era esta, era aquela, que o pai dele era este, era aquele; que se fosse à escola lhe iam cortar a coisa e que ia no INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica]."
Os pais vão levá-lo, vão buscá-lo. Se pudessem, até cruzariam o portão da escola e iriam até à porta da sala. Certa ocasião, o pai enfureceu-se: "Vi um indivíduo dar-lhe um chapo e os seguranças não fizeram nada." Até queria saltar para cima de quem com o seu filho se metera.
Fintara a morte, mas parecia incapaz de lidar com a vida. Ficava os intervalos dentro da sala - como se estivesse de castigo. Pedia atestado ao médico. E a mãe, atrás dele, a fazer sinal: não.
Atendendo ao "clima" e às "dificuldades de integração" na turma, em Novembro de 2008 a psiquiatra pediu à escola que tomasse medidas. Como não notou melhorias alertou, já em 2009, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) do Porto Oriental: um doente oncológico, com um ligeiro défice cognitivo, estava a desenvolver sintomatologia ansiosa por ser vítima de bullying - abuso mental e físico, intencional, repetido.
A CPCJ aplicou uma medida de acompanhamento junto dos pais e envolveu a escola, que se comprometeu a vigiar e a integrar o rapaz. Houve alguma resistência. A escola argumentou que já o fazia com todos. E a CPCJ lembrou-lhe que aquele era um miúdo especial - sem estratégias de defesa, até pela superprotecção parental. E ouviu a escola advogar que o rapaz não era um anjo.
Não quis mudar de escola - não mudou. A CPCJ entendeu que forçá-lo a mudar de escola seria penalizá-lo - e impedi-lo de aprender a lidar com aquilo. Mudou de turma - e a turma foi sensibilizada para o sofrimento do rapaz; os pais não se cansam de elogiar a nova directora de turma.
Este ano, os pais não andaram a correr para a escola semana-sim-semana-sim por o filho ter caído nas mãos de um "valentão". Só esta semana houve sobressalto. Uma rapariga deu-lhe um estalo. Os óculos caíram - uma lente soltou-se. No dia seguinte, logo pela manhã, a directora de turma avisou a miúda: se fosse preciso pagar algo pelo arranjo, ela é que pagaria.
Os pais puseram-se logo em sentido, mas este episódio parece ser de natureza bem diferente. Alguém escreveu uma carta de amor a uma rapariga e assinou com o nome dele. Corado de vergonha, o rapaz negou a autoria do escrito, pedindo que reparassem não ser sua aquela letra. O debate aqueceu e uma amiga da destinatária da carta deu-lhe um estalo.
"O Conselho Executivo já disse que não pode ter um segurança em cima de cada aluno", reconhece a mãe. E o rapaz já não quer estar ali. O rapaz já nem quer frequentar o ensino regular. Já só quer fazer um curso de educação e formação de informática que lhe dê equivalência ao 9.º ano. E viver em paz.
Treze por cento dos adolescentes dizem-se vítimas de abuso físico
Por Andrea Cunha Freitas, in Jornal Público
Faculdade de Medicina do Porto questionou mais de 7500 adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, de escolas públicas do país
Pode ter sido um insulto na escola ou uma bofetada em casa. Tudo depende do que se entende por violência. Mais de 7500 adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, de 16 escolas públicas de todo o país foram inquiridos e 16 por cento afirmaram já ter sido vítimas de abuso emocional, 13 por cento de abuso físico e quase dois por cento de abuso sexual. As perguntas foram feitas em 2000, mas só agora o trabalho foi publicado. Elisabete Ramos, uma das investigadoras envolvidas no estudo, admite que, passada uma década, os números poderiam ser diferentes, mas não por causa de um aumento da violência. "Tenho algumas dúvidas sobre se os números mudaram ou se o que mudou foi a visibilidade deste fenómeno da violência", argumenta.
"Alguma vez foste vítima de violência física?" era apenas uma das muitas questões colocadas aos jovens no inquérito anónimo realizado na sala de aula. As respostas dos adolescentes permitiram concluir que o tipo de violência mais referido foi a violência emocional. Possivelmente confirmando as expectativas, os rapazes (sobretudo os mais novos) revelaram estar mais presentes em lutas físicas (13,6 por cento versus 3,6 por cento do lado feminino) e queixaram-se mais do que as raparigas de abusos físicos (19,5 por cento versus 7,5 por cento). A prevalência nas "queixas" de violência emocional e sexual é similar entre rapazes e raparigas. Da leitura dos dados é possível perceber que, à medida que vão ficando mais velhos, os adolescentes envolvem-se menos em lutas físicas, mas reportam mais situações de abuso emocional. "Talvez isto se verifique porque vão tendo uma percepção diferente do que pode ser violência emocional. Quanto mais velho, mais entende que algumas coisas são abuso", explica a investigadora Elisabete Ramos, usando o mesmo argumento para explicar os números mais elevados de relatos de abuso emocional e físico nos adolescentes com famílias mais escolarizadas. Ainda neste campo, o trabalho mostra que, nas raparigas, as probabilidades de serem vítimas de abuso emocional aumentam quando se encontram inseridas em famílias com maior grau de instrução. O estudo confirmou ainda que o consumo de tabaco e cannabis está associado a todos os tipos de violência em ambos os sexos e não detectou diferenças entre as regiões do país nas prevalências dos vários tipos de abuso. Uma das maiores surpresas foi a ausência de diferenças claras entre os dois géneros no abuso emocional. "O que podíamos supor à partida é que teríamos mais nas mulheres."
Decréscimo do bullying
Além da obtenção de dados sobre a violência física, emocional e sexual, o trabalho dos investigadores da Faculdade de Medicina e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto quis verificar outras questões como a relação da violência com a religião e com as características socieconómicas da família, entre outras. "Estas questões da violência são extremamente difíceis de medir. Não é como o colesterol ou a glicose. A informação que recolhemos depende da percepção que as pessoas têm sobre o assunto", explica Elisabete Ramos, do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto, que justifica o atraso de dez anos na divulgação dos dados com "problemas no tratamento da informação".
Ainda do lado das eventuais limitações de um trabalho deste género, a investigadora salvaguarda que é preciso ter em atenção o número de questões colocadas e o tempo que demora o inquérito. É que, quando os investigadores abusam da paciência dos inquiridos, há muitas probabilidades de terem mais desistências ou recusas em participar. Assim - e tendo em conta que o objectivo do estudo era analisar os factores sociais e comportamentais da violência dos adolescentes -, o estudo acaba por não explorar com profundidade o tipo de violência que é denunciado. Não é possível saber, por isso, qual a gravidade do abuso. Assim como não conseguimos perceber quantos agressores poderemos ter entre as vítimas e onde aconteceu o alegado acto de violência. "Não tratamos esses aspectos no estudo. As respostas incluem tudo o que é violência, tudo o que eles entenderam como violência", diz Elisabete Ramos.
Porém, consciente da mediatização do fenómeno do bullying, a investigadora nota que os mais recentes estudos internacionais referem um decréscimo deste tipo de violência (ver caixa). "Quando olhamos, vemos", refere para justificar a percepção que pode existir sobre um aumento na ocorrência do fenómeno.
Sobre o facto de não se separar as águas entre a violência que acontece na escola e fora dela, a investigadora não hesita: "A principal determinante é estar a viver um ambiente de violência. Não há um muro que separa uma violência da outra. Toda a violência se relaciona entre si. Geralmente, o que se nota é um arrastar do comportamento de um ambiente para o outro. Ser vítima num ambiente vai condicionar o comportamento no outro ambiente." Elisabete Ramos defende a necessidade de se investigar mais e melhor sobre este fenómeno, mas nota que é preciso que "não se misturem objectivos". "Temos de perceber bem à partida o que queremos estudar", defende. Saber como estão hoje os jovens inquiridos em 2000 é impossível, uma vez que a participação foi anónima. Mas, conclui a investigadora, "seria interessante repetir o estudo, com a mesma metodologia e as mesmas questões".
Faculdade de Medicina do Porto questionou mais de 7500 adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, de escolas públicas do país
Pode ter sido um insulto na escola ou uma bofetada em casa. Tudo depende do que se entende por violência. Mais de 7500 adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, de 16 escolas públicas de todo o país foram inquiridos e 16 por cento afirmaram já ter sido vítimas de abuso emocional, 13 por cento de abuso físico e quase dois por cento de abuso sexual. As perguntas foram feitas em 2000, mas só agora o trabalho foi publicado. Elisabete Ramos, uma das investigadoras envolvidas no estudo, admite que, passada uma década, os números poderiam ser diferentes, mas não por causa de um aumento da violência. "Tenho algumas dúvidas sobre se os números mudaram ou se o que mudou foi a visibilidade deste fenómeno da violência", argumenta.
"Alguma vez foste vítima de violência física?" era apenas uma das muitas questões colocadas aos jovens no inquérito anónimo realizado na sala de aula. As respostas dos adolescentes permitiram concluir que o tipo de violência mais referido foi a violência emocional. Possivelmente confirmando as expectativas, os rapazes (sobretudo os mais novos) revelaram estar mais presentes em lutas físicas (13,6 por cento versus 3,6 por cento do lado feminino) e queixaram-se mais do que as raparigas de abusos físicos (19,5 por cento versus 7,5 por cento). A prevalência nas "queixas" de violência emocional e sexual é similar entre rapazes e raparigas. Da leitura dos dados é possível perceber que, à medida que vão ficando mais velhos, os adolescentes envolvem-se menos em lutas físicas, mas reportam mais situações de abuso emocional. "Talvez isto se verifique porque vão tendo uma percepção diferente do que pode ser violência emocional. Quanto mais velho, mais entende que algumas coisas são abuso", explica a investigadora Elisabete Ramos, usando o mesmo argumento para explicar os números mais elevados de relatos de abuso emocional e físico nos adolescentes com famílias mais escolarizadas. Ainda neste campo, o trabalho mostra que, nas raparigas, as probabilidades de serem vítimas de abuso emocional aumentam quando se encontram inseridas em famílias com maior grau de instrução. O estudo confirmou ainda que o consumo de tabaco e cannabis está associado a todos os tipos de violência em ambos os sexos e não detectou diferenças entre as regiões do país nas prevalências dos vários tipos de abuso. Uma das maiores surpresas foi a ausência de diferenças claras entre os dois géneros no abuso emocional. "O que podíamos supor à partida é que teríamos mais nas mulheres."
Decréscimo do bullying
Além da obtenção de dados sobre a violência física, emocional e sexual, o trabalho dos investigadores da Faculdade de Medicina e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto quis verificar outras questões como a relação da violência com a religião e com as características socieconómicas da família, entre outras. "Estas questões da violência são extremamente difíceis de medir. Não é como o colesterol ou a glicose. A informação que recolhemos depende da percepção que as pessoas têm sobre o assunto", explica Elisabete Ramos, do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto, que justifica o atraso de dez anos na divulgação dos dados com "problemas no tratamento da informação".
Ainda do lado das eventuais limitações de um trabalho deste género, a investigadora salvaguarda que é preciso ter em atenção o número de questões colocadas e o tempo que demora o inquérito. É que, quando os investigadores abusam da paciência dos inquiridos, há muitas probabilidades de terem mais desistências ou recusas em participar. Assim - e tendo em conta que o objectivo do estudo era analisar os factores sociais e comportamentais da violência dos adolescentes -, o estudo acaba por não explorar com profundidade o tipo de violência que é denunciado. Não é possível saber, por isso, qual a gravidade do abuso. Assim como não conseguimos perceber quantos agressores poderemos ter entre as vítimas e onde aconteceu o alegado acto de violência. "Não tratamos esses aspectos no estudo. As respostas incluem tudo o que é violência, tudo o que eles entenderam como violência", diz Elisabete Ramos.
Porém, consciente da mediatização do fenómeno do bullying, a investigadora nota que os mais recentes estudos internacionais referem um decréscimo deste tipo de violência (ver caixa). "Quando olhamos, vemos", refere para justificar a percepção que pode existir sobre um aumento na ocorrência do fenómeno.
Sobre o facto de não se separar as águas entre a violência que acontece na escola e fora dela, a investigadora não hesita: "A principal determinante é estar a viver um ambiente de violência. Não há um muro que separa uma violência da outra. Toda a violência se relaciona entre si. Geralmente, o que se nota é um arrastar do comportamento de um ambiente para o outro. Ser vítima num ambiente vai condicionar o comportamento no outro ambiente." Elisabete Ramos defende a necessidade de se investigar mais e melhor sobre este fenómeno, mas nota que é preciso que "não se misturem objectivos". "Temos de perceber bem à partida o que queremos estudar", defende. Saber como estão hoje os jovens inquiridos em 2000 é impossível, uma vez que a participação foi anónima. Mas, conclui a investigadora, "seria interessante repetir o estudo, com a mesma metodologia e as mesmas questões".
Candidaturas ao programa de apoio Porta 65 começam hoje
in Jornal de Notícias
As duas primeiras fases de candidatura consecutivas ao programa de apoio ao arrendamento jovem Porta65 arrancam hoje, novamente com novas regras, depois da segunda alteração ao diploma inicial feita este ano pelo Governo.
O programa foi lançado em 2007 e recebeu logo queixas de toda a oposição, protestos que levaram o Governo a alterar por duas vezes as regras. As primeiras alterações surgiram logo em 2008, com o aumento dos tectos máximos das rendas a apoiar e da taxa de esforço (peso da renda no rendimento mensal).
Em Janeiro deste ano, o Governo alargou o limite de idade (pode concorrer-se até aos 30 anos e o apoio dura três anos) e possibilitou a inclusão de prestações sociais (subsídios maternidade ou bolsas de estudo) no cálculo dos rendimentos. É agora possível apresentar a declaração de rendimentos dos últimos seis meses, e não do último ano, entregar apenas a promessa de contrato de arrendamento, e mudar de residência e continuar no programa. Lusa
As duas primeiras fases de candidatura consecutivas ao programa de apoio ao arrendamento jovem Porta65 arrancam hoje, novamente com novas regras, depois da segunda alteração ao diploma inicial feita este ano pelo Governo.
O programa foi lançado em 2007 e recebeu logo queixas de toda a oposição, protestos que levaram o Governo a alterar por duas vezes as regras. As primeiras alterações surgiram logo em 2008, com o aumento dos tectos máximos das rendas a apoiar e da taxa de esforço (peso da renda no rendimento mensal).
Em Janeiro deste ano, o Governo alargou o limite de idade (pode concorrer-se até aos 30 anos e o apoio dura três anos) e possibilitou a inclusão de prestações sociais (subsídios maternidade ou bolsas de estudo) no cálculo dos rendimentos. É agora possível apresentar a declaração de rendimentos dos últimos seis meses, e não do último ano, entregar apenas a promessa de contrato de arrendamento, e mudar de residência e continuar no programa. Lusa
Portugal e Venezuela preparam plano de combate à crise
in Jornal Público
A anteceder a visita de José Sócrates, Luís Amado e homólogo de Caracas estudam agenda económica
Os Governos de Portugal e da Venezuela vão transformar a "muito importante" agenda económica bilateral num "plano económico para enfrentar a crise", revelou ontem o ministro de Relações Exteriores da Venezuela. Nicolás Maduro falou depois de um encontro com o seu homólogo português, Luís Amado, que iniciou sábado uma curta visita a Caracas, antecedendo a visita oficial de José Sócrates, no final desta semana.
A Venezuela passou a ser "um mercado muito importante" para as exportações portuguesas, representando um espaço de oportunidades de negócios para Portugal, afirmou por seu lado o ministro dos Negócios Estrangeiros português. Segundo Luís Amado, "é preciso ter em consideração que a relação com a Venezuela ganhou nos últimos anos uma dinâmica muito particular nos planos político e económico; há a registar mais de uma vintena de visitas, a nível político, de membros do Governo português e de membros do Governo da Venezuela a Portugal".
Nicolás Maduro sublinhou ainda que a visita oficial do primeiro-ministro de Portugal, com uma ampla delegação do Governo português, "será a oportunidade, com o comandante Hugo Chávez, Presidente da República, para estabelecer a agenda e a rota de desenvolvimento desta aliança económica Portugal/Venezuela".
Sobre a reunião com Luís Amado, precisou que "foi muito elucidativa sobre o que é a crise da economia capitalista europeia" e que ambos apostam em "estudar" projectos conjuntos de desenvolvimento. Recordou que está em marcha o projecto de instalação, na Venezuela, de uma fábrica de computadores Canaima (nome local dos portáteis Magalhães), a ampliação do porto de La Guaira e a construção de vários milhares de habitações com empresas portuguesas. Há ainda alianças para a participação da Galp na faixa petrolífera de Orinoco. Lusa
A anteceder a visita de José Sócrates, Luís Amado e homólogo de Caracas estudam agenda económica
Os Governos de Portugal e da Venezuela vão transformar a "muito importante" agenda económica bilateral num "plano económico para enfrentar a crise", revelou ontem o ministro de Relações Exteriores da Venezuela. Nicolás Maduro falou depois de um encontro com o seu homólogo português, Luís Amado, que iniciou sábado uma curta visita a Caracas, antecedendo a visita oficial de José Sócrates, no final desta semana.
A Venezuela passou a ser "um mercado muito importante" para as exportações portuguesas, representando um espaço de oportunidades de negócios para Portugal, afirmou por seu lado o ministro dos Negócios Estrangeiros português. Segundo Luís Amado, "é preciso ter em consideração que a relação com a Venezuela ganhou nos últimos anos uma dinâmica muito particular nos planos político e económico; há a registar mais de uma vintena de visitas, a nível político, de membros do Governo português e de membros do Governo da Venezuela a Portugal".
Nicolás Maduro sublinhou ainda que a visita oficial do primeiro-ministro de Portugal, com uma ampla delegação do Governo português, "será a oportunidade, com o comandante Hugo Chávez, Presidente da República, para estabelecer a agenda e a rota de desenvolvimento desta aliança económica Portugal/Venezuela".
Sobre a reunião com Luís Amado, precisou que "foi muito elucidativa sobre o que é a crise da economia capitalista europeia" e que ambos apostam em "estudar" projectos conjuntos de desenvolvimento. Recordou que está em marcha o projecto de instalação, na Venezuela, de uma fábrica de computadores Canaima (nome local dos portáteis Magalhães), a ampliação do porto de La Guaira e a construção de vários milhares de habitações com empresas portuguesas. Há ainda alianças para a participação da Galp na faixa petrolífera de Orinoco. Lusa
56 mortes nas prisões portuguesas em 2009
por Luís Maneta, in Diário de Notícias
Taxa de óbitos nos estabelecimentos prisionais portugueses é o dobro da dos outros países do Conselho da Europa.
A cumprir uma pena de três anos e nove meses no Estabelecimento Prisional de Beja, onde era regularmente visitado pelos avós, Bruno M. foi encontrado morto faz hoje uma semana, caído no chão da cela individual que ocupava. Um companheiro que com ele conviveu no interior da prisão, disse que Bruno, de 27 anos, bateu na porta a pedir ajuda. Sem sucesso. O intercomunicador estaria desligado e quando o INEM foi chamado, cerca das 07.00, já era tarde. As primeiras investigações apontam para uma morte provocada por "causas naturais".
Dias antes, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, um recluso de nacionalidade francesa enforcou-se no interior da cela. Em Janeiro, a morte de um preso fez estalar a revolta no Linhó (Sintra), ouvindo-se queixas sobre a falta de medicamentos e a alegada não abertura da vigia das portas das celas durante a ronda nocturna, o que poderia ter ajudado a salvar uma vida.
A Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED) lamenta que casos como estes se repitam com "demasiada frequência" no interior das prisões portuguesas onde, em 2009, 56 reclusos perderam a vida. De acordo com dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), a que o DN teve acesso, 40 destas mortes ficaram a dever-se a doença. As restantes 16 resultaram de suicídio. Num ano em que não ocorreu qualquer homicídio nos estabelecimentos prisionais, a DGSP diz que são os homens que mais morrem no interior das cadeias - o ano passado apenas foi registada a morte de duas reclusas.
"Uma taxa que ronda as 50 mortes por cada dez mil reclusos representa sensivelmente o dobro da média dos países do Conselho da Europa", diz António Pedro Dores, investigador do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e dirigente da ACED. "É uma taxa de mortalidade extremamente elevada que resulta das condições miseráveis de funcionamento das prisões portuguesas onde só há pouco tempo se conseguiu acabar com o balde higiénico".
Na mesma linha vão as conclusões do relatório social sobre o sistema penitenciário, publicado em 2008 pela Provedoria de Justiça, onde se assinala que a mortalidade entre a população reclusa "tem sido em geral alta face aos padrões europeus e por referência à população internada". E as conclusões do relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre os Direitos Humanos: "As condições das prisões [portuguesas] continuam pobres e há relatos de maus tratos por guardas prisionais. Outros problemas são a sobrelotação, instalações desadequadas, más condições de saúde e violência entre os presos."
Segundo António Pedro Dores, o acesso dos reclusos a serviços externos de saúde é "muito complicado" pois o "controlo de custos no sistema prisional obriga, por exemplo, a que as doenças mentais praticamente não sejam tratadas". A estes problemas, a ACED soma uma "elevadíssima incidência" de doenças infecto-contagiosas associada à toxicodependência - "cerca de metade dos presos assume o consumo de drogas" - e a "falta" de apoio médico adequado.
Dos 16 casos de suicídio verificados em 2009 - número que o Ministério da Justiça (MJ) reconhece ser "muito elevado" mas não "anormal" comparativamente com anos anteriores - sete ocorreram no Estabelecimento Prisional do Porto. A Provedoria de Justiça assinala que no caso dos suicídios "o efeito de imitação pode empolar os valores de alguns anos."
Taxa de óbitos nos estabelecimentos prisionais portugueses é o dobro da dos outros países do Conselho da Europa.
A cumprir uma pena de três anos e nove meses no Estabelecimento Prisional de Beja, onde era regularmente visitado pelos avós, Bruno M. foi encontrado morto faz hoje uma semana, caído no chão da cela individual que ocupava. Um companheiro que com ele conviveu no interior da prisão, disse que Bruno, de 27 anos, bateu na porta a pedir ajuda. Sem sucesso. O intercomunicador estaria desligado e quando o INEM foi chamado, cerca das 07.00, já era tarde. As primeiras investigações apontam para uma morte provocada por "causas naturais".
Dias antes, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, um recluso de nacionalidade francesa enforcou-se no interior da cela. Em Janeiro, a morte de um preso fez estalar a revolta no Linhó (Sintra), ouvindo-se queixas sobre a falta de medicamentos e a alegada não abertura da vigia das portas das celas durante a ronda nocturna, o que poderia ter ajudado a salvar uma vida.
A Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED) lamenta que casos como estes se repitam com "demasiada frequência" no interior das prisões portuguesas onde, em 2009, 56 reclusos perderam a vida. De acordo com dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), a que o DN teve acesso, 40 destas mortes ficaram a dever-se a doença. As restantes 16 resultaram de suicídio. Num ano em que não ocorreu qualquer homicídio nos estabelecimentos prisionais, a DGSP diz que são os homens que mais morrem no interior das cadeias - o ano passado apenas foi registada a morte de duas reclusas.
"Uma taxa que ronda as 50 mortes por cada dez mil reclusos representa sensivelmente o dobro da média dos países do Conselho da Europa", diz António Pedro Dores, investigador do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e dirigente da ACED. "É uma taxa de mortalidade extremamente elevada que resulta das condições miseráveis de funcionamento das prisões portuguesas onde só há pouco tempo se conseguiu acabar com o balde higiénico".
Na mesma linha vão as conclusões do relatório social sobre o sistema penitenciário, publicado em 2008 pela Provedoria de Justiça, onde se assinala que a mortalidade entre a população reclusa "tem sido em geral alta face aos padrões europeus e por referência à população internada". E as conclusões do relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre os Direitos Humanos: "As condições das prisões [portuguesas] continuam pobres e há relatos de maus tratos por guardas prisionais. Outros problemas são a sobrelotação, instalações desadequadas, más condições de saúde e violência entre os presos."
Segundo António Pedro Dores, o acesso dos reclusos a serviços externos de saúde é "muito complicado" pois o "controlo de custos no sistema prisional obriga, por exemplo, a que as doenças mentais praticamente não sejam tratadas". A estes problemas, a ACED soma uma "elevadíssima incidência" de doenças infecto-contagiosas associada à toxicodependência - "cerca de metade dos presos assume o consumo de drogas" - e a "falta" de apoio médico adequado.
Dos 16 casos de suicídio verificados em 2009 - número que o Ministério da Justiça (MJ) reconhece ser "muito elevado" mas não "anormal" comparativamente com anos anteriores - sete ocorreram no Estabelecimento Prisional do Porto. A Provedoria de Justiça assinala que no caso dos suicídios "o efeito de imitação pode empolar os valores de alguns anos."
Crise leva milhares a tratar dentes nas faculdades
in Diário de Notícias
Em 2009 realizaram-se 65 mil consultas nas faculdades de Lisboa e Porto. Alunos são muito controlados por professores.
A crise está a levar mais pessoas a procurarem tratamentos dentários feitos por alunos a preços reduzidos nas faculdades. No ano passado, realizaram-se mais de 65 mil consultas só em Lisboa e no Porto.
Na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, o preço das consultas oscila entre os 15 e os 25 euros. Mas a mesma crise que leva mais gente a estes serviços faz com que muitos comecem a evitar também aqui os tratamentos mais caros.
No terceiro piso da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), quase só se ouve o barulho dos equipamentos dos mais de cem alunos dos 4.º e 5.º anos. Os pacientes parecem descansados nas mãos dos estudantes: a intervenção só começa depois de uma avaliação da história clínica e cada novo passo só é dado após aval do professor.
Ali, realizam-se anualmente cerca de 40 mil consultas. "Ninguém pode passar para a fase seguinte sem ser controlado e assinado por nós", explica Rosário Mexia, uma das assistentes de Den- tisteria da Faculdade. A professora fez parte da primeira turma de alunos daquela faculdade, na década de 70, e garante que "nunca assistiu a nada de grave".
No Porto, o director da clínica, Paulo Melo, lembra que os alunos "começam pelos actos mais simples e conforme vão ganhando experiência e conhecimento vão avançando". Em 2009, realizaram--se cerca de 25 mil consultas.
Nas faculdades existe a obrigação moral de "prestar um serviço de excelência à comunidade", diz o presidente da associação de estudantes da FMDUL, Diogo Monteiro. Sem a pressão comercial das clínicas, os futuros dentistas podem "discutir a história clínica e recorrer a vários especialistas que já são professores catedráticos, professores assistentes", sublinha.
Maria do Carmo Silva, 48 anos, descobriu este serviço há três anos. "Já passei por várias mãos e não tenho razão de queixa. São simpáticos e muito preocupados. Já fiz aqui alguns tratamentos complicados e são tão cuidadosos que às vez ligam-me para saber como estou a reagir."
A questão do preço também é uma mais-valia. "As consultas são bastante mais económicas e, em tempos de crise, isto também conta", admite.
Em 2009 realizaram-se 65 mil consultas nas faculdades de Lisboa e Porto. Alunos são muito controlados por professores.
A crise está a levar mais pessoas a procurarem tratamentos dentários feitos por alunos a preços reduzidos nas faculdades. No ano passado, realizaram-se mais de 65 mil consultas só em Lisboa e no Porto.
Na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, o preço das consultas oscila entre os 15 e os 25 euros. Mas a mesma crise que leva mais gente a estes serviços faz com que muitos comecem a evitar também aqui os tratamentos mais caros.
No terceiro piso da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), quase só se ouve o barulho dos equipamentos dos mais de cem alunos dos 4.º e 5.º anos. Os pacientes parecem descansados nas mãos dos estudantes: a intervenção só começa depois de uma avaliação da história clínica e cada novo passo só é dado após aval do professor.
Ali, realizam-se anualmente cerca de 40 mil consultas. "Ninguém pode passar para a fase seguinte sem ser controlado e assinado por nós", explica Rosário Mexia, uma das assistentes de Den- tisteria da Faculdade. A professora fez parte da primeira turma de alunos daquela faculdade, na década de 70, e garante que "nunca assistiu a nada de grave".
No Porto, o director da clínica, Paulo Melo, lembra que os alunos "começam pelos actos mais simples e conforme vão ganhando experiência e conhecimento vão avançando". Em 2009, realizaram--se cerca de 25 mil consultas.
Nas faculdades existe a obrigação moral de "prestar um serviço de excelência à comunidade", diz o presidente da associação de estudantes da FMDUL, Diogo Monteiro. Sem a pressão comercial das clínicas, os futuros dentistas podem "discutir a história clínica e recorrer a vários especialistas que já são professores catedráticos, professores assistentes", sublinha.
Maria do Carmo Silva, 48 anos, descobriu este serviço há três anos. "Já passei por várias mãos e não tenho razão de queixa. São simpáticos e muito preocupados. Já fiz aqui alguns tratamentos complicados e são tão cuidadosos que às vez ligam-me para saber como estou a reagir."
A questão do preço também é uma mais-valia. "As consultas são bastante mais económicas e, em tempos de crise, isto também conta", admite.
Malparado faz disparar venda de casas em leilão
por João Cristóvão Baptista, in Diário de Notícias
Preço 30% a 40% abaixo do mercado. Empresa tem duas mil casas para leiloar.
"Tenho 68 mil euros do senhor aqui à minha esquerda, quem dá mais? 68 mil euros para o lote 26, um apartamento em Queluz... 68 mil, uma, duas, vendido por 68 mil euros!" Durante toda a tarde de ontem sucederam-se as ofertas e os negócios deste género num dos vários leilões de casas que todas as semanas são organizados pela Euro Estates, uma empresa especializada na venda de imóveis provenientes do crédito malparado, que tem tido cada vez mais procura.
O leilão de ontem, realizado no Hotel Villa Rica, em Lisboa, contou com um catálogo de quase 60 imóveis - propriedade do Banco Espírito Santo - e que suscitaram o interesse de mais de 200 possíveis compradores, todos à procura da altura certa para licitar e fechar um bom negócio. No final do dia, mais de 80% das casas catalogadas tinham comprador.
A razão para este sucesso? "Os preços baixos face ao que se encontra no mercado", explicou ao DN. "Os preços são muito apelativos, com a maior parte dos imóveis a ser arrematada por menos 30% ou 40% do que o seu valor de mercado", adiantou o administrador, apontando a subida do crédito malparado em Portugal (atingiu em Março passado um valor histórico) como o principal responsável pela subida da procura.
Segundo o administrador da Euro Estates, a empresa vai realizar este ano mais de três dezenas de leilões. Um número que corresponde a um total de quase duas mil casas disponíveis e que ultrapassa os 20 eventos do género organizados pela empresa em 2009.
Pedro Girão Oliveira fez ainda questão de sublinhar ao DN que o crescimento dos leilões não é apenas um bom negócio para quem procura casa, mas também para os bancos, os principais clientes desta empresa. "Temos tido um número cada vez maior de imóveis disponíveis em cada leilão, o que significa que esta é uma boa forma de os bancos se livrarem dos imóveis resultantes das penhoras efectuadas", sublinhou, frisando que "apenas num fim-de- -semana, um banco pode conseguir vender mais de cem imóveis, alcançando assim ganhos que, de outra forma, poderiam levar meses a conseguir".
Abertos a todo o tipo de compradores, os leilões de casas têm também uma oferta de imóveis muito alargada: desde um T3 no Barreiro, com uma base de licitação de 35 mil euros, até uma moradia em Vila Franca de Xira, com cinco quartos e um preço inicial de 150 mil euros.
Os preços apelativos geram, por vezes, disputas agressivas entre licitadores e chegam mesmo a fazer com que um determinado imóvel seja vendido "pelo dobro do que inicialmente estava previsto", revelou ao DN o administrador da Euro Estates. "Ainda este fim-de- -semana tivemos um caso assim no Porto: uma vivenda que tinha um preço-base de 185 mil euros e que foi arrematada por 312 mil euros, um valor que, provavelmente, se encontra mesmo acima do valor pedido no mercado", contou.
Segundo apurou o DN junto de muitos dos licitadores presentes no leilão de ontem, a maior parte aparece à procura de casa para habitar por preços reduzidos. Contudo, muitos dos participantes vão à procura de oportunidades de investimento em imóveis que possam depois arrendar.
Preço 30% a 40% abaixo do mercado. Empresa tem duas mil casas para leiloar.
"Tenho 68 mil euros do senhor aqui à minha esquerda, quem dá mais? 68 mil euros para o lote 26, um apartamento em Queluz... 68 mil, uma, duas, vendido por 68 mil euros!" Durante toda a tarde de ontem sucederam-se as ofertas e os negócios deste género num dos vários leilões de casas que todas as semanas são organizados pela Euro Estates, uma empresa especializada na venda de imóveis provenientes do crédito malparado, que tem tido cada vez mais procura.
O leilão de ontem, realizado no Hotel Villa Rica, em Lisboa, contou com um catálogo de quase 60 imóveis - propriedade do Banco Espírito Santo - e que suscitaram o interesse de mais de 200 possíveis compradores, todos à procura da altura certa para licitar e fechar um bom negócio. No final do dia, mais de 80% das casas catalogadas tinham comprador.
A razão para este sucesso? "Os preços baixos face ao que se encontra no mercado", explicou ao DN. "Os preços são muito apelativos, com a maior parte dos imóveis a ser arrematada por menos 30% ou 40% do que o seu valor de mercado", adiantou o administrador, apontando a subida do crédito malparado em Portugal (atingiu em Março passado um valor histórico) como o principal responsável pela subida da procura.
Segundo o administrador da Euro Estates, a empresa vai realizar este ano mais de três dezenas de leilões. Um número que corresponde a um total de quase duas mil casas disponíveis e que ultrapassa os 20 eventos do género organizados pela empresa em 2009.
Pedro Girão Oliveira fez ainda questão de sublinhar ao DN que o crescimento dos leilões não é apenas um bom negócio para quem procura casa, mas também para os bancos, os principais clientes desta empresa. "Temos tido um número cada vez maior de imóveis disponíveis em cada leilão, o que significa que esta é uma boa forma de os bancos se livrarem dos imóveis resultantes das penhoras efectuadas", sublinhou, frisando que "apenas num fim-de- -semana, um banco pode conseguir vender mais de cem imóveis, alcançando assim ganhos que, de outra forma, poderiam levar meses a conseguir".
Abertos a todo o tipo de compradores, os leilões de casas têm também uma oferta de imóveis muito alargada: desde um T3 no Barreiro, com uma base de licitação de 35 mil euros, até uma moradia em Vila Franca de Xira, com cinco quartos e um preço inicial de 150 mil euros.
Os preços apelativos geram, por vezes, disputas agressivas entre licitadores e chegam mesmo a fazer com que um determinado imóvel seja vendido "pelo dobro do que inicialmente estava previsto", revelou ao DN o administrador da Euro Estates. "Ainda este fim-de- -semana tivemos um caso assim no Porto: uma vivenda que tinha um preço-base de 185 mil euros e que foi arrematada por 312 mil euros, um valor que, provavelmente, se encontra mesmo acima do valor pedido no mercado", contou.
Segundo apurou o DN junto de muitos dos licitadores presentes no leilão de ontem, a maior parte aparece à procura de casa para habitar por preços reduzidos. Contudo, muitos dos participantes vão à procura de oportunidades de investimento em imóveis que possam depois arrendar.
Mais de 150 mil portugueses são filhos de pai incógnito
por Ana Rute Peixinho, in Diário de Notícias
Maioria tem hoje mais de 35 anos. A mudança de lei e a evolução na ciência fizeram cair a pique o número de casos. Testes de ADN, exigidos pelos tribunais, tiram dúvidas.
Há mais de 150 mil portugueses sem o nome do pai no bilhete de identidade (BI). A maioria tem mais de 35 anos, até porque ser filho de pai incógnito é uma realidade que a lei forçou a diminuir.
Ainda assim, segundo dados do Ministério da Justiça (MJ) fornecidos à Lusa, mais de oito mil crianças com menos de 15 anos não têm paternidade definida.
"Divergências entre progenitores, comportamentos de risco ou factores sociais [como filhos nascidos de pais não casados antes de 1976] conduzem a que muitas vezes fique omissa a paternidade na declaração de nascimento", refere o MJ.
Antes do 25 de Abril, nascer fora do casamento era ser ilegítimo e muitas mulheres suportaram sozinhas a educação das crianças.
"O peso da palavra era esmagador e de uma tremenda injustiça. A ilegitimidade era não reconhecer o filho e envergonhar-se de o ter tido", diz o pediatra Mário Cordeiro.
Dos portugueses com paternidade desconhecida (151 889), 108 195 têm mais de 35 anos ( cerca de 70 %). É o caso de Paulo, que prestes a completar 40 anos nunca foi assumido ou procurado pelo pai e tem no BI uma lacuna que surpreende muita gente.
"Quando me casei, fui tratar da certidão de nascimento e a funcionária pensou que havia um erro. Ficou incrédula com a falta do nome do pai", contou.
Paulo soube desde cedo a sua história. A mãe assumiu sempre que o pai não o quisera, contando--lhe todos os pormenores, inclusivamente quem era o homem que biologicamente o tinha gerado.
"Curiosamente sei bem quem ele é. Já me cruzei profissionalmente com ele várias vezes, até porque quis o destino que seguisse a mesma área", conta. "Já lhe falei, já lhe apertei a mão até, mas ele não sabe quem sou. Porque nunca quis saber", relata.
Garante que nunca teve vontade de confrontar o pai biológico e que agora convive bem com a ausência de apelido paterno. Mas admite que a situação teve consequências: "Não tenho memória praticamente de nada da minha infância até aos sete anos."
Para o pediatra Mário Cordeiro, a verdade contada "de forma calma e progressiva" pode mitigar a desilusão e a dor nestes casos: "mas há sempre alguma dose de perplexidade e de sentimento de rejeição", nestes filhos.
"As pessoas aguentam muito. E o passado não é necessariamente o futuro. As crianças não estariam condenadas à partida, porque poderiam encontrar outras pessoas de referência que representariam a figura psicológica do pai", defende o pediatra.
Casos de rejeição de filiação são hoje mais raros, até por imposição legal, com a alteração ao Código Civil em 1976, que pretendeu salvaguardar os direitos fundamentais das crianças.
Além da falta de obrigação legal de filiação, na década de 70 a ciência não dispunha dos meios actuais de determinação da paternidade. A procura de testes de paternidade tem aumentado no País.
Maioria tem hoje mais de 35 anos. A mudança de lei e a evolução na ciência fizeram cair a pique o número de casos. Testes de ADN, exigidos pelos tribunais, tiram dúvidas.
Há mais de 150 mil portugueses sem o nome do pai no bilhete de identidade (BI). A maioria tem mais de 35 anos, até porque ser filho de pai incógnito é uma realidade que a lei forçou a diminuir.
Ainda assim, segundo dados do Ministério da Justiça (MJ) fornecidos à Lusa, mais de oito mil crianças com menos de 15 anos não têm paternidade definida.
"Divergências entre progenitores, comportamentos de risco ou factores sociais [como filhos nascidos de pais não casados antes de 1976] conduzem a que muitas vezes fique omissa a paternidade na declaração de nascimento", refere o MJ.
Antes do 25 de Abril, nascer fora do casamento era ser ilegítimo e muitas mulheres suportaram sozinhas a educação das crianças.
"O peso da palavra era esmagador e de uma tremenda injustiça. A ilegitimidade era não reconhecer o filho e envergonhar-se de o ter tido", diz o pediatra Mário Cordeiro.
Dos portugueses com paternidade desconhecida (151 889), 108 195 têm mais de 35 anos ( cerca de 70 %). É o caso de Paulo, que prestes a completar 40 anos nunca foi assumido ou procurado pelo pai e tem no BI uma lacuna que surpreende muita gente.
"Quando me casei, fui tratar da certidão de nascimento e a funcionária pensou que havia um erro. Ficou incrédula com a falta do nome do pai", contou.
Paulo soube desde cedo a sua história. A mãe assumiu sempre que o pai não o quisera, contando--lhe todos os pormenores, inclusivamente quem era o homem que biologicamente o tinha gerado.
"Curiosamente sei bem quem ele é. Já me cruzei profissionalmente com ele várias vezes, até porque quis o destino que seguisse a mesma área", conta. "Já lhe falei, já lhe apertei a mão até, mas ele não sabe quem sou. Porque nunca quis saber", relata.
Garante que nunca teve vontade de confrontar o pai biológico e que agora convive bem com a ausência de apelido paterno. Mas admite que a situação teve consequências: "Não tenho memória praticamente de nada da minha infância até aos sete anos."
Para o pediatra Mário Cordeiro, a verdade contada "de forma calma e progressiva" pode mitigar a desilusão e a dor nestes casos: "mas há sempre alguma dose de perplexidade e de sentimento de rejeição", nestes filhos.
"As pessoas aguentam muito. E o passado não é necessariamente o futuro. As crianças não estariam condenadas à partida, porque poderiam encontrar outras pessoas de referência que representariam a figura psicológica do pai", defende o pediatra.
Casos de rejeição de filiação são hoje mais raros, até por imposição legal, com a alteração ao Código Civil em 1976, que pretendeu salvaguardar os direitos fundamentais das crianças.
Além da falta de obrigação legal de filiação, na década de 70 a ciência não dispunha dos meios actuais de determinação da paternidade. A procura de testes de paternidade tem aumentado no País.
Comerciantes querem ter acesso ao subsídio de desemprego
Virgínia Alves, in Jornal de Notícias
Confederação do sector já iniciou negociações com o Governo, mas ainda não há acordo
A Confederação do Comércio e Serviços está a negociar com o Governo, desde há um ano e meio, a possibilidade dos empresários passarem a receber subsídio de desemprego quando cessam actividade, o que a legislação actual não permite.
O problema, sublinha o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, afecta todos os empresários portugueses porque, "de acordo com a lei, o desemprego é involuntário a o encerramento ou cessação de actividade é voluntário, logo sem direito a protecção social".
Uma situação que a CCP quer ver alterada e sobre a qual tem mantido contactos com o Governo, "desde há cerca de um ano em meio, para definir uma prestação social para estes empresários".
Ainda sem uma resposta concreta, João Vieira Lopes diz que da parte do Governo "também não se fecharam as portas e o argumento 'crise' nunca foi utilizado. As interrogações e dúvidas são sobre o modo como estruturar uma prestação social deste tipo".
Sem querer adiantar se acredita que em breve esta será uma situação resolvida, o presidente da CCP refere que em Junho deverão ter lugar novas reuniões com o Secretário de Estado do Emprego.
Altura em que a CCP vai voltar a apresentar as suas propostas, que apontam, como exemplo, a recente legislação espanhola para esta matéria, assente em três princípios - contributivo, solidário e sustentável financeiramente.
"Defendemos um escalonamento semelhante ao que existe para os trabalhadores por conta de outrem e tendo em conta a existência ou não de bens patrimoniais". O que é preciso, frisou João Vieira Lopes, "é negociar as regras de cálculo indexadas aos salários que recebiam".
Por outro lado, é necessário fazer ajustamentos nos descontos actuais". Isto porque, os empresários descontam 10% para a Segurança Social - os trabalhadores descontam 11% -, o que, no entender do presidente da CCP, "poderia acarretar alguns problemas de financiamento no início do pagamento dessa prestação social" mas, adverte, "com a lei de licenciamento de grandes superfícies comerciais, que prevê o pagamento de taxas, poderia utilizar-se uma parte para financiar na fase de arranque dos pagamentos".
E quantos empresários actualmente receberiam esta prestação social? Uma pergunta para a qual João Vieira Lopes não tem resposta. "Para o comércio e serviços não há informação actualizada, mas algumas dezenas de milhares de pessoas".
Confederação do sector já iniciou negociações com o Governo, mas ainda não há acordo
A Confederação do Comércio e Serviços está a negociar com o Governo, desde há um ano e meio, a possibilidade dos empresários passarem a receber subsídio de desemprego quando cessam actividade, o que a legislação actual não permite.
O problema, sublinha o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, afecta todos os empresários portugueses porque, "de acordo com a lei, o desemprego é involuntário a o encerramento ou cessação de actividade é voluntário, logo sem direito a protecção social".
Uma situação que a CCP quer ver alterada e sobre a qual tem mantido contactos com o Governo, "desde há cerca de um ano em meio, para definir uma prestação social para estes empresários".
Ainda sem uma resposta concreta, João Vieira Lopes diz que da parte do Governo "também não se fecharam as portas e o argumento 'crise' nunca foi utilizado. As interrogações e dúvidas são sobre o modo como estruturar uma prestação social deste tipo".
Sem querer adiantar se acredita que em breve esta será uma situação resolvida, o presidente da CCP refere que em Junho deverão ter lugar novas reuniões com o Secretário de Estado do Emprego.
Altura em que a CCP vai voltar a apresentar as suas propostas, que apontam, como exemplo, a recente legislação espanhola para esta matéria, assente em três princípios - contributivo, solidário e sustentável financeiramente.
"Defendemos um escalonamento semelhante ao que existe para os trabalhadores por conta de outrem e tendo em conta a existência ou não de bens patrimoniais". O que é preciso, frisou João Vieira Lopes, "é negociar as regras de cálculo indexadas aos salários que recebiam".
Por outro lado, é necessário fazer ajustamentos nos descontos actuais". Isto porque, os empresários descontam 10% para a Segurança Social - os trabalhadores descontam 11% -, o que, no entender do presidente da CCP, "poderia acarretar alguns problemas de financiamento no início do pagamento dessa prestação social" mas, adverte, "com a lei de licenciamento de grandes superfícies comerciais, que prevê o pagamento de taxas, poderia utilizar-se uma parte para financiar na fase de arranque dos pagamentos".
E quantos empresários actualmente receberiam esta prestação social? Uma pergunta para a qual João Vieira Lopes não tem resposta. "Para o comércio e serviços não há informação actualizada, mas algumas dezenas de milhares de pessoas".
Escadas que os separa do Mundo
Inês Schreck, in Jornal de Notícias
Retratos de quem perdeu a liberdade de sair de casa sozinho
Maria de Lurdes Martins Pereira parece uma criança a aprender a andar. Primeiro uma perna, depois a outra, com as mãos no ar à procura de apoio nas paredes e na mobília. A diferença é que não evolui, só piora. Tem 70 anos e há quatro que não sai de casa sozinha.
Vive num quarto andar no Bairro do Lagarteiro, no Porto, acessível por 53 escadas em cimento. Enfrenta-as apenas com a ajuda das filhas. Já caiu duas vezes. Degrau a degrau, demora, pelo menos, 15 minutos a descer e mais alguns a subir. Uma das pernas não dobra. De tão inchada, não se distingue o joelho e o tornozelo.
O médico aconselhou-a a andar a pé, mas o tormento da escadaria está a tornar a prescrição cada vez mais difícil de cumprir. Em Março de 2005, os serviços sociais da Junta de Campanhã pediram à Câmara a transferência de Lurdes para um rés-do-chão. "Continuava a precisar de nós, mas sempre podíamos levá-la a passear mais facilmente", comenta a filha Otília.
A Autarquia chegou a propor a Lurdes mudar de bairro para conseguir um rés-do-chão, mas a inquilina recusou afastar-se das filhas. Precisa delas para quase tudo, até para calçar os sapatos.
Preso a cadeira de rodas, não sai há anos
No próximo dia 27, Carlos Gesto, 86 anos, terá uma tarde especial. "Os bombeiros vêm buscá-lo para ir passear ao Palácio [de Cristal]", conta a mulher, Nizeta.
Há sete anos, um derrame cerebral deixou o marido confinado a uma cadeira de rodas e impedido de sair de casa. O prédio onde vivem na Rua de Cimo de Vila, no Centro Histórico do Porto, tem mais de uma dezena de degraus e tão íngremes que deixam qualquer um ofegante.
Nizeta tem 76 anos e cada vez menos força para amparar Carlos. À semana, recebe ajuda dos voluntários, mas a magra reforma obrigou-os a cortar o apoio ao domicílio aos sábados. "Ao fim-de-semana faço como posso. À noite quase que o atiro para cima da cama", conta.
Sair para passear o marido está fora de questão. "Se pudesse ia com ele até à Batalha, mas não consigo. Se tivesse um elevador para o descer e subir, isso é que era, mas somos pobres", lamenta. Dentro de casa, o espaço é acanhado e a cadeira de Carlos não dá mais de duas voltas. Do quarto para a sala, da sala para o quarto. É assim há sete anos.
No último piso à espera de ir para um lar
No último andar de um edifício a cair de podre na Rua Cândido dos Reis, no Centro Histórico de Gaia, Rosa de Lurdes Pinto, 85 anos, espreita à porta. As escadas de madeira rangem sob os pés. Com um pau na mão, qual bengala improvisada, Lurdes vai apresentando as divisões da casa e as últimas desgraças que caem do tecto. Em cima da cama ainda tem uma bacia cheia de estuque.
A limpeza fica para mais tarde porque as dores nos joelhos não a largam e fazem-na mancar. Já não sai de casa há semanas. Subir e descer aqueles 34 degraus tornou-se um martírio. Todos os dias, pede a uma vizinha ou a alguém que passe na rua para lhe levar o pão e o merceeiro carrega-lhe as compras até à porta.
Lurdes é a última residente daquele prédio que, visto de fora, parece abandonado. "Já foi tudo embora. Às vezes tenho medo, mas que hei-de fazer?", desabafa. Não parece mulher de se vergar a tristezas. Aliás, as agruras que a vida lhe reservou fazem-na rir. "Estive para casar, mas ele matou-se, olhe fiquei solteira, foi a minha pouca sorte", conta, sempre a rir.
Apesar da boa vontade dos vizinhos da rua, Lurdes sente-se sozinha e está ansiosa por deixar a casa onde passou os últimos 80 anos. Quer ir para um lar, em Santo Ovídio, para onde contribui há vários anos. Está à espera de resposta. Enquanto isso fica em casa.
Três degraus convertidos em via-sacra
Três escadas separam Álvaro de Jesus Cruz da vida lá fora. Há mais de um ano que perdeu o equilíbrio e deixou de sair de casa. Era um dos alfaiates mais conhecidos de Matosinhos. Aos 86 anos continua a viver na cave de um prédio da Rua do Godinho, mas a máquina de costura que tem ao seu lado já não trabalha como outrora.
Naquele espaço exíguo e de tectos baixos chegou a juntar sete funcionárias e a produzir "até dez fatos de homem por semana a 130 escudos cada". Álvaro tem uma perna mais pequena do que a outra e usa um sapato especial para compensar a diferença. Mas isso nunca o fez parar. "Corria e saltava por todo o lado", conta.
A falta de equilíbrio chegou há coisa de um ano, pouco depois da mulher morrer. Desde aí, as escadas passaram a ser um obstáculo intransponível e o mundo exterior perdeu interesse. Álvaro passa os dias encafuado numa salinha a ver televisão.
Fechada em casa com medo de cair na rua
Há cerca de três anos que Maria Espírito Santo deixou de sair de casa sozinha. A bengala que não larga, nem sentada, ampara-lhe as dificuldades em andar, mas a perda gradual de visão não tem remédio.
Vive num rés-do-chão da Rua de Belmonte, em pleno Centro Histórico do Porto. Não tem escadas para atrapalhar a entrada e saída de casa, mas as ruas íngremes e os passeios desnivelados e esburacados não lhe inspiram confiança. Nunca caiu, mas sabe que se acontecer, não se levanta.
Por medo e por dinheiro, Maria deixou de ir ao centro de dia. O regresso de carro ficava-lhe mais caro do que podia pagar. Fechou-se em casa, sozinha com a gata, com quem partilha todos os momentos. "Quando vê que ando com dores não me larga um segundo", avisa. Passa semanas sem pôr o nariz fora da porta. Resta-lhe a varanda, com vista sobre a cidade e os comboios a passar sobre os arcos das Devesas.
Retratos de quem perdeu a liberdade de sair de casa sozinho
Maria de Lurdes Martins Pereira parece uma criança a aprender a andar. Primeiro uma perna, depois a outra, com as mãos no ar à procura de apoio nas paredes e na mobília. A diferença é que não evolui, só piora. Tem 70 anos e há quatro que não sai de casa sozinha.
Vive num quarto andar no Bairro do Lagarteiro, no Porto, acessível por 53 escadas em cimento. Enfrenta-as apenas com a ajuda das filhas. Já caiu duas vezes. Degrau a degrau, demora, pelo menos, 15 minutos a descer e mais alguns a subir. Uma das pernas não dobra. De tão inchada, não se distingue o joelho e o tornozelo.
O médico aconselhou-a a andar a pé, mas o tormento da escadaria está a tornar a prescrição cada vez mais difícil de cumprir. Em Março de 2005, os serviços sociais da Junta de Campanhã pediram à Câmara a transferência de Lurdes para um rés-do-chão. "Continuava a precisar de nós, mas sempre podíamos levá-la a passear mais facilmente", comenta a filha Otília.
A Autarquia chegou a propor a Lurdes mudar de bairro para conseguir um rés-do-chão, mas a inquilina recusou afastar-se das filhas. Precisa delas para quase tudo, até para calçar os sapatos.
Preso a cadeira de rodas, não sai há anos
No próximo dia 27, Carlos Gesto, 86 anos, terá uma tarde especial. "Os bombeiros vêm buscá-lo para ir passear ao Palácio [de Cristal]", conta a mulher, Nizeta.
Há sete anos, um derrame cerebral deixou o marido confinado a uma cadeira de rodas e impedido de sair de casa. O prédio onde vivem na Rua de Cimo de Vila, no Centro Histórico do Porto, tem mais de uma dezena de degraus e tão íngremes que deixam qualquer um ofegante.
Nizeta tem 76 anos e cada vez menos força para amparar Carlos. À semana, recebe ajuda dos voluntários, mas a magra reforma obrigou-os a cortar o apoio ao domicílio aos sábados. "Ao fim-de-semana faço como posso. À noite quase que o atiro para cima da cama", conta.
Sair para passear o marido está fora de questão. "Se pudesse ia com ele até à Batalha, mas não consigo. Se tivesse um elevador para o descer e subir, isso é que era, mas somos pobres", lamenta. Dentro de casa, o espaço é acanhado e a cadeira de Carlos não dá mais de duas voltas. Do quarto para a sala, da sala para o quarto. É assim há sete anos.
No último piso à espera de ir para um lar
No último andar de um edifício a cair de podre na Rua Cândido dos Reis, no Centro Histórico de Gaia, Rosa de Lurdes Pinto, 85 anos, espreita à porta. As escadas de madeira rangem sob os pés. Com um pau na mão, qual bengala improvisada, Lurdes vai apresentando as divisões da casa e as últimas desgraças que caem do tecto. Em cima da cama ainda tem uma bacia cheia de estuque.
A limpeza fica para mais tarde porque as dores nos joelhos não a largam e fazem-na mancar. Já não sai de casa há semanas. Subir e descer aqueles 34 degraus tornou-se um martírio. Todos os dias, pede a uma vizinha ou a alguém que passe na rua para lhe levar o pão e o merceeiro carrega-lhe as compras até à porta.
Lurdes é a última residente daquele prédio que, visto de fora, parece abandonado. "Já foi tudo embora. Às vezes tenho medo, mas que hei-de fazer?", desabafa. Não parece mulher de se vergar a tristezas. Aliás, as agruras que a vida lhe reservou fazem-na rir. "Estive para casar, mas ele matou-se, olhe fiquei solteira, foi a minha pouca sorte", conta, sempre a rir.
Apesar da boa vontade dos vizinhos da rua, Lurdes sente-se sozinha e está ansiosa por deixar a casa onde passou os últimos 80 anos. Quer ir para um lar, em Santo Ovídio, para onde contribui há vários anos. Está à espera de resposta. Enquanto isso fica em casa.
Três degraus convertidos em via-sacra
Três escadas separam Álvaro de Jesus Cruz da vida lá fora. Há mais de um ano que perdeu o equilíbrio e deixou de sair de casa. Era um dos alfaiates mais conhecidos de Matosinhos. Aos 86 anos continua a viver na cave de um prédio da Rua do Godinho, mas a máquina de costura que tem ao seu lado já não trabalha como outrora.
Naquele espaço exíguo e de tectos baixos chegou a juntar sete funcionárias e a produzir "até dez fatos de homem por semana a 130 escudos cada". Álvaro tem uma perna mais pequena do que a outra e usa um sapato especial para compensar a diferença. Mas isso nunca o fez parar. "Corria e saltava por todo o lado", conta.
A falta de equilíbrio chegou há coisa de um ano, pouco depois da mulher morrer. Desde aí, as escadas passaram a ser um obstáculo intransponível e o mundo exterior perdeu interesse. Álvaro passa os dias encafuado numa salinha a ver televisão.
Fechada em casa com medo de cair na rua
Há cerca de três anos que Maria Espírito Santo deixou de sair de casa sozinha. A bengala que não larga, nem sentada, ampara-lhe as dificuldades em andar, mas a perda gradual de visão não tem remédio.
Vive num rés-do-chão da Rua de Belmonte, em pleno Centro Histórico do Porto. Não tem escadas para atrapalhar a entrada e saída de casa, mas as ruas íngremes e os passeios desnivelados e esburacados não lhe inspiram confiança. Nunca caiu, mas sabe que se acontecer, não se levanta.
Por medo e por dinheiro, Maria deixou de ir ao centro de dia. O regresso de carro ficava-lhe mais caro do que podia pagar. Fechou-se em casa, sozinha com a gata, com quem partilha todos os momentos. "Quando vê que ando com dores não me larga um segundo", avisa. Passa semanas sem pôr o nariz fora da porta. Resta-lhe a varanda, com vista sobre a cidade e os comboios a passar sobre os arcos das Devesas.
Portugal atrasado na responsabilidade social
Gina Pereira, in Jornal de Notícias
Norma internacional alcançada sexta-feira deve ser aprovada este ano
A responsabilidade social em Portugal é algo ainda muito atrasado e, muitas vezes, associada a um conceito "errado" de solidariedade e acções filantrópicas das empresas. Uma nova norma internacional foi agora alcançada e deverá ser aprovada ainda este ano.
As empresas portuguesas estão "mais avançadas do que muitas outras em termos de mercado mundial" na responsabilidade social, mas estão ainda atrasadas em relação aos mercados europeus. "Temos muito que fazer", admitiu, ao JN, o presidente da Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE) que, na semana passada, participou na definição final da nova norma internacional que vai regular a responsabilidade social (a ISO 26000).
Segundo Mário Parra da Silva, a norma foi trabalhada ao longo dos últimos cinco anos e, na passada sexta-feira, foi aprovada numa reunião do grupo de trabalho da ISO, que reuniu mais de 400 delegados de todo o mundo em Copenhaga, na Dinamarca. E que integra representantes de empresas, governos, sindicatos, organizações não governamentais e consumidores. Agora, a norma será votada pelos 153 países que compõem a Organização Internacional de Normalização e só depois poderá entrar em vigor, o que deverá acontecer ainda este ano. Parra da Silva diz que "entre nós continua a difundir-se o conceito errado de que a responsabilidade social é coisa das empresas e que passa por acções filantrópicas e de solidariedade". Na verdade, "a responsabilidade social tem a ver com o próprio negócio, com as actividades de todas as organizações e com as expectativas das partes interessadas", onde se incluem a comunidade, as gerações futuras e a natureza.
Riqueza, emprego e energia
Ser uma empresa/organização socialmente responsável "tem a ver com a ampliação dos impactes positivos que a actividade gera sobre as pessoas, tecido económico e natureza e, em paralelo, com a minimização dos impactes negativos". "Tem a ver com gerar riqueza e emprego, reciclar, gerir energia, promover direitos humanos, apoiar a cadeia de valor e implantar bons processos de governação" e não com "a quantidade de dinheiro que se distribui pelos necessitados", diz.
Mário Parra da Silva explica que uma empresa socialmente responsável é "ética", tem um conceito "mais alargado de lucro" - que inclui remunerações adequadas, serviço à comunidade, geração de valor para clientes e fornecedores - e integra plenamente os trabalhadores na vida da organização. No conceito internacional de responsabilidade social, "nenhuma empresa é melhor que a outra", visto que o processo para uma sociedade mais competitiva e feliz é "contínuo e exige a integralidade".
Norma internacional alcançada sexta-feira deve ser aprovada este ano
A responsabilidade social em Portugal é algo ainda muito atrasado e, muitas vezes, associada a um conceito "errado" de solidariedade e acções filantrópicas das empresas. Uma nova norma internacional foi agora alcançada e deverá ser aprovada ainda este ano.
As empresas portuguesas estão "mais avançadas do que muitas outras em termos de mercado mundial" na responsabilidade social, mas estão ainda atrasadas em relação aos mercados europeus. "Temos muito que fazer", admitiu, ao JN, o presidente da Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE) que, na semana passada, participou na definição final da nova norma internacional que vai regular a responsabilidade social (a ISO 26000).
Segundo Mário Parra da Silva, a norma foi trabalhada ao longo dos últimos cinco anos e, na passada sexta-feira, foi aprovada numa reunião do grupo de trabalho da ISO, que reuniu mais de 400 delegados de todo o mundo em Copenhaga, na Dinamarca. E que integra representantes de empresas, governos, sindicatos, organizações não governamentais e consumidores. Agora, a norma será votada pelos 153 países que compõem a Organização Internacional de Normalização e só depois poderá entrar em vigor, o que deverá acontecer ainda este ano. Parra da Silva diz que "entre nós continua a difundir-se o conceito errado de que a responsabilidade social é coisa das empresas e que passa por acções filantrópicas e de solidariedade". Na verdade, "a responsabilidade social tem a ver com o próprio negócio, com as actividades de todas as organizações e com as expectativas das partes interessadas", onde se incluem a comunidade, as gerações futuras e a natureza.
Riqueza, emprego e energia
Ser uma empresa/organização socialmente responsável "tem a ver com a ampliação dos impactes positivos que a actividade gera sobre as pessoas, tecido económico e natureza e, em paralelo, com a minimização dos impactes negativos". "Tem a ver com gerar riqueza e emprego, reciclar, gerir energia, promover direitos humanos, apoiar a cadeia de valor e implantar bons processos de governação" e não com "a quantidade de dinheiro que se distribui pelos necessitados", diz.
Mário Parra da Silva explica que uma empresa socialmente responsável é "ética", tem um conceito "mais alargado de lucro" - que inclui remunerações adequadas, serviço à comunidade, geração de valor para clientes e fornecedores - e integra plenamente os trabalhadores na vida da organização. No conceito internacional de responsabilidade social, "nenhuma empresa é melhor que a outra", visto que o processo para uma sociedade mais competitiva e feliz é "contínuo e exige a integralidade".
Grupo Auchan vai abrir primeira creche este ano
G.P., in Jornal de Notícias
Receberam no ano passado o prémio "Igualdade é qualidade" da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e, desde 2006, são a primeira empresa do sector da distribuição nacional certificada em Responsabilidade Social (de acordo com a norma SA 8000).
Mas Jorge Filipe, director de recursos humanos do grupo Auchan, garante que as preocupações com os trabalhadores e com a comunidade são uma marca do grupo desde a sua entrada em Portugal, há 40 anos.
Esta preocupação com as pessoas e com a promoção da igualdade vê-se em pequenas coisas, como o facto de todos os cerca de nove mil colaboradores terem o mesmo seguro de saúde familiar e de haver 82 pessoas com deficiência e de 18 nacionalidades diferentes a trabalhar na empresa. Mais de 80% dos trabalhadores são efectivos e as mulheres já ocupam 45,4% dos cargos de chefia.
A formação contínua é regra e cada trabalhador tem em média 35 a 40 horas de formação/ano. Desde 1993 o grupo conta com a Fundação Pão de Açúcar (criada por quadros da empresa), destinada a apoiar os colaboradores com dificuldades económicas. No ano passado foram 1211, mais 37% do que no ano anterior. Cerca de 40% do orçamento é para ajudar os trabalhadores a pagarem as creches dos filhos, mas há também 20 bolsas de estudo universitárias e prémios para os filhos dos colaboradores com melhor desempenho escolar (9ª /11º ano).
Este ano, o grupo vai abrir no Dolce Vita Tejo a primeira de cinco creches que quer ter junto aos grandes hipermercados, para os filhos dos colaboradores e comunidade. O lema é funcionários satisfeitos e envolvidos são mais fiéis e eficientes e todos têm a ganhar.
Receberam no ano passado o prémio "Igualdade é qualidade" da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e, desde 2006, são a primeira empresa do sector da distribuição nacional certificada em Responsabilidade Social (de acordo com a norma SA 8000).
Mas Jorge Filipe, director de recursos humanos do grupo Auchan, garante que as preocupações com os trabalhadores e com a comunidade são uma marca do grupo desde a sua entrada em Portugal, há 40 anos.
Esta preocupação com as pessoas e com a promoção da igualdade vê-se em pequenas coisas, como o facto de todos os cerca de nove mil colaboradores terem o mesmo seguro de saúde familiar e de haver 82 pessoas com deficiência e de 18 nacionalidades diferentes a trabalhar na empresa. Mais de 80% dos trabalhadores são efectivos e as mulheres já ocupam 45,4% dos cargos de chefia.
A formação contínua é regra e cada trabalhador tem em média 35 a 40 horas de formação/ano. Desde 1993 o grupo conta com a Fundação Pão de Açúcar (criada por quadros da empresa), destinada a apoiar os colaboradores com dificuldades económicas. No ano passado foram 1211, mais 37% do que no ano anterior. Cerca de 40% do orçamento é para ajudar os trabalhadores a pagarem as creches dos filhos, mas há também 20 bolsas de estudo universitárias e prémios para os filhos dos colaboradores com melhor desempenho escolar (9ª /11º ano).
Este ano, o grupo vai abrir no Dolce Vita Tejo a primeira de cinco creches que quer ter junto aos grandes hipermercados, para os filhos dos colaboradores e comunidade. O lema é funcionários satisfeitos e envolvidos são mais fiéis e eficientes e todos têm a ganhar.
7.ª Meia Maratona Fotográfica - Setúbal
in Rostos On-line
Rui David com a melhor fotografia e o primeiro lugar na categoria digital
Rui David, com a melhor fotografia e o primeiro lugar na categoria digital, foi o grande vencedor da 7.ª Meia Maratona Fotográfica de Setúbal, cuja entrega de prémios decorreu no sábado, nos Paços do Concelho.
O setubalense, 32 anos, vocalista da banda “Hands on Approach”, estreante no concurso promovido pela Câmara Municipal de Setúbal, este ano com o tema “Pobreza e Exclusão Social”, captou a fotografia vencedora na subcategoria “Desigualdade”.
Além do prémio para a melhor fotografia, Rui David conquistou ainda o primeiro lugar na categoria digital. Ao receber os dois principais prémios da 7.ª Meia Maratona Fotográfica, confessou-se apanhado de surpresa pelo triunfo.
“Participei simplesmente pelo gosto e paixão que desenvolvi, há cerca de dois anos, pela fotografia”, explicou, adiantando que o tema do concurso deste ano “funcionou como uma causa de maior motivação” para concorrer.
Sobre a prova, realizada a 10 de Abril, Rui David sublinha que “foi muito exigente em termos fotográficos” até porque “não havia assim tanto tempo para preparar uma fotografia”, referindo, contudo, que foi uma “experiência extremamente enriquecedora”.
O concurso permitiu-lhe revisitar alguns pontos da cidade por onde não passava há anos. “Por várias vezes, senti que nunca tinha visto aquele local com olhos de ver. E foi muito bom ter esta nova perspectiva”, relatou Rui David, que viu ainda quatro das suas fotos premiadas com menções honrosas nos subtemas “Desigualdade”, “Fome”, “Cidadania” e “Pobreza”.
Pedro Campino, com três fotos premiadas com menções honrosas, nas subcategorias de “Utopia”, Exclusão” e “Reconstruir”, alcançou o segundo lugar da prova.
O terceiro lugar na categoria digital da 7.ª Meia Maratona Fotográfica de Setúbal, concurso integrado no programa da juventude m@rço.28, coube a Hugo Palmiro, sendo ainda atribuídas mais 13 menções honrosas a fotografias que passam a integrar a exposição com os melhores trabalhos.
Com quatro concorrentes inscritos em fotografia analógica, o júri do concurso, constituído por Conceição Loureiro, Fernando Pinho, Ana Vizinho e André Rodrigues, atribuiu o prémio a Vítor Lourenço.
“Setúbal está sempre de braços abertos para receber os participantes desta iniciativa, proporcionando momentos de partilha, de convívio e lazer”, referiu a presidente da Câmara Municipal, Maria das Dores Meira, presente na cerimónia de entrega de prémios, que decorreu no Salão Nobre dos Paços do Concelho.
“Esta é uma prova que marca o calendário de Setúbal. É um dia em que os participantes observam e registam momentos na cidade”, referiu a autarca, agradecendo a presença dos participantes, que “utilizaram Setúbal como uma tela para as suas objectivas”.
Além de variado material fotográfico, estadas em unidades hoteleiras e vales de desconto em lojas dos patrocinadores do concurso atribuídos aos vendedores, todos os concorrentes receberam ainda uma lembrança de participação, bem como as fotografias captadas, por cada um, em suporte de papel.
Após a entrega de prémios, foi inaugurada, no Octubrus Bar, uma exposição com as 20 melhores fotografias do concurso, patente até 26 de Junho, de segunda a quinta-feira, das 16h00 às 24h00, e às sextas-feiras e sábados, das 16h00 à 01h00.
Em 2010, ano em que se assinala, a nível europeu, o Combate à Pobreza e Exclusão Social, a organização escolheu a temática da “Pobreza e Exclusão Social” para a 7.ª Meia Maratona Fotográfica de Setúbal, na qual participaram 49 pessoas, que captarem mais de 900 imagens.
Rui David com a melhor fotografia e o primeiro lugar na categoria digital
Rui David, com a melhor fotografia e o primeiro lugar na categoria digital, foi o grande vencedor da 7.ª Meia Maratona Fotográfica de Setúbal, cuja entrega de prémios decorreu no sábado, nos Paços do Concelho.
O setubalense, 32 anos, vocalista da banda “Hands on Approach”, estreante no concurso promovido pela Câmara Municipal de Setúbal, este ano com o tema “Pobreza e Exclusão Social”, captou a fotografia vencedora na subcategoria “Desigualdade”.
Além do prémio para a melhor fotografia, Rui David conquistou ainda o primeiro lugar na categoria digital. Ao receber os dois principais prémios da 7.ª Meia Maratona Fotográfica, confessou-se apanhado de surpresa pelo triunfo.
“Participei simplesmente pelo gosto e paixão que desenvolvi, há cerca de dois anos, pela fotografia”, explicou, adiantando que o tema do concurso deste ano “funcionou como uma causa de maior motivação” para concorrer.
Sobre a prova, realizada a 10 de Abril, Rui David sublinha que “foi muito exigente em termos fotográficos” até porque “não havia assim tanto tempo para preparar uma fotografia”, referindo, contudo, que foi uma “experiência extremamente enriquecedora”.
O concurso permitiu-lhe revisitar alguns pontos da cidade por onde não passava há anos. “Por várias vezes, senti que nunca tinha visto aquele local com olhos de ver. E foi muito bom ter esta nova perspectiva”, relatou Rui David, que viu ainda quatro das suas fotos premiadas com menções honrosas nos subtemas “Desigualdade”, “Fome”, “Cidadania” e “Pobreza”.
Pedro Campino, com três fotos premiadas com menções honrosas, nas subcategorias de “Utopia”, Exclusão” e “Reconstruir”, alcançou o segundo lugar da prova.
O terceiro lugar na categoria digital da 7.ª Meia Maratona Fotográfica de Setúbal, concurso integrado no programa da juventude m@rço.28, coube a Hugo Palmiro, sendo ainda atribuídas mais 13 menções honrosas a fotografias que passam a integrar a exposição com os melhores trabalhos.
Com quatro concorrentes inscritos em fotografia analógica, o júri do concurso, constituído por Conceição Loureiro, Fernando Pinho, Ana Vizinho e André Rodrigues, atribuiu o prémio a Vítor Lourenço.
“Setúbal está sempre de braços abertos para receber os participantes desta iniciativa, proporcionando momentos de partilha, de convívio e lazer”, referiu a presidente da Câmara Municipal, Maria das Dores Meira, presente na cerimónia de entrega de prémios, que decorreu no Salão Nobre dos Paços do Concelho.
“Esta é uma prova que marca o calendário de Setúbal. É um dia em que os participantes observam e registam momentos na cidade”, referiu a autarca, agradecendo a presença dos participantes, que “utilizaram Setúbal como uma tela para as suas objectivas”.
Além de variado material fotográfico, estadas em unidades hoteleiras e vales de desconto em lojas dos patrocinadores do concurso atribuídos aos vendedores, todos os concorrentes receberam ainda uma lembrança de participação, bem como as fotografias captadas, por cada um, em suporte de papel.
Após a entrega de prémios, foi inaugurada, no Octubrus Bar, uma exposição com as 20 melhores fotografias do concurso, patente até 26 de Junho, de segunda a quinta-feira, das 16h00 às 24h00, e às sextas-feiras e sábados, das 16h00 à 01h00.
Em 2010, ano em que se assinala, a nível europeu, o Combate à Pobreza e Exclusão Social, a organização escolheu a temática da “Pobreza e Exclusão Social” para a 7.ª Meia Maratona Fotográfica de Setúbal, na qual participaram 49 pessoas, que captarem mais de 900 imagens.
A pobreza existe
por António Figueiredo, in Setúbal em Rede
A pobreza existe e envergonha desenvergonhados políticos, por isso muito se faz para que seja reduzida a uma expressão menor. Os reformados com pensões de miséria, os desempregados de longa duração, os jovens que lutam pelo primeiro emprego, os deficientes, são o rosto da pobreza que cresce a ritmo assustador.
A vida hoje é uma autoestrada em que temos pouco tempo para sair dela e olharmos o mundo da pobreza. A vida moderna, os desafios materialitsas que se apresentam aos jovens empregados sobre a ilusão da perfeição profissional, levam-nos a não olhar para o próximo que sofre. Não fosse este o estigma da nova sociedade, deixariamos essa auto-estrada e, como o disse o Papa Bento XVI no encontro com as organizações da Pastoral Social a que tive a oportunidade de assistir, voltaríamos para a “prática da compaixão, voltada para os pobres, os doentes, os presos, os sós e desamparados, as pessoas com deficiência, as crianças e os idosos, os imigrantes, os desempregados e os sujeitos a carências que lhes pertubam a dignidade de pessoas livres“.
O distrito de Setúbal é marcado por sinais de profunda pobreza que se agrava nos últimos 20 anos e mais fortemente no decénio que agora acaba. Não falo da pobreza medida pelas estatísticas forjadas por governos irresponsáveis. Vivemos um país em que as medidas anti-crise têm sido paliativos para agravar as desigualdades sociais. Ao slogan da esquerda revolucionária de que “os ricos que paguem a crise“, esquerda em agonia, responde hoje o governo socialista com um conjunto de medidas em que alteram o slogan para “os pobres que paguem a crise“, tudo porque assim se combate o benefício fiscal concedido à Coca-Cola. Por vezes o silêncio é de ouro e o Primeiro-ministro muito teria a ganhar se alterasse a sua arrogância.
A ajuda aos excluídos restringe-se às instituições de solidariedade social, IPSS, Misericórdias, Mutualidades, ao mecenato social, que começa a ficar cansado por se cada vez mais difícil dar, conjunto de actividades sociais que surgem na literatura económica de 1830 designadas como economia social e, mais recentemente, em 1979 a que J. Delors chama terceiro sector, mas a que eu prefiro chamar sector solidário. Em Portugal temos cerca de 5.000 instituições solidárias e no distrito cerca de 200, "impelidas a buscar soluções para os pedidos numerosos e prementes de ajuda e amparo que nos dirigem os pobres e marginalizados da sociedade“, utilizando as palavras Bento XVI, porque elas exprimiram a realidade que se vive em Portugal e ditas com frontalidade para os políticos ouvirem, se não continuarem a fazer “ olheras de mouco “, como se diz na minha terra natal.
A sociedade perdeu o sentido de humanização, da prática da caridade, referindo-se mesmo com malidicência aos milhares de voluntários que dão do seu tempo vida às instituições da rede solidária como líderes servidores. O Papa deixou uma mensagem a todas as instituições sociais e à sociedade para que “tomados pela compaixão pelas multidões que pedem justiça e solidariedade, esforcemo-nos por dar respostas concretas e generosas“. A multidão que pede justiça e solidariedade, comer para cada refeição, respeito pela sua dignidade humana, é a multidão que não vimos daquela auto-estrada da vida a que me referi em expressão figurativa.
A pobreza existe mas a pressão exercida pela comunicação política constrói na sociedade ideias de avaliação negativa. Não vou negar que há pobres que tomam o pequeno-almoço num café e a maioria dos trabalhadores remediados o preparam em casa por razões de economia familiar. Não vou negar que as situações de subsídio-dependência permite a muitos pobres andar anos e anos sem trabalhar quando a maioria da população percorre quilómetros para chegar ao seu emprego. Não vou negar que no R.S.I. existem injustiças e oportunismos. Não vou negar que os responsáveis pela situação não são os pobres mas políticos sem noção do que é gerir e servir um país.
Se é necessário alterar o caminho que percorremos para ir de encontro aos pobres, Bento XVI desafia as instituições sociais para “seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objectivos, na escolha dois seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios“. E continua o seu pensamento dizendo que “além da identidade e unida a ela, é conceder à actividade caritativa autonomia e independência da politica e das ideologias, ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns“. O conceito de subsidariedade mas independência é a forma das instituições sociais estarem com a pobreza, porque esta existe. E se existe!
A pobreza existe e envergonha desenvergonhados políticos, por isso muito se faz para que seja reduzida a uma expressão menor. Os reformados com pensões de miséria, os desempregados de longa duração, os jovens que lutam pelo primeiro emprego, os deficientes, são o rosto da pobreza que cresce a ritmo assustador.
A vida hoje é uma autoestrada em que temos pouco tempo para sair dela e olharmos o mundo da pobreza. A vida moderna, os desafios materialitsas que se apresentam aos jovens empregados sobre a ilusão da perfeição profissional, levam-nos a não olhar para o próximo que sofre. Não fosse este o estigma da nova sociedade, deixariamos essa auto-estrada e, como o disse o Papa Bento XVI no encontro com as organizações da Pastoral Social a que tive a oportunidade de assistir, voltaríamos para a “prática da compaixão, voltada para os pobres, os doentes, os presos, os sós e desamparados, as pessoas com deficiência, as crianças e os idosos, os imigrantes, os desempregados e os sujeitos a carências que lhes pertubam a dignidade de pessoas livres“.
O distrito de Setúbal é marcado por sinais de profunda pobreza que se agrava nos últimos 20 anos e mais fortemente no decénio que agora acaba. Não falo da pobreza medida pelas estatísticas forjadas por governos irresponsáveis. Vivemos um país em que as medidas anti-crise têm sido paliativos para agravar as desigualdades sociais. Ao slogan da esquerda revolucionária de que “os ricos que paguem a crise“, esquerda em agonia, responde hoje o governo socialista com um conjunto de medidas em que alteram o slogan para “os pobres que paguem a crise“, tudo porque assim se combate o benefício fiscal concedido à Coca-Cola. Por vezes o silêncio é de ouro e o Primeiro-ministro muito teria a ganhar se alterasse a sua arrogância.
A ajuda aos excluídos restringe-se às instituições de solidariedade social, IPSS, Misericórdias, Mutualidades, ao mecenato social, que começa a ficar cansado por se cada vez mais difícil dar, conjunto de actividades sociais que surgem na literatura económica de 1830 designadas como economia social e, mais recentemente, em 1979 a que J. Delors chama terceiro sector, mas a que eu prefiro chamar sector solidário. Em Portugal temos cerca de 5.000 instituições solidárias e no distrito cerca de 200, "impelidas a buscar soluções para os pedidos numerosos e prementes de ajuda e amparo que nos dirigem os pobres e marginalizados da sociedade“, utilizando as palavras Bento XVI, porque elas exprimiram a realidade que se vive em Portugal e ditas com frontalidade para os políticos ouvirem, se não continuarem a fazer “ olheras de mouco “, como se diz na minha terra natal.
A sociedade perdeu o sentido de humanização, da prática da caridade, referindo-se mesmo com malidicência aos milhares de voluntários que dão do seu tempo vida às instituições da rede solidária como líderes servidores. O Papa deixou uma mensagem a todas as instituições sociais e à sociedade para que “tomados pela compaixão pelas multidões que pedem justiça e solidariedade, esforcemo-nos por dar respostas concretas e generosas“. A multidão que pede justiça e solidariedade, comer para cada refeição, respeito pela sua dignidade humana, é a multidão que não vimos daquela auto-estrada da vida a que me referi em expressão figurativa.
A pobreza existe mas a pressão exercida pela comunicação política constrói na sociedade ideias de avaliação negativa. Não vou negar que há pobres que tomam o pequeno-almoço num café e a maioria dos trabalhadores remediados o preparam em casa por razões de economia familiar. Não vou negar que as situações de subsídio-dependência permite a muitos pobres andar anos e anos sem trabalhar quando a maioria da população percorre quilómetros para chegar ao seu emprego. Não vou negar que no R.S.I. existem injustiças e oportunismos. Não vou negar que os responsáveis pela situação não são os pobres mas políticos sem noção do que é gerir e servir um país.
Se é necessário alterar o caminho que percorremos para ir de encontro aos pobres, Bento XVI desafia as instituições sociais para “seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objectivos, na escolha dois seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios“. E continua o seu pensamento dizendo que “além da identidade e unida a ela, é conceder à actividade caritativa autonomia e independência da politica e das ideologias, ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns“. O conceito de subsidariedade mas independência é a forma das instituições sociais estarem com a pobreza, porque esta existe. E se existe!
Há mais crianças e velhos pobres no Porto
Dora Mota, in Jornal de Notícias
Situação social da cidade vai ser hoje debatida, com um diagnóstico de empobrecimento em cima da mesa
O Porto é uma cidade com muitas famílias pobres com filhos nos primeiros anos da escola, com muitos velhos a viver sozinhos e quase um quinto da população a viver em bairros da Câmara. Hoje, segunda-feira, à noite, a Assembleia Municipal debate a situação social do concelho numa sessão extraordinária.
O apuro é do Diagnóstico Social do Porto - "Porto Solidário", relatório sobre a situação social do concelho elaborado pela Universidade Católica, por encomenda da Fundação Porto Social, a entidade municipal com a competência da acção social. O levantamento, realizado ao longo de dez meses, até Junho de 2009, revelou que a cidade está ferida pela pobreza e as suas conclusões irão sustentar boa parte do debate que, esta noite, será feito na Assembleia Municipal do Porto.
A sessão extraordinária foi pedida pelos partidos da esquerda - PS, BE e CDU - com o objectivo de suscitar a sugestão de medidas a tomar pelo poder municipal. Que o Porto está a perder habitantes não é uma informação nova - os censos de 2001 já revelaram uma quebra acentuada de população (13% em dez anos). Os números mais recentes, de 2008 (a média de 16 habitantes por dia que saem da cidade) já foram bandeira eleitoral da oposição de Rui Rio na corrida à Câmara.
Falta de espaços
Também que a cidade não tem suficientes espaços de acolhimento para os seus velhos e deficientes a Câmara Municipal já sabia. Mas o Diagnóstico Social revelou outras carências destas populações mais frágeis. Por exemplo, quehá mais analfabetismo e desemprego entre os cidadãos com deficiência que vivem no Porto do que no resto do país.
Tendo o concelho índices de envelhecimento e dependência "muito superiores" à média nacional, alberga um grande número de idosos pobres. Há na cidade 44654 pessoas com 65 anos ou mais e cerca de 15% delas pediram Complemento Solidário para Idosos, sendo 10 % beneficiários desta prestação social.
Quase 80% deles são mulheres. Por outro lado, as pessoas com mais de 65 anos são um quarto dos moradores nos bairros sociais e, em 14% das casas da Câmara, há um idoso a viver sozinho.
60% de crianças com apoio
Para as famílias, a situação actual também é difícil. O número de crianças que frequentam o ensino pré-escolar e o primeiro ciclo que recebem o apoio social mais alto será prova disso (cerca de 60% dos meninos nos primeiros anos da escola está nos escalões A e B, havendo 30% de crianças em cada um deles).
O Diagnóstico Social revela especial inquietação com os duzentos adolescentes e crianças sinalizados como estando fora de qualquer percurso educativo na cidade, sendo "uma ferida social que urge combater". Os dados do Rendimento Social de Inserção (RSI) indicam também que há muitas famílias com crianças a viver em pobreza no Porto, já que um terço dos beneficiários tem menos de 18 anos. Segundo os dados daquele relatório, cerca de 6% da população da cidade recebe RSI (ler texto ao lado).
O elevado número de famílias monoparentais, com uma mãe sozinha na maior parte delas, é um factor de risco de pobreza - são dados de 2001, mas estima-se que 25% das famílias do Porto tenham um só progenitor presente.
A sensível situação dos bairros sociais adivinha-se pelos dados de emprego: apenas 27% dos seus moradores trabalham, estando 25 % reformados. Entre essa população, há ainda 21% de desempregados e 22% de pessoas não activas.
Situação social da cidade vai ser hoje debatida, com um diagnóstico de empobrecimento em cima da mesa
O Porto é uma cidade com muitas famílias pobres com filhos nos primeiros anos da escola, com muitos velhos a viver sozinhos e quase um quinto da população a viver em bairros da Câmara. Hoje, segunda-feira, à noite, a Assembleia Municipal debate a situação social do concelho numa sessão extraordinária.
O apuro é do Diagnóstico Social do Porto - "Porto Solidário", relatório sobre a situação social do concelho elaborado pela Universidade Católica, por encomenda da Fundação Porto Social, a entidade municipal com a competência da acção social. O levantamento, realizado ao longo de dez meses, até Junho de 2009, revelou que a cidade está ferida pela pobreza e as suas conclusões irão sustentar boa parte do debate que, esta noite, será feito na Assembleia Municipal do Porto.
A sessão extraordinária foi pedida pelos partidos da esquerda - PS, BE e CDU - com o objectivo de suscitar a sugestão de medidas a tomar pelo poder municipal. Que o Porto está a perder habitantes não é uma informação nova - os censos de 2001 já revelaram uma quebra acentuada de população (13% em dez anos). Os números mais recentes, de 2008 (a média de 16 habitantes por dia que saem da cidade) já foram bandeira eleitoral da oposição de Rui Rio na corrida à Câmara.
Falta de espaços
Também que a cidade não tem suficientes espaços de acolhimento para os seus velhos e deficientes a Câmara Municipal já sabia. Mas o Diagnóstico Social revelou outras carências destas populações mais frágeis. Por exemplo, quehá mais analfabetismo e desemprego entre os cidadãos com deficiência que vivem no Porto do que no resto do país.
Tendo o concelho índices de envelhecimento e dependência "muito superiores" à média nacional, alberga um grande número de idosos pobres. Há na cidade 44654 pessoas com 65 anos ou mais e cerca de 15% delas pediram Complemento Solidário para Idosos, sendo 10 % beneficiários desta prestação social.
Quase 80% deles são mulheres. Por outro lado, as pessoas com mais de 65 anos são um quarto dos moradores nos bairros sociais e, em 14% das casas da Câmara, há um idoso a viver sozinho.
60% de crianças com apoio
Para as famílias, a situação actual também é difícil. O número de crianças que frequentam o ensino pré-escolar e o primeiro ciclo que recebem o apoio social mais alto será prova disso (cerca de 60% dos meninos nos primeiros anos da escola está nos escalões A e B, havendo 30% de crianças em cada um deles).
O Diagnóstico Social revela especial inquietação com os duzentos adolescentes e crianças sinalizados como estando fora de qualquer percurso educativo na cidade, sendo "uma ferida social que urge combater". Os dados do Rendimento Social de Inserção (RSI) indicam também que há muitas famílias com crianças a viver em pobreza no Porto, já que um terço dos beneficiários tem menos de 18 anos. Segundo os dados daquele relatório, cerca de 6% da população da cidade recebe RSI (ler texto ao lado).
O elevado número de famílias monoparentais, com uma mãe sozinha na maior parte delas, é um factor de risco de pobreza - são dados de 2001, mas estima-se que 25% das famílias do Porto tenham um só progenitor presente.
A sensível situação dos bairros sociais adivinha-se pelos dados de emprego: apenas 27% dos seus moradores trabalham, estando 25 % reformados. Entre essa população, há ainda 21% de desempregados e 22% de pessoas não activas.
Um terço dos alunos com apoio social escolar
por Ana Bela Ferreira, in Diário de Notícias
Este ano lectivo, são já mais de meio milhão os estudantes que recebem ajuda do Estado para os livros, materiais ou refeições.
Um terço dos alunos do ensino básico e secundário recebe apoios da Acção Social Escolar (ASE). Ao todo, neste ano lectivo, são 503 214 os alunos subsidiados, dos quais 290 812 recebem o apoio máximo, ou seja, têm livros, material escolar e refeições pagas por inteiro. O número de estudantes abrangidos pela ASE cresceu 3% em relação ao ano lectivo 2008/09, de acordo com os dados do Ministério da Educação. No ano passado eram apoiados 488 411 estudantes. No ensino básico e secundário há cerca de 1,5 milhões de crianças.
Apesar de o número de alunos abrangidos pela ASE neste ano lectivo ser ainda provisório, o aumento é notado pelas escolas. E no próximo ano devem ser ainda mais os abrangidos pelo apoio social.
O aumento do desemprego e as maiores dificuldades das famílias levam as associações de pais a recear que algumas crianças não consigam continuar na escola no próximo ano. "Há famílias a temer que com a mudança dos filhos para o ensino secundário não consigam fazer face às despesas e não consigam manter os filhos na escola", refere Albino Almeida, presidente da Confap (Confederação Nacional das Associações de Pais).
Já este ano, as escolas admitem que, se não fosse o apoio social, os pais não conseguiam manter as crianças a estudar. A Escola E. B. 2,3 do Parchal, no Algarve, é um dos estabelecimentos onde isso acontece.
Aqui houve muitos alunos que passaram a ter mais necessidades de um ano para o outro. "Tivemos mais alunos a passar do escalão mais baixo para mais elevado", reconhece a directora da escola, Ana Martins, ao DN.
A respon- sável admite ainda que "uma fatia grande dos alunos não conseguiria estar na escola se não fosse a ASE". Neste agrupamento andam 700 alunos, 25% dos quais beneficiam do apoio total e outros 25% de metade. Enquanto no Agrupamento de Escolas Viana do Alentejo cerca de 39% dos alunos são apoiados.
Também na Escola E. B. 2,3 de Cabreiros, em Braga, houve um aumento de quase 50% de estudantes abrangidos pela ASE. Dos 664 alunos da escola, 422 são subsidiados, explica Paulo Perames, do secretariado da instituição.
Os responsáveis lembram que a Acção Social Escolar permite não só ajudar as famílias a fazer face às despesas dos livros e material como muitas vezes proporciona às crianças a única refeição quente do dia, uma vez que estas são oferecidas ou custam muito pouco.
A acção social escolar pode ser requerida a qualquer altura do ano lectivo, daí que os números deste ano apresentados pelo ministério sejam provisórios. Apesar de não haver um limite definido, os alunos do 5.º ano recebem 110 euros para as despesas com os livros. Já os do 6.º ano têm cem euros para a compra dos manuais.
Valores que Albino Almeida considera que se "aproximam daquilo que é a cobertura das despesas com os manuais e o material escolar". Ainda assim, alerta para a necessidade da ASE "acompanhar o aumento do custo de vida".
Por seu lado, Joaquim Ribeiro, dirigente da CNIPE (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação), defende que a ASE está "mal estrutura" e que é "insuficiente". "A atribuição do subsídio devia ser feita através da análise de cada caso e o valor a atribuir devia ser proposto pela escola ou pela Segurança Social, que conhecem as famílias e as suas necessidades", explica.
Joaquim Ribeiro alerta ainda que os subsídios insuficientes estão a "hipotecar a educação dos nossos filhos". Também Albino Almeida sublinha que o apoio social na educação é "um investimento estratégico", que não deve ser reduzido.
Este ano lectivo, são já mais de meio milhão os estudantes que recebem ajuda do Estado para os livros, materiais ou refeições.
Um terço dos alunos do ensino básico e secundário recebe apoios da Acção Social Escolar (ASE). Ao todo, neste ano lectivo, são 503 214 os alunos subsidiados, dos quais 290 812 recebem o apoio máximo, ou seja, têm livros, material escolar e refeições pagas por inteiro. O número de estudantes abrangidos pela ASE cresceu 3% em relação ao ano lectivo 2008/09, de acordo com os dados do Ministério da Educação. No ano passado eram apoiados 488 411 estudantes. No ensino básico e secundário há cerca de 1,5 milhões de crianças.
Apesar de o número de alunos abrangidos pela ASE neste ano lectivo ser ainda provisório, o aumento é notado pelas escolas. E no próximo ano devem ser ainda mais os abrangidos pelo apoio social.
O aumento do desemprego e as maiores dificuldades das famílias levam as associações de pais a recear que algumas crianças não consigam continuar na escola no próximo ano. "Há famílias a temer que com a mudança dos filhos para o ensino secundário não consigam fazer face às despesas e não consigam manter os filhos na escola", refere Albino Almeida, presidente da Confap (Confederação Nacional das Associações de Pais).
Já este ano, as escolas admitem que, se não fosse o apoio social, os pais não conseguiam manter as crianças a estudar. A Escola E. B. 2,3 do Parchal, no Algarve, é um dos estabelecimentos onde isso acontece.
Aqui houve muitos alunos que passaram a ter mais necessidades de um ano para o outro. "Tivemos mais alunos a passar do escalão mais baixo para mais elevado", reconhece a directora da escola, Ana Martins, ao DN.
A respon- sável admite ainda que "uma fatia grande dos alunos não conseguiria estar na escola se não fosse a ASE". Neste agrupamento andam 700 alunos, 25% dos quais beneficiam do apoio total e outros 25% de metade. Enquanto no Agrupamento de Escolas Viana do Alentejo cerca de 39% dos alunos são apoiados.
Também na Escola E. B. 2,3 de Cabreiros, em Braga, houve um aumento de quase 50% de estudantes abrangidos pela ASE. Dos 664 alunos da escola, 422 são subsidiados, explica Paulo Perames, do secretariado da instituição.
Os responsáveis lembram que a Acção Social Escolar permite não só ajudar as famílias a fazer face às despesas dos livros e material como muitas vezes proporciona às crianças a única refeição quente do dia, uma vez que estas são oferecidas ou custam muito pouco.
A acção social escolar pode ser requerida a qualquer altura do ano lectivo, daí que os números deste ano apresentados pelo ministério sejam provisórios. Apesar de não haver um limite definido, os alunos do 5.º ano recebem 110 euros para as despesas com os livros. Já os do 6.º ano têm cem euros para a compra dos manuais.
Valores que Albino Almeida considera que se "aproximam daquilo que é a cobertura das despesas com os manuais e o material escolar". Ainda assim, alerta para a necessidade da ASE "acompanhar o aumento do custo de vida".
Por seu lado, Joaquim Ribeiro, dirigente da CNIPE (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação), defende que a ASE está "mal estrutura" e que é "insuficiente". "A atribuição do subsídio devia ser feita através da análise de cada caso e o valor a atribuir devia ser proposto pela escola ou pela Segurança Social, que conhecem as famílias e as suas necessidades", explica.
Joaquim Ribeiro alerta ainda que os subsídios insuficientes estão a "hipotecar a educação dos nossos filhos". Também Albino Almeida sublinha que o apoio social na educação é "um investimento estratégico", que não deve ser reduzido.
23.5.10
Norte é o rosto da crise que afecta a indústria - Desemprego está perto dos 11 por cento
in Jornal Público
O máximo histórico de desemprego com que a região norte fechou o ano de 2009, ao atingir uma taxa de 11 por cento, é o rosto da crise que está instalada em Portugal. Ou melhor, já são 217 mil rostos o número de pessoas no desemprego, e para o qual as indústrias transformadoras entregaram, só no ano passado, mais 28 mil casos. O sector exportador de bens transaccionáveis está instalado em peso na região norte do país e tem sido particularmente aqui que se sentem os efeitos da sucessiva "desfabrilização" - termo usado por Esser Jorge, sociólogo da Universidade do Minho, numa recusa da palavra "desindustrialização", porque a norte, demonstra na tese "Fabricados na fábrica", a indústria trouxe poucas melhorias no tecido social.
Mas não é só porque estão no Norte as indústrias que viram as suas exportações sucumbir perante a concorrência asiática e o alargamento do mercado europeu que a crise está instalada e o desemprego atingiu máximos históricos. "É também porque as políticas públicas têm continuado a esmagar a sociedade e as empresas, ao negligenciarem a aposta em mudanças estruturais, como a justiça, a educação e a administração pública", diz um desassombrado António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho (AIM).
"Em 20 anos quase nada foi feito. As PME, que representam 99,8 por cento do tecido empresarial, continuam a ser um sector muito pouco protegido. Que apoios existem hoje às exportações? Objectivamente, nada!", afirma. "A actual conjuntura só veio dar visibilidade a esta brincadeira." O presidente da AIM reafirma que os empresários não devem esperar que o Estado faça tudo por eles, mas insiste que "é de cima que tem vindo o mau exemplo". "Não há políticas públicas de incentivo à poupança. Produzimos dez euros, gastamos onze. Um dia tinha de estourar", antecipa.
Ou já estourou, admite António Figueiredo, da Faculdade de Economia do Porto, prevendo que os números do desemprego vão continuar elevados durante "mais algum tempo" e que as prioridades do investimento público terão de ser canalizadas para uma almofada social que alivie as "dores de ajustamento" que vão continuar instaladas. "Prefiro essa almofada social a três auto-estradas. O discurso de que as infra-estruturas nos trazem competitividade é uma grande falácia", acrescenta.
Manuel Caldeira Cabral, professor de Economia na Universidade do Minho, alerta que a recuperação económica do país não poderá ser conseguida sem um avanço da economia regional e prefere sublinhar os sinais positivos que já começam a emergir, apesar de ainda existir "um grande espaço para preocupação". Caldeira Cabral opta por desfocar a análise do tema da competitividade no desempenho do sector exportador dos bens transaccionáveis, para atentar nos bons resultados conseguidos no sector dos serviços e nas empresas de maior base tecnológica. "O ajustamento da qualificação dos recursos vai demorar mais uma geração. É preciso, por isso, continuar a procurar soluções para a mão-de-obra pouco qualificada." Luísa Pinto
O máximo histórico de desemprego com que a região norte fechou o ano de 2009, ao atingir uma taxa de 11 por cento, é o rosto da crise que está instalada em Portugal. Ou melhor, já são 217 mil rostos o número de pessoas no desemprego, e para o qual as indústrias transformadoras entregaram, só no ano passado, mais 28 mil casos. O sector exportador de bens transaccionáveis está instalado em peso na região norte do país e tem sido particularmente aqui que se sentem os efeitos da sucessiva "desfabrilização" - termo usado por Esser Jorge, sociólogo da Universidade do Minho, numa recusa da palavra "desindustrialização", porque a norte, demonstra na tese "Fabricados na fábrica", a indústria trouxe poucas melhorias no tecido social.
Mas não é só porque estão no Norte as indústrias que viram as suas exportações sucumbir perante a concorrência asiática e o alargamento do mercado europeu que a crise está instalada e o desemprego atingiu máximos históricos. "É também porque as políticas públicas têm continuado a esmagar a sociedade e as empresas, ao negligenciarem a aposta em mudanças estruturais, como a justiça, a educação e a administração pública", diz um desassombrado António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho (AIM).
"Em 20 anos quase nada foi feito. As PME, que representam 99,8 por cento do tecido empresarial, continuam a ser um sector muito pouco protegido. Que apoios existem hoje às exportações? Objectivamente, nada!", afirma. "A actual conjuntura só veio dar visibilidade a esta brincadeira." O presidente da AIM reafirma que os empresários não devem esperar que o Estado faça tudo por eles, mas insiste que "é de cima que tem vindo o mau exemplo". "Não há políticas públicas de incentivo à poupança. Produzimos dez euros, gastamos onze. Um dia tinha de estourar", antecipa.
Ou já estourou, admite António Figueiredo, da Faculdade de Economia do Porto, prevendo que os números do desemprego vão continuar elevados durante "mais algum tempo" e que as prioridades do investimento público terão de ser canalizadas para uma almofada social que alivie as "dores de ajustamento" que vão continuar instaladas. "Prefiro essa almofada social a três auto-estradas. O discurso de que as infra-estruturas nos trazem competitividade é uma grande falácia", acrescenta.
Manuel Caldeira Cabral, professor de Economia na Universidade do Minho, alerta que a recuperação económica do país não poderá ser conseguida sem um avanço da economia regional e prefere sublinhar os sinais positivos que já começam a emergir, apesar de ainda existir "um grande espaço para preocupação". Caldeira Cabral opta por desfocar a análise do tema da competitividade no desempenho do sector exportador dos bens transaccionáveis, para atentar nos bons resultados conseguidos no sector dos serviços e nas empresas de maior base tecnológica. "O ajustamento da qualificação dos recursos vai demorar mais uma geração. É preciso, por isso, continuar a procurar soluções para a mão-de-obra pouco qualificada." Luísa Pinto
De repente, as empresas passaram a ser as salvadoras da pátria
Por Manuel Carvalho, in Jornal Público
O ciclo da dívida acabou. O crescimento está nas mãos das empresas capazes de vender lá fora. Um desafio gigantesco para um país habituado a consumir
Em Novembro de 2000 a revista britânica The Economist dedicou a Portugal um extenso trabalho para apresentar ao mundo uma história de sucesso. "A economia está a crescer mais de 3,5 por cento ao ano. O desemprego está abaixo dos cinco por cento. Os padrões de vida aumentaram muito rapidamente", lia-se. Sete anos depois, Portugal tinha perdido o fascínio e a revista lastimava "O novo doente da Europa". O que tinha acontecido ao país vibrante de 2000?
Nas últimas semanas, Portugal tornou-se um dos principais alvos das dúvidas dos mercados financeiros. Não tanto por causa do défice público, que está abaixo do do Reino Unido, por exemplo, ou da dívida do Estado, que fica muito longe da da Bélgica. O que move a suspeita dos analistas financeiros, dos investidores e das organizações internacionais é a debilidade da economia. Ou, por outras palavras, da dificuldade das empresas nacionais de poderem competir no mercado mundial.
As contas não iludem: "Portugal, no começo do século XXI, entrara no período de mais longo abrandamento do crescimento económico desde a Segunda Guerra Mundial", observa Rui Ramos na sua História de Portugal. E as previsões para os próximos anos reforçam o desencanto: o país vai continuar a empobrecer relativamente.
O que aconteceu para justificar esta espécie de condenação? O problema, que a crise mundial tornou mais cruel, tem dez anos e nunca foi encarado de frente. Nos dias do deslumbramento da Expo-98 e do crescimento que parecia ilimitado, os governos de Cavaco e de António Guterres fizeram opções que ainda hoje condicionam a nossa vida. Cavaco Silva aprovou o Novo Sistema Retributivo da Função Pública, que na década seguinte implicou um crescimento na ordem dos dez por cento ao ano dos custos do pessoal do Estado. Nos anos de Guterres, a função pública foi engrossada com mais 50 mil funcionários. Entre 1995 e 2005, Portugal foi o país da Europa onde a despesa pública mais cresceu (6,9 por cento).
Para que a espiral de despesas ficasse completa faltava ainda contar com a participação dos privados. O corte das taxas de juro provocou o disparo no consumo. Em 1998/99 a compra de automóveis aumentou 30 por cento. Em dez anos, 700 mil portugueses adquiriram casa própria.
Como num jogo, quando se gastam trunfos numa opção, deixam-se outras sem recurso. A euforia gastadora alimentava-se de juros baixos e salários altos. Com os recursos alocados no consumo público e privado, as empresas obrigadas a competir no mercado mundial foram esquecidas. Com custos laborais mais altos do que a concorrência, com o investimento a dirigir-se para carros ou casas, as empresas foram falindo ou perdendo nervo. Em muitos sectores, as empresas tiveram de concorrer com os chineses com salários e custos europeus.
Enquanto o país perdia posições no exterior, o ritmo das importações acelerou. Com as poupanças exauridas e sem recursos próprios para pagar o nível de consumo, Portugal entrou numa espiral de endividamento. A balança de transacções correntes, que na primeira metade da década de 1990 estava equilibrada, entrou em desvario: em 1994, 2,3 por cento do que o país consumia era financiado pelo estrangeiro; nos anos 2000, nunca esteve abaixo dos 7,5 por cento e atingiu até 12,1 por cento em 2008. Em cada passo desta estratégia, economistas como Silva Lopes ou Daniel Bessa chamavam a atenção para a "perda de competitividade do país".
Quando a euforia do gasto público e privado abrandou, a economia estagnou e o país empobreceu. O rendimento percapita passou de mais 80 por cento da média da União Europeia a 25 para 70 por cento. Portugal foi ultrapassado pela República Checa, Grécia, Malta e Eslovénia em termos de riqueza. Em 2003, já depois da entrada no euro, foi o primeiro país a violar o pacto de estabilidade e crescimento, que impõe limites para o défice e a dívida pública. O Governo de José Sócrates tentou responder a alguns desses problemas, aprovando um novo modelo de financiamento das pensões ou tentando travar o crescimento dos custos da função pública.
Mas as causas que limitam a capacidade de as empresas poderem ser mais concorrenciais não se alteraram. Apesar dos avisos, os custos laborais, empurrados pelo sector público ou pelas empresas que não se sujeitam à concorrência internacional, como a PT ou a EDP, continuaram a aumentar. As exportações permanecem abaixo dos 30 por cento do PIB, um valor muito reduzido para economias com a dimensão da portuguesa.
Enquanto houve crédito fácil, a ilusão da prosperidade pôde ser vendida. Agora com a desconfiança sobre a solvabilidade do Estado, o coro dos que reclamam reformas profundas aumenta de tom. O consumo já não pode ser a mola do crescimento. As expectativas recaem agora nos "bens transaccionáveis". Nas empresas que exportam e que concorrem no exterior com os produtos da China ou dos países de Leste.
Nada será feito num estalar de dedos. O "ajustamento" do consumo e a redução dos gastos públicos serão "penosos e ainda se vão prolongar no tempo", avisa o académico António Figueiredo. Desta vez, porém, não parece haver alternativa. Sem contenção nos gastos, sem que a subida dos salários seja compensada pelo aumento da produtividade, não há criação de riqueza. Os alemães sabem isso há muito. Os portugueses acabam de o aprender. com Luísa Pinto
O ciclo da dívida acabou. O crescimento está nas mãos das empresas capazes de vender lá fora. Um desafio gigantesco para um país habituado a consumir
Em Novembro de 2000 a revista britânica The Economist dedicou a Portugal um extenso trabalho para apresentar ao mundo uma história de sucesso. "A economia está a crescer mais de 3,5 por cento ao ano. O desemprego está abaixo dos cinco por cento. Os padrões de vida aumentaram muito rapidamente", lia-se. Sete anos depois, Portugal tinha perdido o fascínio e a revista lastimava "O novo doente da Europa". O que tinha acontecido ao país vibrante de 2000?
Nas últimas semanas, Portugal tornou-se um dos principais alvos das dúvidas dos mercados financeiros. Não tanto por causa do défice público, que está abaixo do do Reino Unido, por exemplo, ou da dívida do Estado, que fica muito longe da da Bélgica. O que move a suspeita dos analistas financeiros, dos investidores e das organizações internacionais é a debilidade da economia. Ou, por outras palavras, da dificuldade das empresas nacionais de poderem competir no mercado mundial.
As contas não iludem: "Portugal, no começo do século XXI, entrara no período de mais longo abrandamento do crescimento económico desde a Segunda Guerra Mundial", observa Rui Ramos na sua História de Portugal. E as previsões para os próximos anos reforçam o desencanto: o país vai continuar a empobrecer relativamente.
O que aconteceu para justificar esta espécie de condenação? O problema, que a crise mundial tornou mais cruel, tem dez anos e nunca foi encarado de frente. Nos dias do deslumbramento da Expo-98 e do crescimento que parecia ilimitado, os governos de Cavaco e de António Guterres fizeram opções que ainda hoje condicionam a nossa vida. Cavaco Silva aprovou o Novo Sistema Retributivo da Função Pública, que na década seguinte implicou um crescimento na ordem dos dez por cento ao ano dos custos do pessoal do Estado. Nos anos de Guterres, a função pública foi engrossada com mais 50 mil funcionários. Entre 1995 e 2005, Portugal foi o país da Europa onde a despesa pública mais cresceu (6,9 por cento).
Para que a espiral de despesas ficasse completa faltava ainda contar com a participação dos privados. O corte das taxas de juro provocou o disparo no consumo. Em 1998/99 a compra de automóveis aumentou 30 por cento. Em dez anos, 700 mil portugueses adquiriram casa própria.
Como num jogo, quando se gastam trunfos numa opção, deixam-se outras sem recurso. A euforia gastadora alimentava-se de juros baixos e salários altos. Com os recursos alocados no consumo público e privado, as empresas obrigadas a competir no mercado mundial foram esquecidas. Com custos laborais mais altos do que a concorrência, com o investimento a dirigir-se para carros ou casas, as empresas foram falindo ou perdendo nervo. Em muitos sectores, as empresas tiveram de concorrer com os chineses com salários e custos europeus.
Enquanto o país perdia posições no exterior, o ritmo das importações acelerou. Com as poupanças exauridas e sem recursos próprios para pagar o nível de consumo, Portugal entrou numa espiral de endividamento. A balança de transacções correntes, que na primeira metade da década de 1990 estava equilibrada, entrou em desvario: em 1994, 2,3 por cento do que o país consumia era financiado pelo estrangeiro; nos anos 2000, nunca esteve abaixo dos 7,5 por cento e atingiu até 12,1 por cento em 2008. Em cada passo desta estratégia, economistas como Silva Lopes ou Daniel Bessa chamavam a atenção para a "perda de competitividade do país".
Quando a euforia do gasto público e privado abrandou, a economia estagnou e o país empobreceu. O rendimento percapita passou de mais 80 por cento da média da União Europeia a 25 para 70 por cento. Portugal foi ultrapassado pela República Checa, Grécia, Malta e Eslovénia em termos de riqueza. Em 2003, já depois da entrada no euro, foi o primeiro país a violar o pacto de estabilidade e crescimento, que impõe limites para o défice e a dívida pública. O Governo de José Sócrates tentou responder a alguns desses problemas, aprovando um novo modelo de financiamento das pensões ou tentando travar o crescimento dos custos da função pública.
Mas as causas que limitam a capacidade de as empresas poderem ser mais concorrenciais não se alteraram. Apesar dos avisos, os custos laborais, empurrados pelo sector público ou pelas empresas que não se sujeitam à concorrência internacional, como a PT ou a EDP, continuaram a aumentar. As exportações permanecem abaixo dos 30 por cento do PIB, um valor muito reduzido para economias com a dimensão da portuguesa.
Enquanto houve crédito fácil, a ilusão da prosperidade pôde ser vendida. Agora com a desconfiança sobre a solvabilidade do Estado, o coro dos que reclamam reformas profundas aumenta de tom. O consumo já não pode ser a mola do crescimento. As expectativas recaem agora nos "bens transaccionáveis". Nas empresas que exportam e que concorrem no exterior com os produtos da China ou dos países de Leste.
Nada será feito num estalar de dedos. O "ajustamento" do consumo e a redução dos gastos públicos serão "penosos e ainda se vão prolongar no tempo", avisa o académico António Figueiredo. Desta vez, porém, não parece haver alternativa. Sem contenção nos gastos, sem que a subida dos salários seja compensada pelo aumento da produtividade, não há criação de riqueza. Os alemães sabem isso há muito. Os portugueses acabam de o aprender. com Luísa Pinto
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