24.5.10

56 mortes nas prisões portuguesas em 2009

por Luís Maneta, in Diário de Notícias

Taxa de óbitos nos estabelecimentos prisionais portugueses é o dobro da dos outros países do Conselho da Europa.

A cumprir uma pena de três anos e nove meses no Estabelecimento Prisional de Beja, onde era regularmente visitado pelos avós, Bruno M. foi encontrado morto faz hoje uma semana, caído no chão da cela individual que ocupava. Um companheiro que com ele conviveu no interior da prisão, disse que Bruno, de 27 anos, bateu na porta a pedir ajuda. Sem sucesso. O intercomunicador estaria desligado e quando o INEM foi chamado, cerca das 07.00, já era tarde. As primeiras investigações apontam para uma morte provocada por "causas naturais".

Dias antes, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, um recluso de nacionalidade francesa enforcou-se no interior da cela. Em Janeiro, a morte de um preso fez estalar a revolta no Linhó (Sintra), ouvindo-se queixas sobre a falta de medicamentos e a alegada não abertura da vigia das portas das celas durante a ronda nocturna, o que poderia ter ajudado a salvar uma vida.

A Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED) lamenta que casos como estes se repitam com "demasiada frequência" no interior das prisões portuguesas onde, em 2009, 56 reclusos perderam a vida. De acordo com dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), a que o DN teve acesso, 40 destas mortes ficaram a dever-se a doença. As restantes 16 resultaram de suicídio. Num ano em que não ocorreu qualquer homicídio nos estabelecimentos prisionais, a DGSP diz que são os homens que mais morrem no interior das cadeias - o ano passado apenas foi registada a morte de duas reclusas.

"Uma taxa que ronda as 50 mortes por cada dez mil reclusos representa sensivelmente o dobro da média dos países do Conselho da Europa", diz António Pedro Dores, investigador do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e dirigente da ACED. "É uma taxa de mortalidade extremamente elevada que resulta das condições miseráveis de funcionamento das prisões portuguesas onde só há pouco tempo se conseguiu acabar com o balde higiénico".

Na mesma linha vão as conclusões do relatório social sobre o sistema penitenciário, publicado em 2008 pela Provedoria de Justiça, onde se assinala que a mortalidade entre a população reclusa "tem sido em geral alta face aos padrões europeus e por referência à população internada". E as conclusões do relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre os Direitos Humanos: "As condições das prisões [portuguesas] continuam pobres e há relatos de maus tratos por guardas prisionais. Outros problemas são a sobrelotação, instalações desadequadas, más condições de saúde e violência entre os presos."

Segundo António Pedro Dores, o acesso dos reclusos a serviços externos de saúde é "muito complicado" pois o "controlo de custos no sistema prisional obriga, por exemplo, a que as doenças mentais praticamente não sejam tratadas". A estes problemas, a ACED soma uma "elevadíssima incidência" de doenças infecto-contagiosas associada à toxicodependência - "cerca de metade dos presos assume o consumo de drogas" - e a "falta" de apoio médico adequado.

Dos 16 casos de suicídio verificados em 2009 - número que o Ministério da Justiça (MJ) reconhece ser "muito elevado" mas não "anormal" comparativamente com anos anteriores - sete ocorreram no Estabelecimento Prisional do Porto. A Provedoria de Justiça assinala que no caso dos suicídios "o efeito de imitação pode empolar os valores de alguns anos."