Teresa de Sousa, in Jornal Público
Falta um mês para que Portugal receba a presidência da UE das mãos da Alemanha. Ambição moderada com algumas apostas fortes
José Sócrates, que se estreia no dia 1 de Julho como presidente em exercício do Conselho Europeu, quer uma Blitzkrieg sobre o tratado e três grandes temas emblemáticos de política externa para marcar a presidência portuguesa da União Europeia. O resto será a melhor gestão possível da pesada agenda europeia, num semestre de cinco meses (a Europa fecha para férias em Agosto) que começa exactamente dentro de um mês, na cidade do Porto: concerto na Casa da Música no dia 1 e visita da Comissão Europeia para acertar agulhas, como é de tradição, no dia seguinte.
Sobre o tratado já foram maiores as dores de cabeça do Governo português, embora ninguém, em Lisboa, se atreva a ser demasiado optimista. Tudo vai depender da cimeira de 21 e 22 de Junho, durante a qual a chanceler alemã, Angela Merkel, quer arrancar aos seus parceiros um acordo político suficientemente amplo e definido sobre o que fazer com a actual Constituição. A vontade política de chegar a esse acordo é grande, mas a diplomacia de Lisboa ainda vê demasiada distância entre as posições maximalistas e minimalistas para estar completamente tranquila (ver texto neste destaque). José Sócrates teve, aliás, uma amostra disso mesmo quando recebeu em São Bento para jantar, anteontem, o seu homólogo holandês, Jean Pete Balkenende.
A Holanda foi o segundo país a rejeitar o tratado por referendo e continua recalcitrante sobre uma série de questões. De qualquer modo, o Governo já decidiu que, a ter que convocar uma CIG (conferência intergovernamental), o fará com a máxima urgência de modo a poder concluir as negociações durante a cimeira informal de líderes europeus, marcada para Lisboa no dia 18 e 19 de Outubro. Se tudo correr bem, poderá haver um tratado de Lisboa sem que isso complique demasiado a presidência portuguesa.
Abertura e encerramento
Quanto às três questões emblemáticas, Portugal já garantiu uma excelente abertura e um encerramento que, não estando ainda cem por cento assegurado, está a fazer o seu caminho. Logo no dia 4 de Julho, Lisboa receberá o Presidente Lula da Silva, para a primeira cimeira entre a UE e o Brasil. Uma estreia absoluta e uma aposta da diplomacia portuguesa, que visa elevar o Brasil à categoria do clube restrito dos grandes países que são parceiros estratégicos da União - EUA, China, Rússia, Índia e Japão. A diplomacia portuguesa considera que esta é uma forma de sublinhar a importância do Brasil, não apenas como actor global e regional. "Os Estados Unidos já perceberam isso, a Europa não pode ficar para trás", disse ao PÚBLICO um diplomata português. Apesar disso, o caminho não foi fácil. Do lado de cá, foi preciso convencer alguns parceiros mais renitentes.
A Espanha começou por torcer o nariz (o Brasil fala português), mas a boa relação ente Sócrates e Rodriguez Zapatero acabou por remover qualquer obstáculo. Foi imediato o apoio de Durão Barroso (a Comissão apresentou ontem uma proposta de parceria estratégica).
A presidência alemã acabou por ser persuadida para a ideia, ao ponto de Angela Merkel se dispor a vir a Lisboa para participar na cimeira. Um facto que acabou por ser relevante para dissipar as reservas iniciais do Palácio do Planalto. O Brasil olha para Portugal e Espanha com lentes pouco "europeias". A presença da chanceler sublinha que o empenho é da Europa e não apenas da Ibéria.
O problema Mugabe
Muito mais difícil foi o caminho para a cimeira UE-África. Portugal apostou forte e correu um risco. Entre a primeira cimeira, que decorreu no Cairo em 2000, durante a segunda presidência portuguesa, e aquela com que pode culminar a terceira, em Dezembro, existe um obstáculo chamado Robert Mugabe e a oposição de Londres à sua presença numa cimeira europeia. Em Novembro do ano passado, José Sócrates conseguiu a sua primeira vitória, levando os seus pares a um compromisso. Teve o apoio total de Jacques Chirac e a cada vez maior compreensão de Tony Blair.
Ainda falta saber como é que as coisas se vão resolver formalmente, mas uma coisa parece certa: Mugabe terá de vir a Lisboa. Haverá um preço a pagar, dado o desastroso cadastro em matéria de direitos humanos do Presidente do Zimbabwe. Em contrapartida, os argumentos da diplomacia portuguesa também são convincentes: se a Europa não olha a sério para África, verá o seu lugar ocupado pela China.
Finalmente, o Magrebe e o Médio Oriente. Neste dossier, ninguém espera acontecimentos espectaculares. Mas há da diplomacia portuguesa uma aposta clara: ajudar a construir uma estratégia europeia para o pós-11 de Setembro. "O principal desafio que se coloca à Europa é estabilizar as relações com o mundo islâmico, incluindo a bacia do Mediterrâneo e o Médio Oriente", diz Luís Amado. O chefe da diplomacia portuguesa entende que é preciso que a Europa revele a mesma capacidade estratégica que demonstrou em relação ao Leste com o fim da guerra fria. A diplomacia portuguesa tem estado particularmente activa na região. O ministro visitou a Síria, Líbano, Israel, Palestina. Já recebeu em Lisboa o secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, e vai receber a ministra dos Negócios Estrangeiros de Israel, Tzipi Livni, no dia 14, e o seu homólogo da Autoridade palestiniana, no dia 26. Javier Solana virá igualmente a Lisboa até ao final do mês.
Mas, neste domínio, apesar de Portugal apostar em "pôr a Europa a olhar para o Sul", a prudência domina. Lisboa tem consciência de que nada se pode fazer sem os EUA, que a situação no terreno é desfavorável e, sobretudo, que não vale a pena anunciar iniciativas isoladas, um velho hábito de alguns países europeus, que normalmente não dão em nada.