Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, Jornal Público
Aquele que era anunciado como o grande pesadelo da futura presidência portuguesa da União Europeia (UE), a condução das negociações entre os Vinte e Sete para um novo tratado herdeiro da Constituição europeia, tem boas possibilidades de se transformar numa boa surpresa.
Tudo depende, no entanto, da cimeira de líderes da UE que decorre a 21 e 22 deste mês, em Bruxelas: se a França, Alemanha e Reino Unido conseguirem concretizar o seu grande objectivo, o encontro deverá saldar-se por um acordo sobre as grandes linhas políticas do novo tratado, e, em concreto, a definição exacta de quais das disposições da Constituição deverão ser repescadas, e como, para o novo texto.
Mesmo que assim seja, este acordo não dispensará a presidência portuguesa, que sucede à Alemanha a 1 de Julho, de convocar e presidir a uma conferência intergovernamental (CIG) - a única instância com o poder de alterar os tratados europeus. Só que, em vez de terem de conduzir uma ronda de negociações particularmente difíceis entre os Vinte e Sete sobre os aspectos da Constituição que poderão ou não ser salvos, os responsáveis portugueses apenas terão de arbitrar o trabalho dos juristas para a tradução do acordo político em "linguagem de tratado". Com a vantagem de que, mesmo nesta perspectiva mais ligeira, Lisboa poderá sempre incluir no balanço da sua terceira presidência da UE a resolução do imbróglio institucional que envenena a vida comunitária desde 2005.
Ao invés, se as grandes linhas do acordo político não forem definidas na próxima cimeira, o Governo já deixou claro que recusará qualquer calendário vinculativo para a conclusão do processo até ao final da presidência, em Dezembro.
Tratado minimalista?
A perspectiva da conclusão de um acordo já este mês tem ganho terreno desde as eleições francesas de Maio, que permitiram clarificar a situação política no país cujo referendo negativo inviabilizou a entrada em vigor da Constituição. O novo Presidente francês, Nicolas Sarkozy, assumiu o mandato firmemente decidido a arrumar de vez com a hipoteca constitucional. Assumindo o bastão do peregrino, Sarkozy já se deslocou ou conta deslocar-se a vários países europeus para convencer os chefes dos governos mais recalcitrantes a aceitar a sua versão de um tratado simplificado, concentrado sobretudo na reforma das instituições comunitárias de modo a reforçar a capacidade de acção da Europa. Segundo o que os franceses afirmam em privado, a versão simplificada que defendem corresponde a 90 por cento do texto original, embora despido da linguagem e símbolos constitucionais e redigido na terminologia tradicional dos tratados europeus.
Entre os encontros programados por Sarkozy até à cimeira está um almoço com o primeiro-ministro português na segunda-feira em Paris (na manhã desse dia Sócrates avistar-se-á com o seu homólogo austríaco em Viena.
Tony Blair, primeiro-ministro britânico, quer igualmente a todo um custo um acordo já este mês, mas constitui, paradoxalmente, o principal obstáculo à sua concretização. Blair pretende obter uma decisão sobre a substância do novo tratado antes de sair do Governo, a 27 de Junho, de modo a facilitar a vida ao seu sucessor, Gordon Brown. A mudança de governo em Londres constitui um dilema para os outros países: por um lado, a maior parte recusa o tratado minimalista exigido por Blair; por outro, todos suspeitam que as coisas serão bem mais difíceis depois de a equipa presumivelmente mais eurocéptica de Brown assumir os comandos.
A insistir na necessidade de um acordo este mês está ainda Angela Merkel, a chanceler federal da Alemanha, que preside actualmente à UE e pilotará a cimeira decisiva.
A sua determinação prende-se com a constatação, feita igualmente por muitos dos 18 países que já ratificaram a Constituição, de que sem um acordo agora dificilmente será possível consegui-lo mais tarde. Merkel, Sarkozy e Blair estão assim absolutamente decididos a aproveitar a vaga de fundo em favor de uma solução rápida e a utilizar todos os meios ao seu alcance para o conseguir. Para grande alívio da presidência portuguesa.