6.7.09

O financiamento público, por si só, não garante mais qualidade

Bárbara Wong, in Jornal Público

Consultor norte-americano critica falta de autonomia e criação de leis sem conhecer o que os outros países fazem de melhor


É professor de Política Educativa Internacional na Universidade de Vanderbilt, Tennessee, nos EUA. Trabalhou no Banco Mundial durante 22 anos e, nos últimos tempos, tem sido consultor internacional. "Apesar de ser americano, não represento os EUA", diz. Preocupa-se com o que a educação pode contribuir para a coesão social, a corrupção e os negócios em torno da educação. Tem estado em Portugal, a convite do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, no Porto, a estudar o sistema português. É preciso mais autonomia, defende.

Tem estudado o sistema de ensino superior português. Qual é a sua opinião?

É um sistema complicado. Tem ensino público e privado, o que não é muito vulgar na Europa. Tem uma agência de avaliação e acreditação, com seis meses de existência e que ainda não começou a avaliar. Tem feito muitas mudanças e há muito movimento no sistema. Por isso, é complicado.
Porque há instituições a mais?

O número de instituições não é a questão mais preocupante, mas sim as mudanças que se estão a fazer e o problema do financiamento. O que se passa é que todas as nações estão a lutar com três grandes pressões: a pressão da equidade, a de aumentar a percentagem dos que chegam ao ensino superior e a de aumentar a qualidade. Não se pode aumentar a qualidade só através do financiamento público. É preciso encontrar novas formas de financiamento.

Além das propinas?

Sim. Nas grandes universidades, que fazem investigação, as propinas equivalem a 16 por cento do financiamento. Os outros recursos são receitas, por exemplo, para uso das instalações, para desporto, concertos ou conferências. As universidades competem por bolsas públicas e privadas; por encomendas. Temos receitas de direitos de autor. E os que se diplomam, quase 50 por cento dos alunos, continuam a contribuir. Isto é o que as universidades portuguesas precisam de fazer.

Mas os diplomados portugueses não têm essa tradição.

É preciso começar. Os reitores também me dizem que os graduados não dão dinheiro, mas em Coimbra conseguiram que os antigos alunos colaborassem na reconstrução de um edíficio.

As mudanças que estão a ser feitas são as mais correctas?

Se me perguntar se as mudanças vão na direcção certa, eu digo que sim, mas nem todas terão sucesso. Ha áreas em que Portugal ainda não tocou. Por exemplo, houve três instituições que se candidataram a ser fundações, mas ninguém sabe do que realmente se trata. É importante que as pessoas percebam quais são as repercussões de serem fundações. O grande dilema é existir um conflito entre a governabilidade e a autonomia. E Portugal ainda não percebeu que a autonomia significa ser autónomo em tudo. Eles dizem que as instituições vão ser autónomas, mas os reitores não são livres para tomar decisões.

De quem é a culpa?

A resposta não é fácil porque parece que faz parte da cultura portuguesa. Os reitores receiam as consequências de ser autónomos e o Governo parece não querer dar essa autonomia. Este negócio do ensino superior...

É um negócio?

Pois, as pessoas não gostam da palavra. Bom, vamos chamar-lhe sector, uma honrada área de actividade económica. É complicado porque o ensino superior envolve muito dinheiro e o país depende deste sector. Há um longo historial de financiamento público e as universidades cresceram à sombra desse investimento. O problema é que não podem participar na reforma se não se reconsiderar essa relação e as fundações podem ser uma saída, mas ainda não foram longe o suficiente. Por exemplo, no Canadá, EUA e também na Austrália, as universidades públicas recebem 30 por cento de financiamento do Orçamento do Estado. Há outros dinheiros que continuam a vir do Governo, mas pelos quais as instituições têm que competir. Os salários são diferentes mesmo dentro do mesmo departamento.

Mas em Portugal há escalões para os salários dos professores.

Podem acusar-me de ser neoliberal e dizer-me que não podem fazer isso porque é preciso respeitar o princípio da equidade. Eu compreendo, mas vocês querem ser competitivos. O problema em Portugal é que ninguém tem formação em Administração em Ensino Superior. Outra coisa que me preocupa é que há muita legislação nova, mas ninguém estudou o que se passa noutras partes do mundo; é preciso saber como se faz lá fora para saber o que é importante mudar.

A aplicação de Bolonha responde a essa necessidade de competir?

É uma declaração de intenções, mas o modo como está a ser aplicado... Não sei. Não me parece que esteja a resolver os problemas de competitividade. O processo prevê a transferência de créditos e o reconhecimento de habilitações de umas universidades por outras, mas foi assinado pelos países. Há instituições de países fora da União Europeia em que é possível comprar diplomas.

Continua a acontecer?

Sim e está a piorar! Se sou reitor de uma instituição e o Governo me diz que tenho que aceitar um professor ou um aluno do Cazaquistão, vai ser complicado não o fazer porque o grau foi reconhecido por Bolonha. Portanto, ninguém pensou que as universidades da Europa Ocidental podem não querer ver posta em causa a sua qualidade.

Como é que se pode combater?

Através de testes. Reduz o risco, mas não o elimina. A Europa ainda não o faz e isso é um problema porque parece que não há pensamento estratégico sobre o assunto.
O processo de Bolonha também surgiu para competir com o modelo norte-americano. Está a conseguir?

Isso é o que eles dizem, mas Bolonha não tem nada a ver com autonomia de gestão ou de salários, por isso é um modelo que não tem nada de competitivo. No entanto, o que vejo que está a fazer a diferença é o papel da União Europeia que tem programas que apoiam o ensino superior como o Erasmus, o Erasmus Mundus, o Sócrates. São programas fabulosos que promovem a mobilidade dos professores e dos alunos. O dinheiro que vem desses programas é uma fonte de financiamento.

É interessante para um norte-americano vir estudar para a Europa?

Nos EUA, um em cada três alunos passam pelo menos um semestre fora da sua instituição. Muitas universidades na Europa continuam longe deste paradigma que pode ser aproveitado em termos financeiros pela própria instituição. Falta às escolas avançar para o mercado, encorajar esta mudança e oferecer programas em inglês. As universidades têm que ter mais-valias que atraiam os alunos para vir para Portugal. Também falta às instituições uma maior relação com as empresas e autarquias locais.